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Eleições em São Paulo: o complexo tabuleiro da política paulista

quinta-feira 29 de setembro de 2022 | Edição do dia

Como vai se organizar o sistema político depois das eleições está condicionado, evidentemente, pelo resultado das eleições presidenciais. Sendo de longe o cenário mais provável a vitória da chapa Lula/Alckmin, não é indiferente por qual margem se dará essa provável vitória e se Bolsonaro vai ou não conseguir forçar um segundo turno. Em política, se costuma dizer, tudo pode acontecer. Mas a essa altura, somente um cataclisma que alterasse radicalmente o cenário político poderia mudar o curso atual. Nesse contexto, queremos refletir sobre a importância do resultado das eleições nos estados, que vai ser um dos fatores mais importantes de como vão se posicionar as forças políticas a partir de 2023.

Dentro do bloco político heterogêneo que compõe a chapa lulista, o peso relativo de cada setor estará bastante vinculado ao quadro geral da eleição nos governos estaduais. O PT, pela política de Lula de costurar as alianças mais amplas possíveis nos estados, tem 13 candidatos próprios e só lidera com amplo favoritismo no Rio Grande do Norte. No Rio Grande do Sul só um milagre colocaria o PT no segundo turno, enquanto na Bahia aparentemente nem com milagre o PT baterá ACM Netto, que deve vencer já neste domingo. A chance do PT ganhar em São Paulo, que nunca foi tão grande, pode ser o fiel da balança das forças lulistas nos governos estaduais. Ainda sim, o segundo turno, seja com Tarciso ou com Rodrigo, será uma nova eleição, com a aglutinação de todas as forças anti-petistas em torno do candidato que for enfrentar Haddad.

Para a extrema direita bolsonarista as eleições no Rio e em São Paulo são passos importantes para que se consolide como a força hegemônica da oposição ao futuro governo Lula/Alckmin. Se Castro terminar não vencendo no Rio, bastião bolsonarista, tornaria a vida do Bolsonaro mais difícil, ainda que ele conta com um grande ativo e uma base fiel, existem setores importantes na extrema direita militar que prefeririam uma figura mais confiável para liderar a extrema direita. Também São Paulo se torna uma peça chave para a extrema direita, e se Tarcisio vence em São Paulo, junto com Castro no Rio, governariam os dois estados mais importantes da federação.

Já o PSDB trava uma batalha pela sobrevivência do partido em duas eleições. Em São Paulo, berço político deste partido e seu bastião nas últimas três décadas, Rodrigo Garcia aparece como terceiro colocado nas pesquisas e o cenário mais provável é que fique de fora do segundo turno. Mas apesar de todo o desgaste histórico ainda tem chances sérias e, caso supere o candidato bolsonarista no domingo, despontaria como franco favorito contra Haddad no segundo turno. No entanto, mesmo com uma vitória, o desgaste do PSDB em São Paulo seguiria seu curso, provavelmente, seria um governador fraco, com uma base social desgastada e com poucas margens para se projetar na política nacional. Se Eduardo Leite vencer no Rio Grande do Sul, onde aparece nas pesquisas como favorito, um feito num estado avesso a reeleger governadores, seria a esperança de uma cara nova para o apodrecido neoliberalismo tucano. Jovem e assumidamente homossexual, se fortaleceria para liderar a renovação de um PSDB em frangalhos. Somados, os dois estados seriam uma base forte para a reorganização do partido, que ficaria com um pé dentro do governo federal e um pé fora, reorganizando o PSDB e mantendo vivo o sonho de uma terceira via com viabilidade eleitoral.

Não entraremos aqui nesse breve resumo, no cenário eleitoral do centro-oeste e do Norte, ainda que esses estados podem adquirir, pelo peso do agronegócio, um papel que nunca tiveram na política nacional, ainda que isso ainda está para se ver. Nem no cenário mineiro e baiano, onde a parada parece decidida a favor de Zema e ACM Netto. O que queremos destacar, mais do que o quadro geral das eleições nos estados, é que para as três forças políticas mais importantes no país, as eleições de São Paulo são decisivas e está tudo em aberto faltando quatro dias para a votação. Lulismo, bolsonarismo e o PSDB, principal partido da direita neoliberal e a potencial coluna vertebral de uma terceira via, disputam palmo a palmo as eleições para o governo paulista. E o resultado destas eleições será um dos fatores decisivos em como vão se posicionar as forças políticas tanto no interior de um futuro governo Lula/Alckmin, como na oposição.

Mudanças profundas e a resiliência do velho na política paulista

São Paulo foi o berço dos três partidos (no sentido forte do termo) fundamentais da Nova República. Berço do petismo, berço do PSDB e bastião do malufismo. É preciso relembrar que a política paulista foi dominada muitos anos por essa corrente da extrema direita. Paulo Maluf foi da mesma ala militar, chamada linha dura, de que provém Bolsonaro e seus heróis torturadores. Essa tendência da extrema direita foi assimilada pelo PSDB e suas figuras mais proeminentes, como o sinistro coronel Telhada, aderiram ao bloco tucano, até o quadro se alterar radicalmente.

A crise do regime de 1988, o abalo que significou junho de 2013, a revolta da juventude que pedia mais direitos sociais e se opunha nas ruas à velha política, a operação lava jato e a campanha contra o PT, que arrastou para a lama, contra sua vontade, também o PSDB, tudo isso foram ingredientes da crise política nacional, que impactaram profundamente na política paulista. A crise entre representantes e representados, uma constante da política brasileira desde 2013, perpassou todas as classes sociais em São Paulo.

As classes médias que se radicalizaram pela direita com a operação lava jato testaram várias soluções intermediárias antes de se aglutinarem, finalmente, na extrema direita bolsonarista. Se Tarcísio se eleger, pode consolidar esse curso e trazer de volta o protagonismo de uma corrente de extrema direita para a política paulista. Entre o velho malufismo e o bolsonarismo, a principal diferença é que Paulo Maluf atuava polarizando a direita o aparato estatal, enquanto o bolsonarismo apela para a mobilização extra institucional das classes médias reacionárias. Tarcísio poderia ser a figura a fazer a síntese entre essas duas tendências.

Apesar dessa radicalização pela direita das bases sociais tucanas em São Paulo, não se deu um fenômeno análogo de radicalização pela esquerda das bases sociais petistas, insatisfeitas com o segundo governo Dilma e abaladas depois de junho de 2013. O cenário pós junho era extremamente favorável para que isso ocorresse, mas a política da esquerda radical, que se dividiu entre o apoio ao PT e o apoiou à lava jato, não foi capaz de levantar uma política independente de ambos os setores em disputa, e perdeu uma grande oportunidade de organizar uma força política de extrema esquerda, revolucionária e socialista que polarizasse contra a emergente extrema direita.

Como o PT atua para salvar o PSDB e a luta por uma política independente

A crise do principal partido da direita neoliberal no estado que é o seu bastião, poderia estar sendo aproveitada pelos movimentos sociais, pela juventude, pela classe trabalhadora e pelos sindicatos para desferir um golpe decisivo no tucanato. O que está ocorrendo, no entanto, é o contrário disso. Ao trazer Alckmin para junto de si, ao se aliar em São Paulo com Márcio França (parceiro tradicional do PSDB), o PT na prática oferece uma bóia de salvação para os tucanos saírem da crise histórica em que se encontram, com consequências eleitorais imediatas e consequências de longo prazo ainda maiores.

No imediato, a tucanização do discurso do candidato petista joga contra suas chances de vitória e deixa o discurso de oposição aos tucanos nas mãos da extrema direita bolsonarista representada por Tarcísio. Na medida em que Haddad incorpora ao seu discurso eleitoral a aliança com Alckmin e a reivindicação de aspectos dos governos tucanos em São Paulo, ao contrário de se fortalecer e acelerar a ruptura de setores da base social tucana, provoca um deslocamento no sentido contrário. Se até o Haddad está com setores do PSDB, por que a classe média tucana que não aderiu ao bolsonarismo vai abandonar seu partido tradicional para apoiar o candidato petista? Isso pode explicar parte do movimento nas pesquisas na reta final, que apontam uma recuperação de Rodrigo Garcia e uma queda de Haddad. No longo prazo, mesmo em caso de uma derrota em São Paulo, o PSDB poderá contar com o apoio de parte da máquina do governo federal para se recompor. E, de quebra, se Haddad vencer o governo, terá de repartir a máquina estatal com os tucanos que foram para o PSB junto com Alckmin. Ao acompanhar, acriticamente e até com exagerado entusiasmo, essa política do PT e ao se aliar com o partido de Marina Silva, que foi inventado nas oficinas de startups dos executivos da Faria Lima, o PSOL, se anula como um fator independente na política paulista. Temos que assistir o deplorável espetáculo de Boulos e do PSOL chamando voto em Márcio França e se diluindo na chapa Lula/Alckmin.

Faz falta uma corrente classista e revolucionária que possa oferecer uma alternativa política para que a classe trabalhadora e a juventude possam se organizar de forma independente na luta contra a extrema direita e contra a direita neoliberal. São Paulo conta com os sindicatos mais fortes e tradicionais do país, conta com as maiores universidades, com uma influente intelectualidade marxista e de esquerda, com os centros acadêmicos mais importantes, sendo um fator decisivo para o movimento estudantil a nível nacional. Seja na fundação do velho PCB, seja na luta contra a ditadura nos anos sessenta, seja no ascenso operários do final dos anos setenta e dos anos oitenta e na fundação do PT, esses setores sempre estiveram na vanguarda dos processos de reorganização da esquerda, e da esquerda revolucionária. Nossa aposta é que mais uma vez possam cumprir o papel e evitar que o inevitável desgaste do provável governo Lula/Alckmin seja capitalizado somente pela extrema direita bolsonarista, ou utilizado pelo PSDB para se recompor. É a serviço dessa perspectiva que se colocam as candidaturas do MRT pelo Pólo Socialista e Revolucionário, Marcelo Pablito para deputado federal e a professora Maira Machado para deputada estadual.




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