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Favela Vive 5, em memória de Amarildo, Moise e Genivaldo

Renato Shakur

Favela Vive 5, em memória de Amarildo, Moise e Genivaldo

Renato Shakur

Nos últimos dias circulou o vídeo em várias páginas de rap nacional do rapper recifense Aires da Batalha da Várzea cantando a estrofe do MC Marechal da música Favela Vive 5 num show do próprio Marechal no palco Recbeat. O vídeo é emocionante, não só porque o rapper está cantando com o fundo da alma, mas porque mostra o alcance e sucesso que a cypher vem fazendo em vários cantos e periferias do país.

O projeto Favela Vive foi criado pelo grupo de rap A.D.L. (Além Da Loucura) que é composto por Lord e DK 47, gravado e produzido pelo selo Pineapple. A ideia principal desse projeto é produzir uma cypher com artistas da nova geração do rap, drill e trap e os artistas da velha geração do rap como Kamila CDD, Mv Bill, Negra Li, Edi Rock, entre outros.

O Favela Vive 5, certamente alcançou um sucesso que se traduz nos números de views no YouTube maior do que as antigas edições, já são quase 5 milhões de visualizações em 1 mês. Mas não era pra menos, a cypher vem num momento pós governo Bolsonaro que significou um choque à direita nas relações raciais onde vimos um aumento absurdo da violência policial, de chacinas policiais e ataques à cultura negra, e traz uma denúncia muito forte do racismo e da violência de estado levado a frente pelo antigo governo

DK 47 e Lord lembraram do “irmão Moise” que marcou na história do país os efeitos racistas e devastadores da reforma trabalhista, identificando a mesma violência cometida pelo estado na favela com aquela que nosso irmão congolês foi morto.
O MC do funk de mensagem paulista, Hariel, lembrou o assassinato de Genivaldo pela polícia federal aliada de Bolsonaro: “Hoje, o capeta tá falando: "Deus acima de tudo"/Camburão pro seus capanga virou câmara de gás”.

A música no geral percorre o caminho de denunciar a violência policial nas favelas, inclusive lembrando das mães trabalhadoras que acabam enterrando seus filhos, como foi o caso no último período de João Pedro, Agatha, Marcus Vinícius e tantos outros. Major, expoente do drill e da nova geração, lembra a tensa realidade racista que os jovens negros no Brasil vivem, sendo suspeitos automaticamente por sua conta da sua cor, lembrou dessa realidade em um de seus versos “Rio de Janeiro fez eu aprender que, se eu pisar onde eu não devo, eu morro com fama de traficante/Menorzão ligeiro, pra minha mãe não ter que me enterrar no Ensino Médio alegando que eu era um estudante.” Marechal também falou das mães nas periferias e favelas no Brasil que hora ou outra precisam defender seus filhos da violência policial: “Não sou o bala, eu tô mais pras mães que pulam na frente e defende o filho adolescente que sente demais”.

A música Favela Vive 5 se limita a debater a violência nas favelas nos últimos anos, mas há um verso em que Lord lembra de Amarildo, assassinado na Rocinha onde o grito “cadê Amarildo” acabou se ouvindo na boca de milhões de jovens que saíram às ruas em junho de 2013. Essas manifestações nos remetem aos atos contra o aumento da passagem que desataram em manifestações nacionais contra problemas sociais e econômicos fruto da crise de 2008, que não foram resolvidos nos governos de conciliação do PT.

A partir daquele momento, sem dúvida, vimos surgir uma juventude crítica do racismo da violência policial, do machismo, pronto para lutar e se enfrentar nas ruas por seus direitos, não à toa Lord tenta mostrar um pouco desses espírito: “Corre se eles veem se tu é da cor que eles são contra/Corre é o carai, menor, que agora nóis confronta”.

Os artistas envolvidos nesse projeto estão abrindo um diálogo profundo com uma geração de jovens que de alguma forma ou de outra respeitam e vivem, seja através da arte e da cultura, o espírito de junho de 2013 que contesta o racismo e não abaixa a cabeça para a polícia. Marechal talvez seja o rapper que tenha deixado isso ainda mais claro quando fala que seu rap é de mensagem e que está ali justamente para enaltecer os elementos mais fortes da cultura hip hop. Por isso, critica a cena do rap e trap ostentação: “Mais que a cintura, ignorante é abraçar esses caô do opressor/ Só fala de marca/ Marca alguns jovens que ainda não distinguem entre preço e valor.”

Favela Vive traz o grito entalado contra Bolsonaro e sua política reacionária e racista, mas também faz reviver um espírito contestador e antirracista que rap underground carrega há muito e muitos anos.


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Renato Shakur

Estudante de ciências sociais da UFPE e doutorando em história da UFF
Estudante de ciências sociais da UFPE e doutorando em história da UFF
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