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SEMANÁRIO

Da Índia a Mianmar: lutas eclodem no sudeste da Ásia

Salvador Soler

Da Índia a Mianmar: lutas eclodem no sudeste da Ásia

Salvador Soler

A luta de classes é uma tendência que se aprofunda em toda a região e pode ganhar força com a abertura de restrições da pandemia. Uma revisão dos conflitos mais importantes do último ano.

O Sudeste Asiático passa por uma série de processos de mobilização massiva desde 2020 que abalaram os governos atuais, colocando a luta de classes no centro da cena.

Diferentes setores sociais participam conjuntamente desses protestos: uma enorme e precária classe trabalhadora, uma nova classe média, estudantes, movimentos sociais e etnias. Essas lutas, principalmente defensivas, combinam demandas por melhores condições de trabalho diante da hiperexploração e dos baixos salários; enfrentam reformas trabalhistas como na Indonésia e na Índia, incluem consignas políticas como a queda da ditadura em Mianmar; e reformas constitucionais como na Tailândia.

Mas, primeiro, façamos um breve passeio pelas condições materiais em que ocorrem esses fenômenos políticos e a luta de classes, amparados pelo grande desenvolvimento econômico das últimas décadas.

Desenvolvimento econômico e o nascimento de uma jovem classe trabalhadora

Os países que mencionamos nasceram como parte dos processos de libertação nacional após a Segunda Guerra Mundial. Seu desenvolvimento econômico durante décadas esteve vinculado à produção agrícola até os excessos de capital do Japão primeiro, depois dos "Tigres Asiáticos" (Coreia do Sul, Hong Kong, Cingapura e Taiwan) e a realocação de indústrias da China para outros destinos em busca de mão-de-obra mais barata, começando a jorrar investimentos em seus vizinhos.

A crise econômica mundial que se abriu em 1970, valorizou a região como um novo nicho de acumulação capitalista. A partir da década de 1980, o Sudeste Asiático se tornou a Meca das cadeias de valor globais para empresas transnacionais. Salários baixos, zero regulamentação estatal, ausência de organizações sindicais e, em muitos desses países, governos repressivos, eram características apreciadas por multinacionais têxteis como Nike ou Adidas, montadoras como Ford, General Motors e Mitsubishi, e empresas de tecnologia como Intel, que são os principais investidores de capitais norte-americanos, alemães, etc.

Atualmente, o desenvolvimento econômico dos países do Sudeste Asiático conseguiu concentrar grande parte da produção e do comércio mundiais. O controle do investimento e a influência política sobre esta região estão em constante disputa entre as potências regionais e imperialistas.

Por isso, é importante ter em mente que o atual crescimento da região também está atrelado à infraestrutura e aos investimentos produtivos da China no Cinturão Econômico da Rota da Seda. Esse plano chinês gerou um aumento no consumo de matérias-primas em grande escala estimulando a extração de recursos no Sudeste Asiático, mas também uma significativa dependência econômica e endividamento acelerado. A assinatura de acordos bilaterais estabeleceram Corredores Econômicos que integram tanto a extração de recursos quanto a instalação de fábricas de itens de baixa e média complexidade. Ao mesmo tempo, há competição entre os países para atrair novos investimentos. Após anos de crescimento sustentado acima de 6% ao ano (chegando a 14% na China), o trabalhador industrial chinês médio ganha cerca de US$ 700 por mês, em comparação com US$ 250 no Vietnã, 140 no Laos, 130 no Camboja e 110 em Mianmar, segundo relatório publicado pelo The Wall Street Journal.

Filipinas, Malásia, Indonésia, Tailândia - em taxas diferentes - deixaram de ser países agrários para se tornarem importantes centros manufatureiros, embora grande parte de suas populações continue no campo. Seguindo o "modelo de desenvolvimento chinês", Vietnã, Camboja, Laos e Mianmar seguiram um caminho de industrialização baseado no investimento estrangeiro ao lado do controle estatal centralizado da economia (muitos herdados de estados operários degenerados). Os gráficos a seguir mostram o aumento da população urbana em detrimento da rural.

População rural 1960-2019

Evolução da população urbana de 1960 a 2019

Mudanças estruturais na economia dos países do Sudeste Asiático fizeram com que cidades centrais como Bangkok, Kuala Lumpur ou Hanói se tornassem espaços de acumulação e exploração de mão de obra hiperprecária. O aumento objetivo da classe trabalhadora pode ser visto no gráfico a seguir com dados do Banco Mundial.

Evolução do trabalho industrial de 1991 a 2019

Essa constelação produtiva do Sudeste Asiático deu origem a uma extensa classe trabalhadora urbana que convive com os trabalhadores rurais em condições de subsistência no campo. O enorme crescimento experimentado pela classe trabalhadora nestas décadas, somado às insuportáveis condições de exploração, estabeleceram bases objetivas e subjetivas para a origem de novos sindicatos operários. Segundo o país, a sindicalização independente do Estado significou uma longa luta política, um exemplo disso é o Vietnã. Além disso, a enorme massa de expulsos do campo tornou-se um fluxo abundante de trabalhadores migrantes, vinculados às principais empresas globalizadas que, por sua vez, construíram redes de ativistas além das fronteiras.

Na mesma linha, a participação das mulheres na indústria e nos serviços aumentou desde meados da década de 1960, à medida que esses países gradualmente se tornaram economias manufatureiras voltadas para a exportação. As mulheres, recebendo salários muito mais baixos, tornaram-se essenciais para o trabalho fabril, principalmente têxteis. Isso - somado aos casos de assédio no local de trabalho - levou as mulheres a estarem na vanguarda do movimento sindical.

Por outro lado, na região, milhões de cambojanos, birmaneses e bengalis (19 milhões são homens e 4 milhões de mulheres segundo a OIT) foram obrigados a cruzar a fronteira em busca de melhores oportunidades. A situação precária levou-os a estabelecer redes de solidariedade e proteção em países onde são brutalmente discriminados. Por exemplo, na região de Mae Sot, na Tailândia, onde existem cerca de 400 fábricas têxteis, dezenas de milhares de birmaneses trabalham. Lá eles estabeleceram instituições como a Associação de Trabalhadores de Yaung Chi Oo, junto com uma dúzia de ONGs, que são responsáveis por organizar os trabalhadores migrantes para lutar por direitos mínimos.

As condições de vida dos trabalhadores migrantes sofreram forte impacto e degradando-se ainda mais durante a pandemia. Milhões foram demitidos pelo fechamento de centenas de fábricas têxteis, à medida que as cadeias de abastecimento da China foram interrompidas. Isso fez com que ficassem sem proteção social, trabalho ou dinheiro, além de sofrer discriminação com base na nacionalidade em países como Tailândia, Taiwan ou Cingapura.

Paralelamente a esses processos de desenvolvimento, cresceu uma classe média e o ingresso de setores mais amplos de jovens nas universidades. Isso gerou uma base social para várias reivindicações democráticas, que vão desde a expansão de direitos parciais a demandas por abertura democrática, contra os privilégios da monarquia, o poder dos militares, tentativas de golpe, etc. Nesta luta, como exprime hoje Mianmar, esses dois setores que surgiram nas últimas décadas encontram-se nas ruas com reivindicações próprias e por trás da mais básica, defensiva e unificadora luta contra o golpe.

Um centro de gravidade da luta de classes mundial

Uma região revoltada

O Sudeste Asiático concentra um alto grau de conflito social, conforme expõe o relatório Maplecroft. Alguns exemplos dos últimos anos foram: a luta da juventude e dos trabalhadores de Hong Kong contra as imposições da China; as manifestações contra a brutalidade policial nas Filipinas, promovidas pelo governo de extrema direita de Rodrigo Duterte; protestos no Vietnã contra a interferência chinesa; os milhares de profissionais de saúde em Bangladesh; e processos de greves nas fábricas na região onde a indústria têxtil foi seriamente afetada pela interrupção das cadeias de abastecimento durante a pandemia. Empresas como a H&M demitiram milhares de trabalhadores em 2020.

Fonte: Maplecroft.com

A resposta às demissões foram greves selvagens que em alguns casos conseguiram impor suas demandas, como na Tailândia, Vietnã e Índia. Durante 2020, as principais empresas foram atingidas por ondas de greves com dezenas de milhares de participantes exigindo proteção contra Covid-19 e contra demissões, como pode ser visto nos exemplos de Praegear Vietnam, Seethings Chi Hung Company Ltd.

Mas analisaremos os exemplos mais significativos e massivos.

Mianmar

Este longo processo de luta e organização da moderna classe trabalhadora do Sudeste Asiático veio para ficar. Parece até assumir um caráter político como no caso de Mianmar. Na rede de jornais La Izquierda Diario, expressamos que a classe trabalhadora de Mianmar está na vanguarda da luta contra o golpe de 1º de fevereiro.

O golpe foi contra o Governo da Liga Nacional pela Democracia (LND), que conquistou 86% dos votos nas últimas eleições. A líder do partido, Saan Suu Kyi, também figura política mais importante do país, foi presa junto com outros membros. Embora tenham pedido "calma e moderação", milhares foram às ruas para protestar contra o golpe. Além disso, durante os anos de governo, a LND manteve todos os privilégios do Exército e de seus negócios. A liderança militar possui os dois maiores conglomerados econômicos: Myanmar Economic Holdings Limited e Myanmar Economic Corporation. As duas empresas têm pelo menos 120 subsidiárias e têm laços estreitos com pelo menos 27 outras empresas.

Sua ampla variedade de atividades comerciais inclui bancos e seguros, turismo, mineração de jade e rubi, madeira, construção e produção de óleo de palma, açúcar, sabão, cimento, bebidas, água potável, carvão e gás. As empresas também possuem uma grande quantidade de imóveis. Essas empresas financiaram o genocídio dos Rohingya (etnia da região de Rakhine), a repressão de diferentes etnias - mais de 100 em todo o país -, LGBTQ+ e da classe trabalhadora, tudo com o apoio da LND.

Por isso, a luta está mais ligada a evitar a perda de direitos do que ao apoio político à líder San Suu Kyi, como explica aqui o especialista Stephen Campbell. Uma experiente classe operária organizada - principalmente das fábricas têxteis - saiu às ruas junto com milhares de estudantes, movimentos LGBTQ+, camponeses e diferentes grupos étnicos.

Esta resposta foi fruto do desenvolvimento e formação de uma jovem geração de trabalhadores industriais que acumulou experiência desde o início deste século nas lutas salariais e nas condições de trabalho, de onde surgiram sindicatos independentes e clandestinos que foram posteriormente legalizados.

A tendência de se organizar em confrontos com os patrões se aprofundou com a transição para a democracia em 2011. Isso permitiu, entre outras coisas, a legalização dos sindicatos. Esse processo, conforme explicado aqui, deu ainda mais fôlego a essas novas organizações para lutar por melhores condições de vida, que não melhoraram no governo da Liga Democrática Nacional. Alguns exemplos são as greves na fábrica de roupas de propriedade chinesa Fu Yuen, que obteve cobertura da mídia pelo uso de violência da empresa para reprimir a greve. Os trabalhadores de Fu Yuen entraram em greve no final de agosto de 2018, exigindo melhores condições de trabalho e o fim do assédio corporativo e a reintegração de 30 trabalhadores organizados. Depois de um acampamento e confrontos com bandidos da empresa, conseguiu-se a reintegração de todos os demitidos.

Outro exemplo foi durante o mês de maio de 2020, quando cerca de 300 trabalhadores da fábrica têxtil de Rui-Ning foram demitidos, logo após se filiarem a um sindicato. Entre os demitidos estava Kyaw Thu Zaw, o presidente do sindicato. Um caso semelhante ocorreu na fábrica do Huabo Times, onde 100 trabalhadoras foram demitidas após formarem o sindicato. Após meses de luta, com reclamações de falta de proteção contra o covid-19, com uma vigília em frente à fábrica e apelando à solidariedade internacional, os trabalhadores conseguiram se reincorporar. Na verdade, durante a pandemia, mais de 200 fábricas anunciaram fechamentos e houve dezenas de milhares de demissões em fábricas têxteis, principalmente para perseguir (e até mesmo prender) líderes sindicais que organizaram a resistência.

Essa experiência levou a classe trabalhadora, junto com diversos setores da sociedade civil, a enfrentar o golpe. Trabalhadores migrantes com o apoio da população local na Índia, Tailândia e Indonésia também realizaram manifestações nesses países. O desenvolvimento do processo levou à maior manifestação da história do país no dia 22 de fevereiro, com 20 milhões de pessoas nas ruas segundo a mídia (Mianmar tem 54 milhões de habitantes), no que chamaram de “Revolução 22222”. Além disso, há regiões onde a população desconhece a ditadura e coloca os eleitos nas eleições no comando dos municípios.

Por outro lado, todos os grupos étnicos e religiosos se uniram contra o golpe, incluindo os Rohingya. Como diz o site do Open Democracy, "a resistência ao golpe também está quebrando as velhas divisões de etnia, religião e ocupação".

O processo continua aberto com manifestações de massa onde trabalhadores de diferentes ramos se destacam em todas as regiões do país.

Tailandia

Este país tem historicamente uma situação política instável com sucessivos golpes de estado apoiados pela monarquia e tensões pró-democracia e pró-monárquicas. Em 2020, a crise econômica agravada pela pandemia causou o aparecimento de milhares de jovens manifestantes nas ruas acompanhados por trabalhadores e movimentos sociais. Os protestos massivos contra o governo (estabelecido após o golpe de 2014) e os privilégios da monarquia começaram nos campi universitários com a perseguição judicial ao partido de oposição "Futuro Avante", liderado pelo jovem milionário Thanathorn Juangroongruangkit. O governo tailandês acusa este partido de "financiamento ilegal, buscando derrubar a monarquia e até mesmo alegando ligações com os Illuminati", o que causou enorme indignação popular.

As mobilizações inspiradas nos protestos em Hong Kong, reúnem principalmente jovens estudantes do ensino médio e universitários, mas têm atraído diversos setores da sociedade, como trabalhadores e grupos como o LGBTQ+. Suas demandas podem ser resumidas como: a renúncia do Primeiro Ministro Prayuth Chan-Ocha - que ascendeu ao poder após o golpe de 2014, reeleito em 2019 em uma eleição fraudulenta-; uma nova Constituição, a atual foi elaborada pela ex-junta militar em 2017; que a influência do Exército na política do país seja reduzida; e a redução dos privilégios da monarquia e que esta deixe de apoiar ditaduras.

Recentemente, vários ativistas foram presos por traição à coroa apenas por questionarem esses privilégios (Lei de Lesa Majestade), abrindo um debate sobre o papel do monarca Maha Vajiralongkorn. O rei nos últimos anos passa mais tempo na Alemanha do que na Tailândia gozando de seus privilégios, controlando um caixa de 30 bilhões de dólares, enquanto o país atravessa a pior crise econômica desde 1997 com uma queda do PIB de 7,1%.

Para contornar a lei de Lesa Majestade, os manifestantes usaram algumas táticas como o uso de símbolos de filmes, um deles é o símbolo de três dedos inspirado em "Jogos Vorazes". Esta nova geração vinculou a "democracia" como um compromisso com a "igualdade", incluindo a igualdade de gênero e sexual, o que contrasta com a cultura patriarcal da monarquia e o regime político cheio de homens. É por isso que vemos marchas com mulheres e drag queens na linha de frente.

A situação também trouxe à tona as velhas tensões políticas entre os pró-monarquia (as "camisetas amarelas") que apareciam atacando os manifestantes e os pró-democracia (as "camisetas vermelhas"). Enquanto vários outros grupos pró-democracia foram criados, incluindo Movimento Juvenil Livre, Frente Unida de Thammasat e Manifestação, Bad Students, We are Friends, Seri Thoey.

No entanto, a natureza desses protestos é mais profunda quando eles apontam para a monarquia, um símbolo de estabilidade do regime por décadas. Durante os meses de agosto e novembro, milhares foram às ruas, enquanto o governo aumentava a repressão, mais pessoas se juntaram aos protestos além de Bangkok, apesar das restrições devidas a Covid-19.

Embora os manifestantes não proponham uma ruptura de classe ou uma derrubada da monarquia, eles estão fazendo uma experiência ao abalar um regime que ainda não conseguiu desarmar os protestos, abrindo um novo ciclo de instabilidade política.

Indonésia

Na Indonésia, centenas de milhares de jovens trabalhadores, estudantes, integrante de minorias étnicas e organizações ambientais enfrentaram o Estado contra as reformas econômicas do presidente Joko Widodo integradas à Lei Omnibus. As reformas aprovadas pelo parlamento em outubro de 2020 visam criar melhores condições para os investimentos na região. Para isso, Widodo decidiu acabar com uma série de regulamentações sobre a exploração da terra e dos recursos naturais que vão causar ainda mais devastação ecológica e social, além de reduzir os direitos dos trabalhadores, como salários e pensões.

Enfrentando a luta contra a lei estavam os grandes sindicatos indonésios, como o KSBSI, que convocou manifestações e greves na capital Jacarta e nas principais zonas industriais da ilha de Java. Trabalhadores de centenas de fábricas se mobilizaram em torno das diferentes ilhas. Um exemplo é a greve de 1.100 mulheres trabalhadoras na PT Aneka Tuna Indonesia, uma fábrica de conservas de peixe na Regência de Pasuruan. Também nas indústrias têxtil, automotiva e farmacêutica ocorreram greves naquela semana de outubro.

Além disso, em ilhas como Bornéu, ocorreram confrontos entre povos indígenas com as Forças Armadas em defesa de suas terras. Os conflitos de terra na Indonésia se intensificaram em 2020, e as empresas de óleo de palma e madeira (uma potência regional nesta área) para massas aproveitaram as restrições de movimento da COVID para se expandir agressivamente. Em relatório da KPA, ONG de defesa da terra, foram registrados 138 conflitos de terra entre abril e setembro de 2020, contra 133 no mesmo período de 2019. Os casos de 2019 ocorreram quando a economia manteve crescimento do PIB de 5,01%, enquanto o de 2020 casos foram registrados durante a primeira recessão da Indonésia em duas décadas, quando a economia contraiu 4,4%.

Embora as reformas tenham sido aprovadas no parlamento, um movimento social heterogêneo se manifestou e com vontade de lutar, formado por estudantes, trabalhadores e diversos movimentos sociais.

Índia

Este país chave na região acaba de passar por uma verdadeira convulsão nacional. Em novembro de 2020, cerca de 250 milhões de trabalhadores (3% da população mundial) fizeram uma greve geral convocada por 10 centrais sindicais contra as políticas do governo de Narendra Modi, o primeiro-ministro do país. O pacote de reformas incluiu novas leis trabalhistas, maior flexibilização das regulamentações relacionadas à segurança e saúde no trabalho e no setor agrícola, juntamente com privatizações do setor público. Essas regulamentações aprovadas pelo governo permitem que empregadores e governos aumentem os ritmos de trabalho, dificultam a obtenção de salários justos, dispensam trabalhadores facilmente, reduzem a cobertura de seguro saúde e impedem a formação de sindicatos.

Embora a greve tenha durado um dia sem poder impor suas reivindicações, já que os grandes sindicatos a abandonaram rapidamente, essas formas de luta convergiram para um processo que fermentava no campo desde agosto, quando aconteceram as primeiras manifestações de produtores agrários. Centenas de milhares de trabalhadores agrícolas se mobilizaram em direção a Nova Delhi contra a Reforma Agrícola que ataca a economia de 600 milhões de pessoas no país. O objetivo do Modi é "modernizar" o campo (que até agora era amplamente subsidiado pelo Estado) para aumentar a produtividade com a abertura do mercado, o que beneficiará as grandes corporações globalizadas.

Essas reformas são parte de seu plano para absorver o investimento estrangeiro (por exemplo, o "Make in India") para competir como potência regional com a China. De acordo com Surupa Gupta e Sumit Ganguly, "O governo espera que o crescimento da agricultura crie novos empregos. Só o crescimento do processamento de alimentos promete criar nove milhões de novos empregos na indústria até 2024. A Índia precisa criar muitos empregos de manufatura e serviços pouco qualificados para absorver esses trabalhadores."

Desde então, eles continuam acampando na periferia da cidade e enfrentam a repressão governamental. Em várias ocasiões, eles romperam as barricadas da polícia, desfilaram com 250.000 tratores e até invadiram o histórico Forte Vermelho no Dia da República. Também foram atacados por grupos ultranacionalistas hindus ligados ao presidente (os mesmos que realizam os ataques contra a minoria muçulmana no país), mas esses grupos foram rechaçados. Além disso, um enorme setor feminino se destacou e continua firmemente à frente dos protestos, rejeitando o pedido do governo de que voltem para casa no inverno.

No início de janeiro, o tribunal superior da Índia suspendeu as leis agrícolas e formou um comitê para resolver uma disputa entre o governo e os agricultores. No entanto, os agricultores continuam firmes em sua demanda pela revogação total das três leis. Embora os protestos sejam organizados por sindicatos de camponeses, cujos dirigentes participam nas mesas de negociação, o mesmo acontece com o Partido do Congresso, principal oposição e ex-governante do país ligado à burguesia nacional, que conta com o apoio do Partido Comunista da Índia (Estalinista). Essas lideranças estão usando o maior protesto contra um governo na Índia para marcar uma relação de forças com Modi, isolando a luta do resto da classe trabalhadora, mas a explosão e a solidez dos agricultores obrigam suas lideranças a cumprir suas demandas.

Um eventual triunfo do protesto agrícola poderia inspirar milhares na região, ao mesmo tempo em que impunha um limite esmagador a um governo de ultradireita e nacionalista como o de Narendra Modi.

Algumas conclusões

Esses processos que analisamos ocorrem em um contexto de países com tendências ao fortalecimento do nacionalismo e de governos repressivos, cuja máxima expressão vimos durante o maior bloqueio do mundo na Índia. Além disso, esses regimes dividem a classe trabalhadora há anos, que, com muitas dificuldades, luta para se organizar em sindicatos ou outras organizações, como vimos. Esses processos atuais podem ser a base de experiências para o surgimento de futuras organizações.

A integração e extensão do ativismo de diferentes setores da sociedade civil, impulsionados pelas necessidades econômicas e pela repressão aos governos, podem gerar condições para a auto-organização da classe trabalhadora e a autodeterminação das massas. Um exemplo disso é Mianmar.

Por enquanto, a fraqueza desses "movimentos de desobediência civil" é que eles ainda respondem às lideranças burguesas frequentemente ligadas aos Estados Unidos, à União Europeia, à ONU ou a ONGs, como Mianmar e Tailândia. Embora várias lutas operárias tenham ocorrido apesar das direções sindicais e políticas, ainda não foram expressas tendências de independência de classe que pudessem impor seu próprio programa e agenda política. Mas os combates atuais mostram que uma tendência da luta de classes se aprofunda em toda a região, que uma que se flexibilizem as restrições da pandemia, provavelmente terão mais força. Cada passo em que a classe trabalhadora participa de aliança com os diferentes movimentos sociais são saltos nessa perspectiva.


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