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Carnavais, cristos e censuras: mesmo proibido, olhai por nós

Gabriel Brisi

Brenda Brossi

Carnavais, cristos e censuras: mesmo proibido, olhai por nós

Gabriel Brisi

Brenda Brossi

Passava pela principal avenida do carnaval brasileiro, naquela madrugada abafada de fevereiro, coberto por uma lona preta, Cristo, mas não o Cristo Redentor a qual o publico carioca estava acostumado a ver, mas sim um Cristo negro, vestido de trapos e sem o “brilho” do rei dos céus. Censurado por pedido da Igreja, o carro alegórico escolhido para ser o abre-alas do desfile da Beija-Flor de 1989, idealizado pelo grande carnavalesco Joãosinho Trinta, trazia então um Cristo censurado, com uma faixa com os dizeres “Mesmo proibido, olhai por nós”.

Mas o que o inspirou? Como todo bom ato mítico, o desfile da Beija-Flor daquele ano ganhou muitas histórias de como teria nascido tal ideia. Entre elas a hipótese de que Joãosinho Trinta teria visto uma mendiga muito elegante em Londres, enquanto estava em turnê. Outra hipótese é pelo fato dele ter assistido “Les Miserables", da Broadway. Independente da inspiração, isso se tornou uma crítica ao luxo das elites e trouxe para o palco mais assistido do carnaval, aqueles que ocupavam as ruas, aqueles que sobreviviam no lixo todos os dias.

Com a ideia de criticar o caráter luxuoso que os desfiles tinham tomado, além do grande contraste entre o luxo das elites e a pobreza dos mendigos num dos países mais desiguais do mundo, Joãosinho traz o enredo nomeado “Ratos e Urubus, Larguem Minha Fantasia”, para brincar com o luxuoso que há no lixo. No abre-alas vinha a obra mais emblemática do carnavalesco, um Jesus Cristo, negro, vestido de trapos. Não teria como ser diferente, o abre alas tinha de ser uma crítica a umas das instituições mais ricas e luxuosas, a Igreja.

A notícia da censura chegou no sábado, antevéspera do desfile, a pedido da Igreja, mesmo um ano após a nova constituição. Porém, essa censura tornou o carro abre-alas ainda mais simbólico: Um corpo negro atravessava a Sapucaí, envolto por uma saco preto, assim como os inúmeros jovens negros assassinados pelas balas da policia racista no Rio de Janeiro. Mas dessa vez era Jesus, com os braços estendidos, assassinado pela censura, um ano depois da liberdade de expressão ter sido devolvida ao povo brasileiro. Liberdade que, como sabemos, não chega para todos.

Para a segunda alegoria, nomeada “Convite”, há um bloco cheio de moradores de rua, que não tinham nenhuma ligação com a Beija-Flor, e uma imensa faixa dizendo: “ATENÇÃO Mendigos, desocupados, pivetes, meretrizes, loucos, profetas, esfomeados e povo de rua: tirem dos lixos deste imenso país restos de luxos... Façam suas fantasias e venham participar deste grandioso BAL MASQUÉ”. Uma releitura de “Os Miseráveis” de Victor Hugo.

Foto: agencia OGlobo

Essa obra, todavia, não ganhou o carnaval. A Beija-Flor ficou empatada com a Imperatriz Leopoldinense. No desempate, momento em que as menores notas foram descartadas, a Imperatriz leva a vitória com Liberdade! Liberdade! Abre As Asas Sobre Nós.

“Eu sou o cheiro dos livros desesperados, sou Gitá, Gogóia
Seu olho me olha, mas não me pode alcançar
Não tenho escolha, careta, vou descartar
Quem não rezou a novena de Dona Canô
Quem não seguiu o mendigo Joãozinho Beija-Flor
Quem não amou a elegância sutil de Bobô
Quem não é recôncavo e nem pode ser reconvexo”

Na música Reconvexo, composta por Caetano Veloso e imortalizada na voz de Maria Bethânia, há uma referência ao tal mendigo Joãozinho Beija-Flor. Essa persistente comoção do público continua destacando a imortalidade dessa obra de Joãosinho Trinta, o carnaval em que o Cristo mendigo foi censurado.


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Gabriel Brisi

Estudante de Ciências Sociais - Unicamp

Brenda Brossi

Estudante de Ciências Sociais - UNICAMP
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