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Coluna | A questão de classe é o grande ausente no Projeto Nacional de Desenvolvimento de Ciro

Ciro Gomes, do PDT, foi o segundo candidato presidencial entrevistado pelo Jornal Nacional, após a entrevista de Bolsonaro, na segunda-feira. Na quinta, Lula será o entrevistado e, na sexta, será a entrevista de Simone Tebet. Dessa maneira, a Globo exclui das entrevistas as candidaturas da esquerda, mesmo que Vera Lúcia (PSTU) tenha chegado a 1% das intenções de votos, em empate técnico com Tebet, que teve 2%.

segunda-feira 29 de agosto de 2022 | Edição do dia
(Foto: Reprodução/TV Globo)

Na entrevista, Ciro buscou se colocar como a terceira via, criticando a polarização da eleição entre Lula e Bolsonaro e afirmando que quer unificar o país em torno de seu projeto. O candidato seguiu a mesma tônica no debate da Band, que ocorreu no domingo.

Em meio às discussões sobre seu programa, no Jornal Nacional, Ciro mirou no eleitor tucano que se sente órfão nesta eleição: reivindicou o Plano Real e agradeceu a João Dória por ter trazido a vacina contra o Covid para o Brasil. Na realidade, a principal crítica de Ciro ao PSDB foi de que Fernando Henrique Cardoso não fez as reformas necessárias para que o Plano Real de fato atingisse seus objetivos, ou seja, sua crítica foi de que FHC não levou até o final os ataques aos direitos dos trabalhadores que, segundo Ciro, seriam necessários.

Na verdade, a defesa do Plano Real por parte de Ciro é uma defesa de seu próprio legado, visto que Ciro foi ministro da Fazenda nos meses finais do governo de Itamar Franco, após a queda de Rubens Ricupero, e após FHC sair da pasta para se candidatar à presidência. No entanto, o Plano Real defendido por Ciro, em meio às medidas neoliberais que estavam sendo implementadas durante os anos 1990, foi um elemento fundamental para o aprofundamento da desindustrialização brasileira, que o Projeto Nacional Desenvolvimentista de Ciro agora busca reverter. Chega a ser risível, então, que em seu site Ciro diga que a causa do fraco crescimento econômico brasileiro é o “modelo político e econômico que começou a ser implantado por Collor” e seguido por todos os presidentes seguintes, “com exceção de Itamar Franco”.

Em seu primeiro ponto programático, Ciro explicou sua proposta de criar um programa de renda básica que iria pagar mil reais, em média, para cerca de 24 milhões de famílias, através da unificação do Auxílio Brasil, do BPC e da aposentadoria rural. Importante notar que estes dois últimos programas tem seu valor atrelado ao salário mínimo, que hoje é de R$ 1212.

A grande discussão da entrevista, no entanto, foi como Ciro conseguiria implementar essas medidas. Fora o debate demagógico sobre sua promessa de não buscar reeleição, os entrevistadores da Globo questionavam seguidamente como Ciro pretendia ultrapassar a baixa quantidade de deputados do PDT no Congresso. A resposta de Ciro se baseava em dois caminhos: por um lado, a manipulação da dívida de estados e municípios com a União, de modo a comprar apoio de prefeitos e governadores; “caso continuasse o impasse”, ele propõe “chamar o povo” através de plebiscitos.

O discurso de Ciro parece abstrair da questão da existência de classes e da contradição entre trabalhadores e burgueses. Se apoia no legado do trabalhismo brasileiro para propor uma união nacional que possa levar a frente um projeto de industrialização e de combate ao rentismo. Porém, esse debate não leva em conta a contradição também entre o operário de fábrica e seu patrão, que batalham pela divisão do produto e por qual o sentido da industrialização, se é o de um aumento geral da qualidade de vida ou apenas do fortalecimento de uma ala diferente da burguesia. O processo de industrialização asiático recente mostra que a atração de indústrias, por si, está longe de significar um processo continuado de melhora das condições de vida dos trabalhadores, além de outras condições inerentes ao processo, como a questão ambiental.

Seu projeto para a industrialização, segundo seu site, se baseia em quatro polos: o complexo industrial de petróleo, gás e bioenergia; complexo industrial da saúde; complexo industrial do agronegócio; e o complexo industrial da defesa, que estaria sob controle das Forças Armadas. Como é possível propor um avanço para o campo brasileiro sem questionar a grande propriedade fundiária, mas propondo medidas que, sozinhas, fortalecem o agronegócio, como o desenvolvimento de indústrias de beneficiamento de cereais e frutas e a produção de defensivos e fertilizantes nacionais? Qual seria o ganho para os trabalhadores brasileiros que as Forças Armadas, que hoje se juntam a Bolsonaro em suas ameaças golpistas, estejam melhor armadas para assassinar jovens negros nas favelas do Rio de Janeiro ou de Porto Príncipe?

Ciro sempre foi um político burguês, tendo começado sua carreira como deputado pelo PDS, partido sucessor da Arena, e depois passou por MDB, PSDB, PROS e outros partidos até chegar ao PDT e começar sua retórica desenvolvimentista, mesmo apoiando o Plano Real e tendo sido ministro de Itamar Franco e de Lula, ambos governos de inspiração liberal. Por isso, Ciro não propõe a reversão da reforma trabalhista e da reforma da previdência de Bolsonaro e, como é comum nos debates desenvolvimentistas, joga a questão de classe para debaixo do tapete, por trás da proposta de um estado forte, que promove investimentos públicos. No entanto, nunca custa lembrar que, ao fim dos 50 anos de crescimento e industrialização que Ciro reivindica, em 1980, o coeficiente de Gini no Brasil ainda rondava a casa dos 0,6.




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