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OPINIÃO | Chega de perder de “W.O.”

Quantas derrotas tem acontecido sem resistência organizada por sindicatos, centrais sindicais e partidos políticos da esquerda e da centro-esquerda? É verdade que não podemos fazer nada além de esperar?

Leandro LanfrediRio de Janeiro | @leandrolanfrdi

segunda-feira 29 de março de 2021 | Edição do dia

Foto: João Alvarez

O “W.O.” é quando um time nem aparece para o jogo e o outro ganha automaticamente. É bem isso o que tem acontecido na luta de classes no país.

Sentimos o drama nos hospitais. Conhecidos intubados, ou daqueles que ali trabalham e contam dramas de arrancar novas lágrimas. Elas ainda existem, por mais frequentemente que tenham sido invocadas. Entre as estatísticas aparecem conhecidos, familiares de conhecidos. Cada vez mais nos deparamos com alguém por medo da fome e da patronal trabalhando doente, tossindo seco e se escorando na máquina. Com crescente frequência somos chamados a uma corrente de oração por alguém.

Cada dia há mais gente na rua catando lixo, pedindo ajuda. O desemprego e o desalento aumentaram. No mercado as coisas estão cada dia mais caras. Os patrões se aproveitam, a cada dia vemos situações mais humilhantes: jornadas infinitas de entregadores e ubers, jornadas inferiores a um salário mínimo nos intermitentes e crescente intensificação do trabalho nos setores CLT tradicionais. Pela extensão e intensidade do trabalho deixamos no emprego um pedaço cada vez maior da nossa vida e saúde.

Há quem olhe para isso tudo e diga: “bem feito, votou Bolsonaro agora tem que sofrer.” Esse argumento é problemático de muitas maneiras. Em 2018 tivemos uma eleição manipulada pelo judiciário, com apoio militar, retirando o direito de votar em quem uma maioria desejava (defendemos o direito sem nunca ter apoiado Lula e PT). O argumento também ignora que sofrem ataques (muito maiores do que aqueles que o PT já fazia) não só quem votou, sofremos todos. E mais, iguala o peão com o patrão, que muito se beneficia, porque ambos votaram 17.

Junto a tudo isso tivemos, e seguimos tendo, ataques que passam sem resistência. Cada dia a Petrobras vende mais um pedaço do país, cada dia o Congresso alguma maldade, reforma trabalhista, previdenciária ou, agora, o congelamento de salários de professores e outros funcionários públicos até quase 2040 (juízes e militares ficam de fora). Qual luta tem acontecido contra isso?

Por que não há luta? A pandemia não permite dizem uns. A classe está derrotada dizem outros.

Os cuidados sanitários necessários não explicam isso não. Uma maioria de nossa classe segue tendo que “pegar metrô ao contrário” para tentar conquistar um lugar sentado no transporte lotado. Protestar, de máscara e outros cuidados, não resultou em surto no Chile ou nos EUA com Black Lives Matter, mas colocou a indignação na rua, impediu o “W.O.”, e arriscou criar condições para vencer.

O argumento de que não podemos protestar agora aumenta a derrota. E esta derrota existe. Mas há reservas. Há jovens que não carregam nas costas nenhuma responsabilidade pelo passado e há setores tradicionais que conservam alguma energia. O país tem tido greves, pequenas, isoladas. Motoristas de ônibus, e greves petroleiras isoladas por unidade.

Esse isolamento das lutas é construído. Ele aumenta a derrota, aumenta a ideia que não há o que fazer. O que explica muitas greves rodoviárias isoladas? O que explica que cada unidade da Petrobras enfrenta a privatização ou os efeitos dela isoladamente? As direções sindicais.

No futebol, para não ter W.O, o time tem que ter no mínimo sete jogadores. Quando o técnico (o sindicato, a central sindical) só escala dois, continua sendo W.O. A partida nem começa.

Deixar acontecer é o que as centrais sindicais têm feito. Falam para os trabalhadores sua oposição ao governo e suas medidas, mas não fazem nada efetivo, planjeado, contundente. Apostam que assim fortalecerão Lula para 2022, apostam que assim a Casa Grande e a Bovespa os aceitarão de novo. Apostam também que o inimigo cairá sozinho, que nada precisamos fazer. Pazzuelo foi sozinho, e talvez caiam Ernesto Araujo e outros. Mas a queda de um reacionário sem as mãos dos trabalhadores não significa nenhuma mudança progressista, é só ver o que significou mudar Witzel pelo bolsonarista Castro no Rio.

Esperar 2022 só aumentará a derrota na classe trabalhadora. Chegaremos lá com terra arrasada, sem salvar vidas que podemos salvar hoje, e sem perspectiva de reverter o que já foi implementado. Lula já perdoou os golpistas e suas medidas. Seu histórico no governo sem reverter nenhuma medida de FHC também comprova isso. Deixar para depois é aceitar a continuidade no futuro do presente podre.

Se não temos esperança na luta de classes, se o inimigo é só Bolsonaro qualquer outra coisa é boa. Aí, nossos objetivos já mudaram, deixaram de ser nossas reivindicações e passaram a ser qualquer coisa menos Bolsonaro. O reacionário Mourão (que assumiria no impeachment) vira opção. Maia, Doria, e outros responsáveis por milhares de mortes na pandemia, por cada reforma e privatização, viram “ok”. Some a crítica aos patrões, uma carta de banqueiros (!) contra Bolsonaro vira algo bom para nós.

Desse jeito continuamos no terreno da derrota. Não mais de W.O., mas escolhendo que entramos em campo como parte de outra equipe. Mesmo com a pandemia, mesmo com as derrotas sofridas, podemos mais. Mas, para isso, precisamos superar a estratégia de aceitar tudo (“bola pra frente”) e desorganizar a luta que fazem o PT, os sindicatos e centrais sindicais. Nosso papel começa no local de trabalho, passa pela rua, e chamar que a esquerda (PSOL, CSP-Conlutas, outros) não deixem mais cada greve isolada, que se coordene com outras, e assim, com força aumentada, coordenada, possa exigir outra postura das centrais sindicais.

As dores sofridas na pandemia e em todos últimos anos precisam ser revidadas. Nada de perdão, não só a Bolsonaro, mas a cada empresário e a todo um regime político. Não se trata só de vingança. Se trata de querer nossas demandas e não as deles. Nossas demandas são inaceitáveis para a Globo, STF, Doria, FIESP. Também são nossos inimigos e não só Bolsonaro, Guedes, Moro. Precisamos organizar essa perspectiva para a batalha ou seguiremos no W.O.




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