A onda de sanções econômicas arrastou consigo uma onda de censura e cancelamento de obras de arte e artistas russos na Europa e nos Estados Unidos.
Imagem: (Solaris) Mosfilm
Na Europa, um festival de cinema na Andaluzia cancelou a programação do diretor russo Andrei Tarkovsky e substituiu a exibição de Solaris pela versão americana. Uma universidade italiana suspende um curso sobre Dostoiévski, embora depois, diante das críticas, tenha recuado na decisão. A Filarmônica de Munique demite o maestro Valery Gergiev por não condenar, como gostariam, a invasão russa. A Royal House Opera em Londres suspendeu a apresentação de verão do Ballet de Moscou. Nos Estados Unidos, a Ópera de Nova York suspende a soprano russa Anna Netrebko e a substitui por uma ucraniana. Uma censura que beira o ridículo e da qual nem os mortos estão a salvo.
Orquestas desprograman a Tchaikovsky. La Fundación Vuitton baja cuadros de Mikhaïl e Ivan Morozov, festivales de teatro sacan a Chéjov, el de Cannes boicotea films. El arte vaciado de su poder de disidencia, el arte como verdugo, al servicio de la peste de la emoción.
— Ariana Harwicz (@ArianaHar) March 6, 2022
Orquestas desprograman a Tchaikovsky. La Fundación Vuitton baja cuadros de Mikhaïl e Ivan Morozov, festivales de teatro sacan a Chéjov, el de Cannes boicotea films. El arte vaciado de su poder de disidencia, el arte como verdugo, al servicio de la peste de la emoción.
— Ariana Harwicz (@ArianaHar) March 6, 2022
As decisões inusitadas por parte das instituições culturais confirmam que essa decadência não vem apenas dos governos, e que o medo de sair do politicamente correto atinge níveis insuspeitos. Embora a censura não seja algo novo, não deixa de ser trágico, especialmente quando endossa ir mais longe, violência física contra imigrantes russos, arranhões em suas instalações, tratando-os como párias. Parte disso já está acontecendo.
La Filmoteca de Andalucía cancela la proyección de 'Solaris', de Tarkovski, "debido a la delicada situación mundial". 🤷🏻♂️🤦🏻♂️ En fin…
Aquí lo denuncia Manuel J. Lombardo, profesor de la Universidad de Sevilla y crítico de cine👇🏻 pic.twitter.com/vqaCSjcZfP
— Josema Jiménez (@josemajimenez84) March 4, 2022
La Filmoteca de Andalucía cancela la proyección de 'Solaris', de Tarkovski, "debido a la delicada situación mundial". 🤷🏻♂️🤦🏻♂️ En fin…
Aquí lo denuncia Manuel J. Lombardo, profesor de la Universidad de Sevilla y crítico de cine👇🏻 pic.twitter.com/vqaCSjcZfP
— Josema Jiménez (@josemajimenez84) March 4, 2022
Se a censura clássica perseguia artistas por sua adesão a uma ideologia contrária, como o comunismo, ou por "ir contra a moralidade" em obras que questionavam as relações e o papel da mulher, para citar alguns exemplos, essa censura parece só depender do passaporte. Pouco importa se Tarkovsky, repetimos, já morto e, portanto, incapaz de se posicionar a favor de Putin, foi perseguido pela ex-URSS e forçado ao exílio. Pois não deixa de ter cometido o pecado original... ser russo.
🇩🇪⚡️🇷🇺 Looks like a Russian supermarket was attacked in the German town of Oberhausen. https://t.co/BvLVEU5BiR
— Ali Özkök (@Ozkok_A) March 3, 2022
🇩🇪⚡️🇷🇺 Looks like a Russian supermarket was attacked in the German town of Oberhausen. https://t.co/BvLVEU5BiR
— Ali Özkök (@Ozkok_A) March 3, 2022
Por outro lado, se se trata de banir expressões culturais cujos governos têm sangue nas mãos, bem, então talvez o festival andaluz também não deva exibir o Solaris americano, certo? Mas o cancelamento é seletivo e a indignação também.
O referido festival concedeu a censura pelo motivo de que "Putin não se beneficia dos lucros da projeção de filmes russos". A Alemanha exige que os russos que queiram trabalhar em seu país se submetam à posição oficial sobre a guerra. Enquanto isso, a Europa continua sendo o principal importador de petróleo e gás russos, cujos lucros vão para financiar, na realidade, a guerra. Parece que é mais fácil apagar as expressões artísticas e continuar com os negócios capitalistas.
Ah Europa, seu negócio é puro teatro, falsidade bem ensaiada, simulação estudada…
A série “Chernobyl”, da HBO, agora em voga, superficialmente parecia uma crítica à antiga União Soviética e seu estado burocrático, à distorção de fatos e mentiras para fortalecer uma narrativa oficial e, claro, à censura daqueles que falavam a verdade. Mas talvez o que Chernobyl estava dizendo para o Ocidente seja “cuidado, você não é tão diferente e também pode cair”. Como diria Mark Fisher, do realismo socialista ao realismo capitalista.
As guerras convulsionam a vida e, por sua vez, a arte. O medo que está por trás das proibições é o de que a sociedade comece a questionar seus próprios governos, e a arte que vale a pena é aquela que vai nessa direção. Por isso, assim como as vanguardas souberam fazer no século 20, talvez o que precise ser varrido sejam as instituições que censuram e proíbem em nome da liberdade. Talvez seja hora de insistir novamente nessa premissa principal: Toda liberdade à arte!
[Traduzido por Pedro Costa]
Comentários