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DECLARAÇÃO MRT | Amazônia: É preciso dar um basta à sanha predatória de Bolsonaro e dos capitalistas

O corredor de fumaça (matéria suspensa, fuligem) que nesta semana tomou conta do céu em São Paulo, parte do Mato Grosso do Sul e do Pará fez parecer que anoitecia às 3h da tarde. Antes fosse um fenômeno natural, mas a realidade é que se tratou de um dos efeitos de uma política predatória instigada por Bolsonaro, em nome do agronegócio e da mineração, que está disposta a avançar para devastar o que estiver pelo caminho.

quinta-feira 22 de agosto de 2019 | Edição do dia

A escuridão foi provocada pela chegada de uma frente fria que trouxe ventos com enorme massa de matéria originada de queimadas da divisa do Mato Grosso e Mato Grosso do Sul com o Paraguai e a Bolívia. O fato foi assunto internacional e se tornou um alerta da degradação e destruição do meio ambiente e dos recursos naturais promovidos pela sede de lucro de capitalistas.

O fenômeno é resultado direto de cada incentivo de Bolsonaro ao desmatamento. Suas declarações incendiárias e suas ações de flexibilização do código ambiental jogam gasolina na sanha dos ruralistas, que incitados pelo presidente fazem a Amazônia arder em chamas avançando seus latifúndios pela região. É resultado indireto de anos e mais anos em que todos governos, de FHC a Lula e Dilma, deram muitos bilhões ao agronegócio, que quer mais e mais terras para pastagens e soja.

O rastro de fogo, visível do espaço, acompanha a expansão do agronegócio deixando um rastro do sangue de povos indígenas, quilombolas, populações tradicionais e dizimando a fauna e flora nativa. Crescem as zonas de conflito por terra, enquanto Bolsonaro incentiva a grilagem dos ruralistas, o avanço do latifúndio, criminaliza os movimentos que lutam pela reforma agrária, chamando o MST de "organização terrorista", e desejando liberar o porte de arma no campo para aumentar ainda mais o assassinato de lideranças do movimento por terras.

As mesma ironias e mentiras absurdas de Bolsonaro que vemos diante do fogo, vimos em suas declarações diante da morte de uma liderança indígena em local de conflito com garimpos; vimos diante do crescente número de barragens sob risco de colapso, vemos em cada mega-obra para satisfazer a mineração predatória, como no coração da Amazônia, em Carajás e todo seu arco.

As queimadas foram organizadas consciente e criminosamente pelo latifúndio: houve um “dia do fogo” publicado e convocado por jornais do sudoeste do Pará, como até a Folha de São Paulo relatou. A região que mais teve queimadas é a da BR-163, que liga o norte de Mato Grosso a portos no Pará, justamente a estrada que Bolsonaro tanto propagandeou estar asfaltando, em uma política de governo que sempre consta nos editoriais da grande mídia como uma das realizações do governo reacionário.

Foto de satélite dos focos de incêndio na BR-163, rota de escoamento da produção de soja entre as cidades de Tenente Portela (RS) a Santarém (PA)

A própria ação de queimar terras atende a declarações públicas de Bolsonaro, que mais de uma vez já falou que faria isso, e agora diante da catástrofe teve a cara-de-pau de acusar ONGs pelo que o agronegócio fez.

O mapa da destruição com o fogo coincide rigorosamente com o mapa de onde mais houve avanço da soja:

De acordo com os dados do Programa Queimadas do Inpe, as queimadas em todo o território nacional aumentaram 82% em relação ao mesmo período de 2018, e mais da metade destes focos estão na Amazônia. O estado do Mato Grosso lidera a lista com maior número de queimadas (19% do total) e é um alerta ambiental, crescendo 88% em relação ao mesmo período do ano passado. O programa aponta que mais da metade dos focos de queimadas de 2019 estão na Amazônia e 19% delas estão somente no estado do Mato Grosso. De acordo com o próprio programa, o elevado número de focos de queimadas é impulsionado pelo avanço do desmatamento, que por sua vez acompanha o aumento da terra cultivada pela soja.

Apesar do governo de Bolsonaro tentar esconder os dados, demitindo por retaliação o antigo diretor do Instituto Nacional de Pesquisa Espacial (Inpe), Ricardo Galvão, por ter publicado dados alarmantes, a situação também foi registrada pelo satélite de referência AQUA_M-T, administrado pela NASA, que divulgou estudo em que aponta que o número de focos de queimadas de janeiro a agosto de 2019 é o maior registrado nos últimos cinco anos e é o dobro dos dados divulgados pelo Inpe. De acordo com o estudo, a Amazônia brasileira perdeu mais de uma Alemanha em área de floresta entre 2000 e 2017.

O casamento dos interesses do agronegócio e o obscurantismo da extrema-direita

É mais do que evidente o alinhamento de Bolsonaro com os setores do agronegócio, bem como com as mineradoras. Desde a posse de seu governo ele vem avançando em inúmeras medidas assassinas contra as populações tradicionais e povos originários, e de devastação do meio ambiente. Para citar apenas algumas: a começar pela nomeação do ministro (anti) Meio Ambiente Ricardo Salles, acusado de crimes ambientais; a liberação indiscriminada de agrotóxicos potencialmente cancerígenos (vários deles proibidos em outros países); a alteração de 16 artigos da Lei do Código Florestal que “desburocratiza” licenças para destruição da floresta Amazônica, do Cerrado e da mata Atlântica; a deslegitimação dos alarmantes dados sobre desmatamento pelo Inpe, que resultaram na demissão do presidente Ricardo Galvão; revisão de 334 Unidades de Conservação; tentativa de extinção de reservas ambientais; além de sua intenção de legalizar o garimpo em terras indígenas; suspensão de vistoriais ambientais sem aviso prévio, esvaziamento do poder de intervenção do IBAMA e para facilitar tudo isso posse de armas aos latifundiários.

Essa política de devastação ambiental representa o encontro dos interesses provenientes da ganância ilimitada dos ruralistas potencializada pela mentalidade obscurantista e reacionária da extrema-direita, que refuta o próprio conhecimento científico ao negar o aquecimento global e afirmar o terraplanismo. Ao passo que seu governo implementa medidas de destruição, Bolsonaro faz chacota com a situação sugerindo a jornalistas que é “só você fazer cocô dia sim dia não, que melhora bastante” quando questionado sobre a poluição ambiental; afirma que preocupação ambiental é coisa para “veganos que só comem vegetais”, além de fazer parte da trupe obscurantista que acredita que a “tese” do aquecimento global foi inventada para que ONGs pudessem lucrar com as batalhas para “salvar o mundo”, e que estas mesmas, e não os latifundiários, seriam os criminosos agora.

Nesse sentido, o discurso anti-ambientalista de Bolsonaro é uma extensão do discurso de Trump e da extrema-direita global, que da mesma forma rejeita o aquecimento global, rompe os acordos climáticos e revisa a legislação ambiental em benefício do agronegócio e das gigantes industriais estadunidenses.

O avanço da fronteira agrícola mira a Amazônia

Apesar do realismo fantástico do “fenômeno” dessa semana, que expôs o nível da catástrofe ambiental que as políticas de Bolsonaro já realizam no país, para compreendermos o atual estágio de devastação do meio ambiente é necessário retomarmos os antecedentes da expansão da fronteira agrícola, a principal força motriz dessa devastação.

Desde que o cultivo da soja foi adaptado para o cerrado, os anos 80 e 90 assistiram a expansão acelerada da fronteira agrícola em direção ao Centro-Oeste. A sobrevalorização do preço das commodities durante os anos 2000 só intensificou esse processo, nem mesmo a vastidão do Centro-Oeste foi suficiente para aplacar o apetite sem fim do latifúndio brasileiro, completamente fundido tecnológica e financeiramente com o imperialismo e o capital financeiro que avança no campo brasileiro, e especialmente na fronteira amazônica. Em 2003, quando Lula assumiu o poder, os latifúndios concentravam 214,8 milhões de hectares. Ao entregar a chave do Palácio do Planalto para Dilma, os latifúndios já ocupavam 318 milhões de hectares.

Frente ao esgotamento de terras na região central do país, os olhos dos ruralistas cresceram em direção à região norte e à Amazônia, que se tornou a nova fronteira de expansão. Como evidência desse processo, no primeiro ano da década de 90 a produção de soja na região norte era de 0,2 toneladas, no ano de 2013 a produção saltou para 3,3 milhões de toneladas. Em 2018, só o estado de Tocantins já produzia 3,1 milhão de toneladas de soja, e a região norte já tinha alcançado 5,9 milhões de toneladas.

Sob a gestão petista os grandes ruralistas tiveram porta-vozes destacados nos ministérios, por exemplo com a ex-presidente da CNA, Kátia Abreu (PDT-TO), e amplo estímulo para expandir seus latifúndios, com a disponibilização de enormes financiamentos para seguir aumentando as safras recordes que teriam como destino abastecer os vorazes mercados chineses. Enquanto o agronegócio representava 12% do PIB em 1984, tendo caído a 6% em 1993 – subindo novamente sob FHC a níveis próximos do final da ditadura – aumentou vertiginosamente nos governos do PT, alcançando 23,5% do PIB em 2015, mesma porcentagem encontrada em 2017. Portanto a narrativa petista que se isenta da responsabilidade sobre a alarmante escalada da devastação da floresta amazônica é falsa.

Sem compreender essas transformações do agronegócio na participação da dinâmica da economia brasileira – que se trasladaram para a esfera política -, é impossível localizar as origens da política (anti)ambiental do atual governo. Essa nova fração da classe ruralista, oriunda do Centro-Oeste e do Paraná, desde sua ruptura com o projeto de conciliação petista, teve importante atuação para a aprovação do golpe institucional, tornando-se uma das forças protagonistas da reacionária agenda golpista que encontrou em Bolsonaro, ainda que um herdeiro ilegítimo, um aliado para a aplicação dura dos ataques econômicos e retrocessos ambientais que tomaram o país.

A oposição inconciliável entre o capitalismo e supostas alternativas “verdes”

A eleição de Bolsonaro representou o triunfo desse projeto burguês de retrocessos ao país. Assim como a burguesia mundial, a burguesia brasileira, frente ao “estancamento secular”, não possui nenhum projeto de crescimento a ofertar. No contexto global, o neoliberalismo senil, calcado na retirada de direitos e na superexploração dos trabalhadores nos obrigando a trabalhar até morrer, não surte efeito em nenhuma parte. No Brasil, dada nossa posição subalterna na divisão do trabalho mundial como “celeiro do mundo”, além da intensificação da exploração humana, esse projeto implica na superexploração dos recursos naturais e sua devastação. Dentro do contexto de guerra comercial e acirramento da competição nacionalista entre os países, a vantagem comparativa da burguesia brasileira está na alta taxa de produtividade do campo, que ela busca ampliar ao custo da expansão dos latifúndios em direção a floresta amazônica.

O agronegócio brasileiro quer aproveitar a janela de oportunidade de exportação para a China, que aplicou tarifas à soja dos EUA, prejudicando o preço desse produto norte-americano em represália às tarifas que Trump aplicou contra a China. Como o grão dos EUA ficou mais caro, a China substituiu as compras dos EUA pelo produto do Brasil. Com isso, o Brasil se tornou o maior exportador de soja para China – e do mundo. Em 2018, o primeiro ano da guerra comercial, as exportações brasileiras para a China cresceram 35% na comparação com 2017, gerando uma balança comercial positiva para o Brasil em US$ 30 bilhões. A soja foi a maior beneficiada, com uma exportação adicional de US$ 7 bilhões para a China, na comparação com 2017. É uma monstruosidade que a Amazônia seja destruída pela sede de lucro dos capitalistas e de Bolsonaro, que os favorece.

Nesse contexto, a floresta Amazônica, patrimônio ímpar da biodiversidade mundial, torna-se mais um palco mais intenso de disputas dos interesses geopolíticos capitalistas. A política de devastação ambiental de Bolsonaro provocou reações de Alemanha e Noruega, que retaliaram estrangulando o bilionário Fundo Amazônia que custeia programas de monitoramento e combate ao desmatamento, além de colocar sob ameaça o acordo entre Mercosul e a UE. Macron ameaçou levar ao G7 o tema. Essa reunião da cúpula do imperialismo, reunindo o governo dos 7 países mais ricos do mundo, é o que há de mais reacionário no mundo, concentrando aqueles que mais lucram com o desmatamento e agronegócio, aqueles que promovem aos direitos dos povos, dos trabalhadores e guerras de rapina na África, no Oriente Médio.

A hipocrisia do “imperialismo verde” europeu é sem fim. O agronegócio de grãos no Brasil é completamente cartelizado por traders imperialistas que dominam a distribuição de sementes transgênicas, agrotóxicos, fertilizantes, os silos, a logística e depois sua comercialização. As quatro traders que dominam o país são as americanas Cargill e ADM, a francesa Dreyfuss e a holandesa Bungee. Essas 4 empresas sozinhas detém 80% do comércio de soja do Mato Grosso, mas encontram crescente concorrência da chinesa COFCA, da russa Sodrujestevo, da japonesa Mitsui e do grupo Amaggi, de Blairo Maggi, ex-governador de Mato Grosso. Essas empresas imperialistas comercializam sementes produzidas por empresas de capital europeu, como a alemãs BayerCropScience que adquirou a francesa Monsanto. Até mesmo o supostamente ecológico capitalismo norueguês lucra com a devastação brasileira, a maior empresa de fertilizantes do mundo, a estatal norueguesa Yara, tem mais de 25% de seu faturamento mundial no mercado brasileiro.

Bolsonaro fala em defender a autonomia nacional, uma hipocrisia para quem se coloca como vassalo do imperialismo ianque, e que no mesmo dia em que fala isso anuncia a privatização de 17 estatais. Bolsonaro afirma que seu governo não se dobra às imposições dos países da UE para “demarcar terras indígenas” e aceitar a presença de ONGs estrangeiras.

Todo esse escândalo e crime ocorrem em meio à semana do clima em Salvador, na qual o Ministro do Meio-Ambiente foi vaiado, mas também dos acordos das Conferência das Partes (COP), que tem como um dos objetivos declarados o controle da poluição do ar e que servem para países imperialistas oferecerem outras tecnologias, mercadorias e gestão para mitigar o que suas Yaras, Bayers e Monsanto lucram.

As formas bárbaras da acumulação capitalista na Amazônia e no Cerrado, com Bolsonaro assumem uma forma muito mais ardente e violenta, o que não implica ocultar que já acontecia e se desenvolvia sob o petismo. E em um e noutro caso para lucro imperialista. A barbárie amazônica do capitalismo tem seu correlato nos rios inflamáveis na Austrália e nos EUA graças ao fracking para produzir gás natural mais barato, além de intermináveis nuvens de Smog na China e na Índia. O entardecer às 15h em São Paulo é só o começo das epidemias e desastres, do futuro distópico que o capitalismo nos reserva se não o detivermos.

Diante da hipocrisia imperialista, da desenfreada barbárie do agronegócio e da mineração no país, com suas Brumadinho e Mariana a nos lembrar, fica mais que evidente a completa incapacidade de impedir a continuidade dessa devastação sob o capitalismo. Mais uma vez são os setores da juventude que sentem e expressam de forma mais evidente essa perspectiva catastrófica que o capitalismo lhes impõe. Em diversas partes do mundo os jovens protagonizam inúmeras manifestações contra as mudanças climáticas fruto da devastação ambiental, como as "sextas-feiras pelo futuro na Europa". No Brasil também são os jovens a linha de frente dos questionamentos às políticas devastadoras de Bolsonaro. É preciso um programa e uma estratégia anticapitalista ao lado da classe trabalhadora para que essa jovem geração possa lutar pelo seu futuro.

É necessário impor a imediata suspensão de todos repasses financeiros bilionários do plano Safra aos latifundiários e sua imediata aplicação em planos de combate ao incêndio, reflorestamento e gestão das florestas. É necessário uma reforma agrária radical que desmantele o latifúndio no país, distribuindo terra a quem deseja nela trabalhar, que garanta autonomia e integralidade das terras indígenas e quilombolas, e integre as pequenas propriedade de cinturões verdes nas cidades, com os pequenos proprietários no campo, com grandes fazendas e fábricas sob controle dos que nela trabalham. Frente aos bilhões de dólares exportados anualmente em soja, milho e carne às custas de devastação ambiental e humana, é preciso levantar uma campanha pela estatização sem indenização de todas traders e seus bilionários recursos financeiros, logísticos e tecnológicos. A posse dessas empresas implicaria em um monopólio estatal do comércio da soja, permitindo que essas riquezas não sirvam apenas a um punhado de imperialistas e latifundiários. Uma empresa estatal, controlada pelos trabalhadores, permitiria o uso das mais modernas tecnologias, hoje empregadas para o lucro e a devastação, para o desenvolvimento humano e de outro metabolismo, orgânico com a natureza e todos povos tradicionais e originários. Esses recursos sob controle dos trabalhadores permitiriam criar institutos de pesquisa junto de cientistas e populações da região para concretizar novas relações entre os seres humanos e destes com a natureza.

Um programa como este, operário e anticapitalista, seria uma poderosa alavanca na luta para os trabalhadores de todo país tomarem em suas mãos a luta por uma reforma agrária radical, junto dos camponeses, quilombolas e povos originários para abolir essa herança colonial e escravocrata do latifúndio, e oferecer terra, crédito e tecnologias a todos que queiram trabalhar nela.

A atual etapa de desenvolvimento capitalista reafirma o desencontro entre a dinâmica interna de seu processo de acumulação com a construção de alternativas sustentáveis; porém também engendra as possibilidades técnicas e do sujeito social, os trabalhadores que podem superá-la. O desenvolvimento tecnológico segue hoje subordinado à ampliação do uso predatório dos recursos. A competição entre as nações transforma o discurso ambiental em demagogia para que as nações desenvolvidas, que são as grandes poluidoras mundiais, chantageiem com metas de sustentabilidade o crescimento dos países em desenvolvimento.

A transformação dessa realidade perpassa por uma mudança radical da sociedade em que vivemos. Não há conciliação histórica possível entre uma produção voltada para o lucro – cuja dinâmica inexorável é a acumulação do capital – e qualquer coisa parecida com a utilização racional e ambientalmente correta dos recursos naturais. Somente a organização de uma sociedade emancipada das garras do capital e, portanto, com base nos produtores livremente associados poderá superar a exploração predatória da natureza, a crise ambiental e a miséria social na qual estamos submetidos.




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