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Tribuna Aberta | Eleições 2022 no Brasil: Breve nota para um balanço crítico

Publicamos aqui em tribuna aberta contribuição de professor e sociólogo

segunda-feira 10 de outubro de 2022 | Edição do dia

O comportamento eleitoral da primeira rodada de 2022 mostrou como o discurso conservador continua colando forte pelo Brasil afora, sobretudo em São Paulo, Estado mais rico e desenvolvido do país. Os grandes meios de comunicação e setores da Igreja tiveram papel central na composição desse quadro. Mas, dentro dele, o reformismo lulista recuperou votos em relação a 2018. Com isso, os candidatos prediletos alcançam votação significativa. O partido que ocupa a máquina estatal tende a ter uma vantagem na largada. Mas, frente ao desgaste e descontentamento com o governo Bolsonaro, Lula recebeu 48,4% dos votos válidos. Certamente, parte da população espera que Lula possa, de alguma forma, trazer de volta o período de crescimento decorrido na primeira década dos anos 2000. O PT, considerando os índices de desaprovação do governo Bolsonaro, apostou numa vitória rápida, mas foi surpreendido com metade do eleitorado votando no direitista (43,2% dos votos válidos).

Embora se deva considerar a influência da conjuntura, é necessário pontuar a responsabilidades sócio-históricas que o PT tem no quadro político do presente. Sobretudo por atuar continuamente como um partido da patronal, dos acordos por cima, negociatas etc., mas também por fazer uso dos mesmos discursos, das mesmas práticas e até da mesma estética de campanha. Tudo isso sem projeto nacional que pautasse as demandas populares históricas e sem se construir trabalhos nas bases.

Assim, o PT atuou como um partido burguês no alto das superestruturas, tal qual os demais representantes das classes dominantes. Isso impacta diretamente na construção da sua identidade partidária, na forma como o eleitorado compreende o perfil do partido e de seus candidatos. Por isso, é muito difícil diferenciá-lo dos outros partidos burgueses. Agravando o cenário, como agente coletivo (condutor político), educa as diversas frações da classe trabalhadora a votarem pelo imediato. Pelo mínimo, perdido na pequena política. Pelo que se passou nas últimas semanas, pelas últimas política sociais, sempre segundo as regras e métodos do jogo parlamentar burguês. Isso desarma as bases partidárias e dificulta qualquer forma de atuação delas na defesa do partido, com isso, consequentemente, o PT não consegue gerar o engajamento que precisa nos momentos críticos.

O partido é sujeito ativo na construção da passividade em seu próprio eleitorado. Ele nem sequer utilizou seu aparato sindical no impulsionamento necessário, nem nos últimos 4 anos e nem mesmo nesse ano eleitoral para confrontar o governo direitista. A orientação suprema era para “esperar o momento das eleições”, “não provocar os adversários”, enquanto isso, deveria reinar a passividade e a servilidade na luta de classes e na luta política. Assim se construiu a apatia da ação, tudo foi continuamente canalizado para as eleições. Parece que não se tem mais sindicato, central sindical ou federação, deixou-se de falar em greve, ações de rua, mobilização. Tudo isso soa como palavrão aos dirigentes da sigla. Os chefes do partido sabem que a luta social educa politicamente, e é determinante para o protagonismo antagonista, mas, ao mesmo tempo, uma base atuante acaba pressionando o partido, seu arco de alianças e sua movimentação política. Apartando-se dos locais de trabalho e da construção corpo a corpo, todo a politização ficou a cargo do horário eleitoral e dos debates. Tudo por cima. E, ainda assim, se espera que os setores da classe trabalhadora se engajem simplesmente pelo voto.

Outro aspecto precisa ser considerado em relação aos candidatos. O PT, nos anos 1980, até a primeira metade da década de 1990, era um partido de massas, com base sindicais que atuavam nas greves, com base popular nos movimentos de bairro, lutas populares, na esquerda católica, nas lutas anti-racistas etc. Os quadros políticos, vereadores e deputados, eram pessoas oriundas das lutas sociais, da luta de classes ou do combate e enfrentamento direto, com importante protagonismo social e político. Isso dava cara de mandato popular a sua atuação nas instituições do Estado. Muito diferente do que temos hoje. Agora, nas eleições de 2022, o que se pode esperar dos candidatos petistas? Ninguém sabe... Por que confiar neles? No que eles se diferenciam das outras candidaturas burguesas? É muito difícil de se precisar. Como se pode esperar que o partido e seus candidatos sejam acolhidos e defendidos pelas massas trabalhadoras nesse contexto?

Nos 1980 o PT ganhou influência nas bases católicas, nesse contexto usou essas bases contra os grupos combativos que construíam o partido e suas lutas. O projeto da Articulação-PT e da Articulação-Sindical sempre foi atuar independente do controle das bases auto-organizadas e isolar as alas combativas que se auto-organizavam em seu interior. Queriam a autonomia total para negociar com o empresariado e com os velhos coronéis da política. Fizeram isso tanto no sindicalismo (contra a Oposição sindical metalúrgica de SP) como nos movimentos de bairro. Nessa longa batalha conseguiram garantir autonomia quase total em relação ao protagonismo das bases. Mas o custo dessa prática de esterilização das bases, com atuação por cima dos interesses históricos da classe trabalhadora, foi alto a longo prazo. Como uma faca de dois gumes, isso matou o movimento combativo de base, que era o diferencial do PT no início dos anos 1980, era o seu escudo e sua lança.

A ausência de um projeto político nacional, de um programa político-econômico para se enfrentar os principais problemas históricos e dilemas nacionais, a falta de formas de engajamento para a luta social, deixou as massas trabalhadoras abandonadas em suas necessidades estruturais mais profundas. Sobrou um amplo espaço vazio que, no contexto da crise internacional, acabou sendo ocupado por alas direitistas e de extrema direita. Essas tendências encontraram espaço de crescimento, dissimularam suas intencionalidades estratégicas e se colocam na ofensiva em variadas formas de ativismo, arregimentando apoio para uma crítica geral às instituições do Estado, ainda que por um viés conservador, os setores da direita e extrema-direita, ofereceram bandeiras para engajamentos em pautas amplas e relativamente obscuras contra “a política tradicional”.

Claro que essa intencionalidade de governar independente das mobilizações de base, sua ausência nas lutas cotidianas e históricas, bem como os pactos com as classes dominantes, não explicam tudo. Pois vivemos movimentos de acomodação nas bases também, uma certa apatia política crescente, fruto de um processo mais longo, com determinantes nacionais e internacionais. Mas, o que se evidencia é que o PT e seus dirigentes políticos de destaque não investiram energias para a ativação de suas bases e nem pretendem fazê-lo. A resposta política que precisamos não pode então ser dada por este partido ou por seus parceiros políticos. Ou as massas trabalhadoras constroem alternativas combativas e ocupam as ruas, ou ficarão ao sabor das disputas nos “andares superiores” das classes dominantes.

Alessandro de Moura é professor e sociólogo.




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