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Editorial MRT | Enfrentar o racismo, o bolsonarismo e as reformas independente do novo governo eleito

Odete AssisMestranda em Literatura Brasileira na UFMG

sábado 19 de novembro de 2022 | Edição do dia
Foto: Sebastião Salgado

Nos aproximamos de um novo Dia da Consciência Negra, uma data escolhida em referência a luta levada adiante no Quilombo dos Palmares sob liderança de Zumbi, morto no dia 20 de novembro de 1695. Uma luta que se tornou um símbolo da história negra em nosso país. Uma história marcada por uma incansável luta coletiva contra as amarras de um sistema que nos aprisiona. Uma luta da qual a classe trabalhadora brasileira, de maioria negra, é herdeira legítima.

O 20 de novembro este ano ocorre logo após a derrota eleitoral do odioso governo Bolsonaro, ainda que isso não signifique que a extrema-direita deixe de existir no país. Os diversos bloqueios de rodovias e os casos localizados onde os protestos bolsonaristas se revelaram abertamente racistas e com participação da mesma polícia que assassinou Genivaldo. Eles recolocam o fato que é uma verdade histórica no Brasil: o racismo é inerente ao capitalismo e por isso está sempre no centro das tensões ideológicas entre a burguesia, seus políticos e a grande massa empobrecida e trabalhadora de nosso país. Tensões que devem seguir também com o novo governo eleito, composto por uma frente ampla com burgueses e políticos da direita que também vieram sustentando os ataques e reformas contra a nossa classe, atingindo em cheio a população negra trabalhadora.

A relação entre racismo e capitalismo é algo inseparável historicamente. O racismo está diretamente ligado à escravidão moderna, de milhões de homens, mulheres e crianças negras africanas e indígenas. E os governos capitalistas, seja em sua faceta mais racista e nojenta como Bolsonaro, seja nas suas versões “democráticas”, servem para seguir perpetuando essa lógica com o aprofundamento da escravidão assalariada. O racismo é uma arma na mão dos exploradores para dividir as fileiras da classe trabalhadora e permitir uma exploração ainda maior dos setores oprimidos, sempre com objetivo de avançar no nível de exploração do conjunto da nossa classe.

O bolsonarismo significou enquanto governo a institucionalização do racismo mais explícito que algumas gerações de brasileiros jamais tinham visto na boca de um governante. Desde a comparação de negros a gado - no evento na Hebraica quando pesa quilombolas em arrobas - até a "brincadeira" de dizer que via baratas dentro do cabelo black power de um de seus apoiadores, sempre foi inegável o racismo de Bolsonaro. Entre seus apoiadores, estão empresários cujas empresas são símbolo do trabalho precário e semi escravo, desde Luciano Hang até o sem número de agro empresários que além de perpetuar o trabalho intermitente e irregular no campo, aplaudem e financiam a grilagem e a perseguição a ativistas indigenistas e sem terra. Grita em alto som ainda o racismo que escorre de cada ataque econômico, que transformam em ainda mais brutalizada a vida de trabalhadoras e trabalhadores que, frente a profunda crise econômica que assola o país, veem suas condições de vida se deteriorar com as reformas, privatizações e ataques que ajudam a manter o lucro do patrão enquanto essa enorme maioria negra que é a classe trabalhadora e o povo pobre trabalha horas a fio e não tem direito sequer a viver sem fome.

Diante dessa situação, milhares de negras e negros aguardam com expectativa a possibilidade de mudanças agora que Bolsonaro foi derrotado eleitoralmente e está em curso uma transição de governo. Mas a frente ampla que hoje organiza a transição é marcada também pela questão negra. Com a participação de importantes políticos burgueses que nunca esconderam suas políticas racistas, como Geraldo Alckmin, Simone Tebet, entre outros. Essa frente não busca desfazer o amálgama autoritário no qual se transformou o sistema político brasileiro após o golpe institucional, pelo contrário, promete governar mantendo vivas as reformas antioperárias, que ajudadas pelo discurso racista da extrema direita, produziu no Brasil um choque à direita nas relações racias.

Isso significa dizer que apesar de estarmos em uma situação política de polarização, esta se dá de forma assimétrica: enquanto a extrema direita alavanca um programa que toca em temas extremos como golpe militar, negação do racismo, misoginia, discurso anti LGBTQIAP+; do outro lado desse polo setores da esquerda dão as mãos a setores fisiológicos do regime e nomes conhecidos do neoliberalismo, abrindo mão de qualquer questionamento às instituições reacionárias e apostando tudo no caminho da frente ampla com Lula na dianteira. E é preciso lembrar que são esses representantes fisiológicos do regime que são responsáveis por massacres como do Carandiru, onde vimos essa semana o ex-governador Luiz Antônio Fleury Filho (MDB) morrendo depois de 30 anos de impunidade pelo banho de sangue que promoveu.

Lula fez campanha defendendo medidas de seu governo que levaram a que se triplicasse a população carcerária e que tornaram os militares mais fortes e presentes na política nacional, um processo de militarização da política que é inseparável das ocupações das favelas e comunidades no Rio de Janeiro e dos mais de 12 anos da existência da Minustah, a operação da ONU com liderança do Brasil que ocupou militarmente o Haiti, estuprou mulheres, assassinou famílias inteiras e que teve a frente Augusto Heleno, Fernando Azevedo e Silva, Tarcísio de Freitas e Carlos Alberto dos Santos Cruz: todos ocuparam cargos de ministros no governo Bolsonaro.

Historicamente as alianças com a direita sempre disciplinaram o programa da esquerda a falar mais manso, controlaram a ação do movimento de massas através da captura de referências dos movimentos sociais e sindicais, e terminaram não por derrotar, mas por fortalecer a extrema direita. Por que esperar que dessa vez seja diferente? Hoje são numerosas as referências do movimento negro que estão compondo a transição ao governo Lula com Alckmin, Tebet, empresários e representantes do agro negócio e dos bancos. É o caminho que parte do movimento negro e da esquerda, e em especial o PSOL, está tomando. Ao abrir mão das críticas à chapa Lula-Alckmin, a grande maioria desses atores terminam se comprometendo em não fazer oposição de esquerda a um governo que, diante da crise capitalista, tende a lançar ataques contra as massas trabalhadoras e empobrecidas, majoritariamente negras, pois é o que será exigido pelos setores burgueses que, como o próprio Lula enfatiza, são parte do governo. Não se pronunciaram sobre os elementos mais à direita que passaram pela questão negra durante as eleições, limitando suas críticas ao bolsonarismo, como se o problema do racismo se limitasse apenas à extrema direita e não ao conjunto dos atores capitalistas do Brasil e do mundo.

Como disse Malcolm X, "não há capitalismo sem racismo", e como nos mostrou a história, é preciso lutar contra o racismo sem confiar nos que demagogicamente falam de democracia enquanto disputam os territórios de influência em África e buscam encontrar as formas de aumentar a margem de lucro contando com o racismo como aliado.

Por isso, neste 20 de novembro, em um Brasil onde permanece a extrema direita e onde se prepara um ano de 2023 de ataques, dizemos que é preciso enfrentar o racismo, o bolsonarismo racista e as reformas independente do novo governo eleito, na luta, exigindo que as grandes centrais sindicais organizem os trabalhadores pela base. Nos apoiamos na enorme presença negra na linha de frente dos principais processos de luta contra os ataques capitalistas e dizemos com toda certeza que somos capazes de transformar o mundo e enterrar o racismo com a força da classe trabalhadora ao lado da juventude, das massas negras, LGBTQIAP+, das mulheres que lutam contra os regimes autoritários e fundamentalistas. Não precisamos dos capitalistas demagogos nem dos empresários que com uma mão selecionam atores negros para a televisão e com a outra selecionam os políticos que vão realizar as novas reformas. Neste 20 de novembro, relembramos Palmares e Zumbi e sua intransigência na luta pela liberdade, e dizemos que séculos depois, segue viva a luta dos que estavam dispostos a tudo mas jamais em acreditar em promessas de meias liberdades.




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