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Biden elege crítica da esquerda para cargo-chave de seu governo

Joe Biden escolheu Neera Tanden, crítica feroz de Bernie Sanders e da ala progressista do Partido Democrata, para chefiar o Escritório de Gestão e Orçamento (OMB, na sigla em inglês). Mais um sinal de que Biden e o Partido Democrata não estão indo à esquerda.

sexta-feira 4 de dezembro de 2020 | Edição do dia

Joe Biden nomeou, como parte dos desdobramentos do próximo governo, Neera Tanden para chefiar o Escritório de Gestão e Orçamento, o que ainda terá de passar por aprovação no Senado. A indicação gerou indignação na ala progressista do Partido Democrata, tanto por sua longa história de posições à direita, quanto por sua animosidade em relação a Bernie Sanders e seus apoiadores. Este é o último sinal, por ora, de que Biden governará a partir da centro-direita e que apartou a ala progressista de seu partido que o apoiou, apesar de não receber nada em troca.

A recente nomeação faz parte da transição iniciada há pouco mais de uma semana e autorizada por Trump, ainda sem reconhecer sua derrota. À medida que os primeiros nomes do novo governo ficaram conhecidos, como Janet Yellen para o Tesouro, Wall Street comemorou com uma alta recorde.

Tanden é uma política de longa data, cuja carreira está intimamente ligada ao clã Clinton. Ela trabalhou no governo Bill Clinton, no gabinete de Hillary Clinton no Senado e em ambas as campanhas presidenciais. Mais recentemente, Tanden foi CEO do Center for American Progress (CAP), um think tank democrata que trabalhou em estreita colaboração com o governo Obama.

O CAP afirma ser uma organização progressista, mas mesmo um olhar superficial consegue desmenti-lo. O CAP está, de fato, no fundo do bolso dos capitalistas. Um dos exemplos mais claros disto veio no início deste ano, quando o New York Times publicou a história de que o CAP suprimiu um relatório sobre a vigilância de muçulmanos pela polícia de Nova York, porque o relatório criticava o prefeito Michael Bloomberg, que doou milhões de dólares para a organização. Isso aconteceu em 2015, enquanto Tanden era a CEO.

O CAP também foi criticado por organizar um evento com o premiê do estado sionista de Israel, Benjamin Netanyahu, apoiando a Arábia Saudita, e pela falta de transparência sobre a origem de seus recursos. Enquanto muitos de seus doadores permanecem anônimos, corporações como Wells Fargo, Walmart, Northrop Grumman, Goldman Sachs, Pharmaceutical Research and Manufacturers of America e o grupo de lobby de seguro d saúde America’s Health Insurance Plans (AHIP) fizeram doações de fundos para o CAP no passado. Além disso, o CAP recebeu dinheiro de bilionários como George Soros e Bill Gates, além dos Emirados Árabes Unidos e da Fundação Ford.

Esta lista de capitalistas e corporações que financiam a família política de Tanden fazem cair por terra qualquer tentativa de se passar por algo além de uma cúmplice do sistema. Apenas como um exemplo, Tanden ajudou a aprovar a reforma do sistema de saúde, conhecida como Obamacare, e logo aceitou doações do AHIP, que gastou US$ 100 milhões para tentar impedi-la.

O Escritório de Gestão e Orçamento (OMB, na sigla em inglês) é responsável por criar e implementar o orçamento do presidente e supervisiona todas as agências federais para garantir que suas políticas estejam de acordo com a agenda política do governo. Como chefe do OMB, Tanden continuará sendo uma inimiga da classe trabalhadora. Na verdade, como chefe do CAP, ela apoiou cortes em programas como o Seguro Social e o Medicare, então parece provável que esses programas sejam atacados por um OMB liderado por Tanden.

A indicação causou polêmica principalmente entre os sanderistas. Tanden é uma inimiga declarada da ala progressista do partido e usou o CAP e seu site parceiro, ThinkProgress, para atacar Sanders durante as primárias. Isto chegou ao ponto em que Sanders divulgou um comunicado denunciando Tanden por "difamar sua equipe e apoiadores e por desacreditar das ideias progressistas". Ela ganhou repercussão no Twitter e em aparições na mídia para denunciar a esquerda, embora recentemente tenha excluído muitos de seus antigos tuítes anti-Sanders, aparentemente em nome da unidade do partido.

O site New Republic, ao escrever sobre os e-mails de Tanden, que vazaram após os ataques hackers na campanha de Clinton, em 2016, a descreveu como: "uma operadora que, apesar de sua deferência declarada ao “pensamento sério", turvou ativamente os limites entre a administração do estado e a política, tudo para atingir um único objetivo: que Hillary Clinton fosse eleita presidente... Em busca desse objetivo, priorizou consistentemente a política em vez da administração e congelou dissidentes que poderiam ter ideias de valor para contribuir com a agenda democrata".

Os e-mails vazados, como o site New Republic aponta, revelam Tanden como uma versão quase caricatural de um animal político do establishment. Vê cada questão como um mecanismo para obter ou consolidar poder e influência. Além de defender o establishment a todo custo, parece disposta a assumir qualquer posição que a beneficie. Suas palavras se encaixam exatamente no tipo de pessoa que seria a "arquiteta do Obamacare" e, ao mesmo tempo, aceitaria dinheiro de seus oponentes mais ferozes. Não é de se admirar que agora ela se torne membro do governo Biden, outro político da classe dominante, cujo único objetivo é proteger o status quo.

O que a nomeação de Tanden mostra, mais do que tudo, que Biden é um inimigo da classe trabalhadora e da esquerda. Isso não é novidade, mas deve ser destacado porque não devemos esquecer tão rapidamente que grande parte da esquerda defendia Biden como o mal menor. De muitas maneiras, Biden deve sua vitória à popularidade da ala progressista do Partido Democrata, que foi capaz de manter a unidade de sua campanha. Ninguém foi mais influente neste processo do que os alvos favoritos de Tanden, Bernie Sanders, e a ala insurgente liderada por Ocasio-Cortez. Mas, agora que Biden venceu, não só não está oferecendo nada em troca aos progressistas, mas também nomeia pessoas em posições-chave que são ativamente antagônicas às suas ideias.

Além disso, embora a esquerda reformista como o DSA (Democratic Socialists of America) e a Jacobin Magazine possam agora estar em pé de guerra por causa de Tanden, não vamos esquecer que algumas semanas atrás estavam calados sobre a questão das eleições e exigiram apoio para os Democratas em corridas locais. O conceito de "empurrar Biden para a esquerda" foi usado por certos membros da DSA como se essa estratégia não tivesse falhado em várias ocasiões. Vários líderes socialistas e acadêmicos fizeram campanha ativa por Biden e agora protestam que ele liderará um governo de austeridade. Mas, quando chegarem as próximas eleições, todas essas duras denúncias serão silenciadas e, mais uma vez, a esquerda reformista nos dirá para tapar o nariz e votar em qualquer democrata. "Vote agora, proteste depois" será mais uma vez o lema. Mas não podemos cair nessa de novo.

Joe Biden nomeou Neera Tanden para dirigir o OMB porque é isso que os Democratas fazem. Eles se posicionam como o mal menor durante as eleições e, assim que acabam, atacam a classe trabalhadora e os oprimidos. É o que Obama fez, é o que Clinton fez e é o que Biden está fazendo. E o que o próximo democrata fará também.

Por essa mesma noção, devemos também ter em mente que o problema com a nomeação de Tanden não é pessoal. Não existe pessoa idônea para liderar o OMB, porque sua finalidade é desenhar e executar o orçamento de um Estado capitalista que, por sua própria natureza, atacará a classe trabalhadora.

Como chefe do OMB, Tanden será, sem dúvida, uma figura pró-capitalista, mas mesmo se Bernie Sanders ou qualquer outro membro da ala progressista do Partido Democrata fosse nomeado para essa posição, eles ainda serviriam aos interesses do capital, apenas de uma forma diferente. Proteger o capitalismo é fundamental para a natureza dessa posição e para a natureza do governo Biden. Os orçamentos de Biden nunca desafiarão o capitalismo, porque Biden foi eleito para restaurar a estabilidade do capitalismo americano. Ele conseguiu mais doadores bilionários para sua campanha do que Trump, ganhou mais apoios de grandes empresas e disse a seus doadores corporativos que "nada mudaria fundamentalmente". Agora, como presidente eleito, ele está mostrando que isto funciona assim. Não podemos nos enganar pensando que um governo Biden poderia produzir um orçamento pró-classe trabalhadora.

A estratégia de empurrar o Partido Democrata para a esquerda falhou completamente e o sistema continua no controle. Tanden pode ser uma das primeiras inimigas à esquerda a ser anunciada, mas certamente não será a última. Biden está enchendo seu governo de direitistas que bloquearão qualquer reforma progressista e implementarão uma austeridade brutal, sem pestanejar. É isso o que os Democratas fazem e não podemos manter ilusões a respeito.




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