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A situação na ilha e suas perspectivas: entrevista com um jovem comunista cubano

Entrevista: Taliesin Álvarez

A situação na ilha e suas perspectivas: entrevista com um jovem comunista cubano

Entrevista: Taliesin Álvarez

No último 11 de julho, viveu-se em grande parte da ilha de Cuba uma jornada de mobilizações que desenvolveu-se em confrontos e repressão, terminando com centenas de detidos, entre eles referências e ativistas da esquerda cubana. O bloqueio imperialista que Cuba sofre há décadas, bem como as medidas restauracionistas pró-capitalistas do governo, têm aumentado de forma extrema as desigualdades sociais, que junto com a situação dos efeitos da pandemia, que agravaram ainda mais a situação social, acabaram sendo os gatilhos dos protestos.

Estes acontecimentos colocaram Cuba de novo aos olhos do mundo e não houve meios de comunicação que não fizessem referência à situação na ilha. Não é para menos, em Cuba se realizou a primeira revolução em nosso continente, que levou à expropriação da burguesia e expulsção do imperialismo, junto com todos os seus interesses econômicos e políticos, um país que sempre foi assediado pelo imperialismo, mas onde existe toda uma burocracia que, diante da crise existente, não encontrou melhor saída do que avançar medidas restauracionistas, com todas as consequências que isso acarreta para o povo cubano.

Para conhecer em maior profundidade e em primeira mão, traduzimos a conversa originalmente publicada por nosso diário irmão, La Izquierda Diario, com Taliesin Álvarez, que é filólogo e poeta, membro da União de Jovens Comunistas, da Associação Hermanos Saíz e membro do conselho editorial do blog cubano de esquerda Comunistas.

Taliesin, o que você considera terem sidos as causas das mobilizações do último 11 de julho em Cuba?

O estouro social de pequena envergadura ocorrido em Cuba em 11 de julho teve várias causas. A primeira delas é a piora da situação de vida em Cuba como resultado da ação da Covid-19 em escala mundial. A isso se soma o bloqueio dos Estados Unidos e seu recrudescimento pelo governo de Donald Trump, a acentuação das desigualdades sociais como resultado do estímulo das iniciativas privadas na economia nacional e produto do recente ordenamento monetário, a falta de democracia operária, a propaganda anticomunista da direita cubano-americana e mundial.

Falando do criminoso bloqueio, qual é o impacto deste bloqueio impulsionado desde os anos 61 pelo imperialismo estadunidense?

Cuba, mais que muitos países, por suas características naturais, não pode ter uma existência que exclua o intercâmbio com o mundo. Sua condição de país subdesenvolvido impede o desenvolvimento e a modernização de sua indústria, o acesso a novas tecnologias e técnicas de produção. Cuba tem limitações na maioria dos recursos naturais que as economias desenvolvidas demandam. O bloqueio dos Estados Unidos interfere neste intercâmbio necessário do país com o resto do mundo, põe obstáculos ao desenvolvimento de Cuba e ao bem-estar dos cubanos. O bloqueio impede o acesso a créditos, insumos, medicamentos e tecnologias de vital importância para o funcionamento econômico e social da nação, bem como a promoção de suas virtudes naturais e possibilidades com as quais poderia dar sua contribuição ao mundo em diversos campos. O bloqueio restringe a ação positiva das conquistas sociais da revolução cubana na sociedade, para minimizar na mente popular a relevância dessas conquistas do socialismo, de forma que o imperialismo espera tornar os cubanos mais indefesos ante a propaganda falsa, irracional, ignorante, anticientífica e contrária ao progresso humano que o capitalismo apresenta como o melhor e o máximo a que o homem pode aspirar.

Quanto à política econômica do governo Díaz Canel, qual tem sido seu resultado para as maiorias trabalhadoras de Cuba e, mais particularmente, como tem sido sua resposta às mobilizações?

A política econômica do atual governo é errada quando gera desigualdades sociais e estimula as relações capitalistas de produção, quando faz com que as empresas estatais compitam entre si. A resposta do governo às manifestações populares tem sido errada assim como a política econômica. Na política econômica, ainda é possível vislumbrar o socialismo (propriedade social, planificação), mas debilitado. O tratamento dado pelo governo às manifestações reprimiu e censurou pessoas que não vandalizaram nem foram pagas pelo imperialismo, ou seja, a maioria dos manifestantes descontentes com a penúria em que vivem. O socialismo não reprime e não censura. Um sistema que se autodenomina socialismo e comete essas ações contra a liberdade é um Estado operário burocraticamente deformado, onde os trabalhadores não tomam as decisões e não se sentem donos dos meios de produção. Se os trabalhadores, estudantes e intelectuais fossem os tomadores de decisão, eles nunca se levantariam contra si mesmos e responderiam com maior força às constantes agressões do imperialismo que ameaçam a soberania e as conquistas da Revolução Cubana na esfera social. Revolução que ainda é apoiada pela maior parte dos cubanos.

Em meio aos tumultos, o governo bloqueou a internet e deixou a população incomunicável, buscando garantir seu poder e sua manipulação da sociedade com o apoio da televisão e do rádio. Esses meios de comunicação têm insistido que os manifestantes eram indivíduos violentos pagos pelo imperialismo, "gusanos" pró-capitalistas e revolucionários confusos (que haviam). A televisão e o rádio não mostraram os eventos, mas sim a resposta do governo a eles. Como o blog Comunistas mostrou, não havia apenas revolucionários confusos na manifestação, mas também revolucionários que pensam diferente; alguns dos quais foram presos e despedidos de seus empregos. Como pode um estado socialista despedir trabalhadores impunemente nesta situação precária de pandemia? As pessoas têm o direito de se manifestar em todos os lugares e falar o que pensam, o que ameaça os privilégios da burocracia que constantemente promove nas massas a confiança obediente para explorá-las e manejá-las como quiser. O Partido Comunista de Cuba é cúmplice de tudo isso com sua política estalinoide e errada para conduzir o país por uma transição bem-sucedida para o socialismo. Este poder de censura difunde em seus meios de comunicação uma visão falsa, incompleta, não objetiva e não autocrítica desses e de outras questões fundamentais para o avanço do socialismo em Cuba, o que freia, dificulta e coloca em risco seu futuro.

No marco de toda essa situação que coloca, qual perspectiva você vê para os trabalhadores da ilha e o que se deve fazer?

Devemos defender o socialismo, analisar o país desde uma perspectiva não stalinista, verdadeiramente marxista e revolucionária. Essas análises devem ser comunicadas aos trabalhadores de diferentes maneiras e a todos os integrantes do aparelho do Estado que não renunciaram à revolução frente a seus privilégios pessoais. Deve-se promover debates sobre esses assuntos e tentar uma atualização da teoria revolucionária no poder para que este sirva aos propósitos da revolução. Há que obrigar o poder burocrático a ceder diante do exercício da democracia operária, pelas vias que exija a resistência quando o poder burocrático se opõe aos interesses e práticas dos revolucionários.

Defender o socialismo em Cuba significa estabelecer uma democracia socialista na qual os trabalhadores tenham plena liberdade para se expressar, associar e dirigir a produção; elevar a satisfação das necessidades sociais sem buscar suas soluções no campo da gestão privada; fazer avanços contínuos, embora não apressados, na demolição das categorias mercantis; monitorar a desigualdade e a exploração e implementar ações firmes contra elas; aplicar escalas salariais mais equitativas; remover a censura; elevar as habilidades e a cultura dos trabalhadores; defender os direitos da comunidade sexualmente diversa frente ao tabu, violência e ignorância; resolver socialmente o maior número possível de necessidades; elevar os índices de soberania alimentar e de qualidade e produtividade em todos os setores da produção de material. A planificação, a democracia, o declínio do mercado subordinado e a satisfação das necessidades da sociedade permitirão que o socialismo vença frente o capitalismo e não que este se reproduza na realidade e na consciência.

O socialismo pode começar em um país subdesenvolvido e bloqueado como Cuba, mas aqui não pode ser concluído, pois Cuba precisa de um ambiente socialista favorável para desenvolver e aprofundar sua Revolução, sua luta pelo desenvolvimento humano e o bem-estar de seu povo. Para defender o socialismo em Cuba, é de grande importância o internacionalismo, o apoio e a solidariedade dos trabalhadores cubanos com os de outras partes e o apoio e a solidariedade de todos os trabalhadores do mundo com os trabalhadores e revolucionários que em Cuba fazem uma luta contra o capitalismo, o imperialismo e a burocracia. Chamo com a minha modesta voz a todos os trabalhadores do mundo para apoiarem a nossa revolução comunista e gritar: Abaixo a burocracia! Socialismo e liberdade!

Muito obrigado pelo seu tempo, e seguramente seguiremos conversando em outro momento.


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