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França: bases políticas para uma nova organização revolucionária

Comitê de Redação - Révolution Permanente

França: bases políticas para uma nova organização revolucionária

Comitê de Redação - Révolution Permanente

Se a luta de classes depois de 2016 tem sido intensa, paradoxalmente a extrema esquerda está mais enfraquecida e marginal do que nunca. Uma constatação que coloca a necessidade de uma refundação da esquerda revolucionária, para contribuir na construção de um partido capaz de transformar as revoltas em revolução. Publicamos no Brasil a tradução do texto submetido ao Congresso de fundação de uma nova organização revolucionária na França, que acontecerá nos dias 16, 17 e 18 de dezembro.

Link original https://www.revolutionpermanente.fr/Bases-politiques-d-une-nouvelle-organisation-revolutionnaire

Nos dias 16, 17 e 18 de dezembro acontecerá o congresso de fundação de uma nova organização revolucionária na França, impulsionado pela Révolution Permanente. Nesse contexto foram elaborados diversos documentos que foram submetidos às discussões nas assembleias preparatórias que reuniram mais de 400 pessoas em todo país. E que poderão ser alterados no Congresso, onde serão submetidas a votação. Esse texto constitui o documento de partido.

As tensões geopolíticas crescentes, o retorno das guerras entre grandes potências, a crise econômica, a pandemia, a destruição do planeta…: a imagem das múltiplas crises que ameaçam a humanidade raramente foi tão sombria como nessas últimas décadas. Essa observação, cada vez mais compartilhada para além dos círculos marxistas, coloca de forma contundente a urgência de uma revolução que ponha fim ao apodrecido sistema capitalista.

No entanto, se há alguns anos as revoltas populares incendeiam vários países, nos cinco continentes, elas não questionaram as bases da exploração capitalista. E por um motivo: a transformação de revoltas em revoluções não é um processo mecânico, muito menos depois de quarenta anos de ofensiva neoliberal e ausência de revoluções que causaram danos significativos à consciência de nossa classe.

Nesse fato residem todos os limites das concepções baseadas no que Daniel Bensaïd chamou de “a ilusão social”, ou seja, a ideia de que os movimentos sociais poderiam por si mesmos e sem a intervenção de um operador estratégico, triunfar sobre um sistema poderoso e altamente organizado como o capitalismo. Em conexão com uma rejeição legítima de um certo número de organizações de esquerda que haviam traído, esse tipo de concepção espontaneísta estava muito na moda na França logo no início da onda de lutas que se abriu em 2016 e depois alimentou um fortalecimento da visão autonomista, especialmente na juventude.

Dentro de um contexto de refluxo dessa corrente e da crise e marginalidade das principais organizações da extrema-esquerda, colocar hoje a necessidade de refundação de uma esquerda revolucionária é decisivo. Isso deve oferecer às novas gerações de ativistas que estão se politizando e se radicalizando um quadro político e organizacional e possibilitar um fortalecimento substancial dos revolucionários e da sua capacidade de influenciar os eventos futuros.

Sem essa recomposição, na França como no resto do mundo, existe um risco grande que a crise econômica e política, e mesmo os fenômenos embrionários de radicalização política que se desenvolvem no seio do proletariado, conduzirão à desmoralização da nossa classe e serão capitalizados pelas variantes reacionárias da extrema direita. A nova organização, que será fundada no próximo congresso, pretenderá neste sentido ser um vetor desse processo de recomposição e contribuição para a construção de um partido revolucionário de trabalhadores capaz de transformar as revoltas em revoluções, e abrindo caminho para um outro futuro as próximas gerações contra a barbárie capitalista que ameaça destruir a humanidade e o planeta.

Da exclusão do NPA a fundação da nova organização

Essa urgência de reconstruir uma esquerda revolucionária à altura dos desafios colocados pelo período sempre esteve no centro da política da corrente que alguns de nós construímos há mais de 12 anos dentro do Novo Partido Anticapitalista (NPA), a Corrente Comunista Revolucionária (CCR). E foi porque nosso projeto de refundar o NPA para torná-lo um instrumento de construção de um partido revolucionário dos trabalhadores, tendo a luta de classes como centro de gravidade, era diametralmente oposto à perspectiva de recomposições com a esquerda neoreformista, até mesmo a social-liberal, que a direção histórica do NPA decidiu nos excluir às vésperas da conferência nacional que decidiria sobre o candidato presidencial.

Como nos tornamos a oposição mais forte, com um jornal online (Révolution Permanente) muito mais lido que o site do partido e com figuras da luta de classes como Anasse Kazib, proposto como pré-candidato à conferência nacional, tinham que nos colocar para fora a qualquer custo. A evolução posterior da política do NPA com sua total adaptação a NUPES nos deu razão ao afirmar que uma terceira candidatura de Poutou seria feita em nome de um projeto diferente daquele do NPA em sua forma atual. Com todas as suas falhas, conservou uma certa independência política em relação à esquerda institucional e é isso que está sendo liquidado.

Quando deixarmos o NPA em junho de 2021, tomamos a decisão de manter a candidatura de Anasse Kazib para a eleição presidencial e tentar obter as 500 assinaturas de prefeitos que eram necessárias. Além do previsível fracasso na obtenção das assinaturas, esta campanha desempenhou um papel decisivo no surgimento do Révolution Permanente como uma nova força dentro da extrema esquerda. Tendo sido também um vetor do empenho político, sobretudo para um certo número de jovens, muitos dos quais agora estão envolvidos no processo de fundação da nova organização, e outros acompanham com simpatia.

O congresso que acontecerá em Dezembro representa a culminância de um processo que, através da luta política travada no seio do NPA, da campanha de Anasse, da conferência nacional de junho, da universidade de verão e da criação dos comitês da nova organização em setembro, possibilitou a fusão entre ex-militantes da CCR, novos militantes e militantes de outras tradições políticas. Ao mesmo tempo, representa um ponto de partida na construção de uma nova organização revolucionária na França, cujos princípios fundamentais serão definidos neste texto.

Para isso, partiremos das lições estratégicas da luta de classes dos últimos anos, bem como de uma avaliação do papel que nela desempenharam os diferentes componentes do movimento revolucionário.

Um longo processo de radicalização entre os trabalhadores e a juventude

Depois de 2016, um novo ciclo da luta de classes se abriu na França. Com uma séria de mobilizações de quase todos os setores de trabalhadores, mas de forma dispersa e desincronizada: os grandes bastiões privados e a juventude em 2016, os ferroviários e funcionários públicos em 2018, os setores empobrecidos dos subúrbios franceses com os gilets jaunes (coletes amarelos), os trabalhadores dos transportes principalmente em 2019 pela aposentadoria, muitas empresas privadas como parte das lutas contra as demissões e pelos salários ao final do confinamento de 2020. Mobilizações trabalhistas às quais se somaram dinâmicos setores da juventude, secundaristas e universitários, mobilizados desde seus locais de estudo e na rua pelo clima, contra a violência sexista, pelos direitos LGBT e contra o racismo e a violência policial.

O ano de 2016 marcou um salto na crise orgânica na França, com o governo Hollande-Valls dando sequência a uma ofensiva liberal sem precedentes após os ataques de 2015 e uma reforma patronal do código trabalhista que levou a um poderoso movimento interprofissional. Isso deu origem a um processo de rupturas de massas com o Partido Socialista, que durante décadas constituiu o "pilar de esquerda" do regime, e, no âmbito da vanguarda, expressou uma certa consciência anticapitalista, com aspiração por formas de democracia direta e radicalização, particularmente em torno dos fenômenos de Nuit Debout e cortèges de tête. Eles também permitiram que uma nova geração de ativistas fizesse experiência com a burocracia sindical como um obstáculo à generalização da greve.

Enquanto na superestrutura política, o colapso do PS (combinado com o caso Fillon e o voto anti-Le Pen) permitiu a eleição de Macron, apoiado pelo bloco burguês, no terreno da luta de classes, a crise do poder político e as mediações sindicais combinadas com a política ofensiva do novo governo abriram caminho para formas de luta de classes mais explosivas, incontroláveis e confusas, menos “quimicamente puras”. O movimento espontâneo dos coletes amarelos constituiu uma espécie de síntese das contradições do período, mesclando crise social, tendências à radicalização e enfraquecimento dos "corpos intermediários". Como disse Juan Chingo em seu livro sobre esse movimento, ele marcou sobretudo uma espécie de “retorno do espectro da revolução”. A burguesia estava aterrorizada com a entrada na cena política de um setor das massas, assumindo uma imaginação revolucionária.

Se o movimento foi marcado por uma fraca consciência de classe e ausência de questionamento dos patrões, favorecido pelo boicote das direções sindicais, esse salto no processo de radicalização não tardou a impactar o movimento sindical organizado. Primeiro através de uma série de greves selvagens nos setores mais explorados da SNCF, como os centros técnicos, depois na RATP, cujos trabalhadores, após 10 anos de paz social na empresa, impuseram às burocracias sindicais a convocação de uma greve por tempo indeterminado a partir de 5 de dezembro de 2019 e assim permitiu a saída do poderoso movimento contra a reforma da previdência. No contexto do início da pandemia, acabou obrigando o governo a retirar seu projeto. Ao mesmo tempo em que setores estratégicos do proletariado se mobilizavam, esse movimento tinha um discurso não corporativista em torno da “luta pelas gerações futuras”. Articulando-se com outros setores, como professores e trabalhadores da cultura, e procurando, com algum sucesso, ultrapassar o quadro imposto pelas direções sindicais, em particular quando estas tentavam impor uma trégua nas férias de Natal.

O súbito início da pandemia desempenhou um papel contraditório nesse processo. Por um lado, este fato marcou uma espécie de interrupção, num contexto em que as condições materiais de mobilização se tornaram complexas e em que o medo do vírus, do desemprego e da pobreza atingiu os trabalhadores. Mas, por outro lado, a pandemia desnudou aos olhos de milhões de trabalhadores a verdadeira face do sistema capitalista e da sociedade de classes, o papel central da classe trabalhadora e colocou de forma embrionária a questão do controle operário sobre a produção e o funcionamento da sociedade. Os direitos de isolamento social e de paralisações da produção em muitas fábricas durante a pandemia, depois as greves de trabalhadores essenciais desde o fim do primeiro confinamento, foram uma prova dos elementos de recomposição subjetiva de grandes setores da classe que não necessariamente participaram de movimentos grevistas até àquela época.

O retorno que acaba de acontecer com a greve nas refinarias e as suas repercussões (ver documento sobre a situação nacional), mostram que a onda iniciada em 2016 não acabou com a pandemia. Pelo contrário, este último foi um elemento muito importante de uma forma de consciência na origem da cólera dos refinadores. De fato, como muitos trabalhadores que lutaram por salários nos últimos meses, eles estavam entre os trabalhadores essenciais que trabalharam no auge da pandemia com medo do vírus, enquanto sua administração estava escondida em segundas residências e os acionistas acumulavam recordes de lucros. A pandemia também colocou em perspectiva, através do debate sobre “o mundo depois”, o funcionamento da sociedade capitalista e seu caráter irracional.

Devemos adicionar a todos esses elementos os fenômenos profundos na juventude. A escala assumida por um movimento antirracista e contra a violência policial independente do Estado, no qual os coletivos de famílias das vítimas têm papel central, tem sido um vetor muito importante de politização em bairros populares e entre jovens racializados que estão sendo chamados de "geração Adama". Os importantes comícios de junho de 2020 por convocação de nossos camaradas do Comitê Adama no final do primeiro confinamento foram uma demonstração desse fenômeno e preocuparam os setores mais reacionários da burguesia. Da mesma forma, a politização no campo feminista e LGBT foi acompanhada pelo surgimento de alas radicais "anticapitalistas", críticas a programas centrados na interpelação do Estado, e que conseguem mobilizar milhares de pessoas em manifestações que contestam as lideranças mais integradas à esquerda institucional e o Estado nesses movimentos. Por fim, no campo do movimento ambientalista, setores da juventude mobilizados desde 2018 vivenciam o impasse de soluções institucionais e COPs, ainda que isso tenha gerado tendências à radicalização nos modos de ação, cujo conteúdo permanece centrado na interpelação do Estado.

Todos esses elementos abrem certas condições favoráveis ​​para a ação dos revolucionários. As recomposições que a crise das mediações políticas e sindicais permitem não são contudo unilaterais e os elementos de “radicalização” evocados podem beneficiar “novas formas de pensar”, para usar termos gramscianos, tanto à esquerda como à direita. Deste ponto de vista, o refluxo de consciência de grandes setores que participaram das lutas de 2019-2020, afetados pela influência da conspiração e confusão no momento da pandemia, tentados por um voto "anti-Macron” para Le Pen no segundo turno das eleições presidenciais, mostram a necessidade de trazer a raiva e o radicalismo para o terreno classista e revolucionário, e ancorá-lo. Diante do impasse representado pelo neorreformismo, as organizações que se dizem revolucionárias têm um importante papel a desempenhar nesse contexto. No entanto, é claro que durante todo o período aberto em 2016 na França, infelizmente, foi a passividade e o ceticismo que prevaleceram.

A extrema esquerda não passou a prova

Fazer um balanço da intervenção da extrema-esquerda no último ciclo da luta de classes é uma necessidade, não é para distribuir pontos positivos e negativos, mas porque uma organização revolucionária conquista sua legitimidade a partir das respostas que dá diante das novas e complexas situações políticas e das contribuições que faz para a classe trabalhadora e suas lutas. Para criarmos uma nova organização, é fundamental apontar os limites da extrema-esquerda que queremos superar.

Neste plano, como colocou Paul Morao num artigo para RP Dimanche: "revisar as políticas seguidas pelas duas principais organizações da extrema-esquerda na França nos últimos episódios da luta de classes envolve, paradoxalmente, um trabalho em grande parte cinzento e pontilhado porque é difícil lembrar de intervenções e manifestações significativas, de greves protagonizadas por essas organizações, de políticas ousadas realizadas nos movimentos desde 2016".

Esta observação "não significa que estas organizações deixaram de intervir na luta de classes, mas que abandonaram em grande parte algumas das tarefas que as organizações revolucionárias tradicionalmente se atribuíam nestas lutas", nomeadamente "a batalha pela auto-organização em primeiro lugar, para permitir que os trabalhadores se encarregarem de seu movimento; a luta pela ampliação do movimento e pela unidade da classe trabalhadora, bem como o trabalho de aliança com todos os setores oprimidos; enfim, o fato de contar com as experiências da luta de classes para fazer dela uma ponte para a necessidade da revolução, convencendo os setores de vanguarda a se engajarem, além da luta, na construção de organizações revolucionárias. ".

O abandono dessas tarefas específicas que são incubidas aos revolucionários explica o paradoxo de que depois de quase sete anos de intensa luta de classes e um processo de radicalização de setores da classe trabalhadora, que se combina com um amplo processo ideológico de base anticapitalista na juventude, a extrema esquerda está mais enfraquecida e mais marginal do que nunca. Uma constatação que não é alheia às estratégias das duas organizações históricas do trotskismo francês, marcadas pela passividade e pelo derrotismo quanto ao papel específico que os revolucionários devem desempenhar na luta de classes.

Do fracasso do projeto fundador à derrocada oportunista da direção do NPA
A crise e a relativa paralisia do NPA não são novidade. A dinâmica expansiva do projeto inicial que sonhava em ocupar o espaço deixado à esquerda do Partido Socialista, graças à popularidade de Besancenot e à crise dos velhos aparatos que haviam participado do governo da esquerda plural, rapidamente se deparou com a recomposição de um bloco reformista em torno da Frente de Esquerda formada entre Mélenchon, recém-saído do PS, e o PCF. Essa verificação da realidade logo levou a uma crise que pôs em evidência as ambiguidades do projeto fundador do NPA como partido amplo.

Isso foi baseado na ideia de que a fronteira entre reforma e revolução havia se tornado mais tênue, até mesmo que não tinha mais razão de existir, e que era preciso apagar do zero os debates do movimento revolucionário do Século XX para inventar uma "nova estratégia". No entanto, foi um claro fracasso. Ao invés de permitir ganhar espaço político sobre os reformistas, essa assumida indefinição estratégica não deixou de produzir dentro do NPA alas de direita liquidadores do projeto de uma organização revolucionária independente, que terminram deixando o NPA com centenas de militantes para se juntar com Mélenchon.

A ideia de que para se expandir era preciso uma organização menos militante e menos ligada a implantação e à intervenção na luta de classes forjou uma organização cuja prática se resume, como admitiu um de seus dirigentes, a "que os militantes intervenham das camadas médias ou superiores da sociedade, de fora e como doadores de lições que não praticam a luta de classes, seja nas empresas ou nos bairros populares”. Um partido onde convivem projetos estratégicos diferentes, até mesmo contraditórios, mantidos artificialmente vivos graças às campanhas presidenciais e à popularidade de seus porta-vozes, assim como o temor das correntes de oposição de se verem isoladas em caso de explosão ou cisão.

A crise do NPA parece estar a chegar a uma encruzilhada: agora é toda a tendência majoritária do NPA que considera, como indica o seu texto para o congresso do partido que acontecerá em dezembro, que "ao contrário do período da sua fundação (…) este partido terá de ser construído não só no quadro das experiências de massas em que serão feitos esclarecimentos, mas também na interação/confronto com as outras correntes de esquerda. Atualmente queremos representar a ala mais combativa e subversiva no quadro de uma unidade do proletariado, e o partido será fruto de decantações, de reagrupamentos em função dos problemas políticos que surgirem na ação.”

Por trás de fórmulas complicadas sobre “o quadro de uma unidade do proletariado” está a ideia de que o NPA deve representar “a ala mais combativa e mais subversiva” da NUPES. Uma ideia que a direção maioritária do NPA tem elaborado publicamente nos últimos meses, teorizando que o voto da NUPES “contribui para a reconstrução da consciência de classe” e vendo na popularidade de Philippe Poutou um sinal da “vontade dos eleitores/ras que os revolucionários estejam situados por dentro da unidade”. Daqui conclui que o futuro do NPA passará pela sua capacidade de se integrar numa frente eleitoral e parlamentar de colaboração de classes que inclua organizações burguesas como o PS.

A maioria da direção do NPA está, portanto, em processo de explicar, digam o que digam em outras passagens do texto, destinadas a se proteger das críticas à sua esquerda, que a independência política e organizacional que o NPA adquiriu durante sua fundação em 2009 não está mais na ordem do dia. Neste contexto, como havíamos antecipado após a nossa exclusão, a maioria desta organização coloca as correntes de oposição diante de um ultimato. Ou eles concordam em desistir de qualquer funcionamento e expressão de fração, ou o congresso terminará em “separação”. Em ambos os casos, provavelmente será o fim do NPA em sua configuração atual.

Antes de nossa exclusão, buscamos sistematicamente nos posicionar ao lado das outras correntes de esquerda do partido (L’Étincelle, Anticapitalisme e Révolution et Démocratie Révolutionnaire) contra a orientação liquidacionista personificada pela maioria do “Secretariado Unificado da Quarta Internacional”. Nos referenciando em particular nas discussões da experiência da FIT-U (Frente de Esquerda e dos Trabalhadores – Unidade), que reagrupa há mais de 10 anos a maioria da esquerda argentina que se diz revolucionária em uma frente política e eleitoral comum.

As nossas propostas tiveram pouco eco naquela época porque algumas destas correntes ainda apostavam em formas de conciliação com a direção, o que infelizmente as levou a não se opor firmemente à nossa exclusão. Dependendo do resultado do congresso do NPA e das conclusões que elas tirarem, essa discussão pode surgir novamente com esses camaradas.

De todo modo, oferecer uma perspectiva organizacional aos militantes revolucionários sinceros, sejam eles órfãos do partido ou ainda membros do NPA, é para nós uma razão adicional para lançar a nova organização.

A atividade derrotista de esperar e ver da LO não pode ser a única alternativa para a extrema-esquerda

No cenário muito provável de uma viragem política do NPA, a extrema-esquerda passaria a ser encarnada essencialmente pela Lutte Ouvrière. No entanto, apesar da sua localização e de certas qualidades organizacionais, esta organização infelizmente não constitui uma alternativa à deriva oportunista da direção do NPA.

A Lutte Ouvrière está de fato profundamente imbuída pelo ceticismo e considera que, além dos elementos de mobilizações conjunturais, estamos em um período de declínio depois de várias décadas. Nesse sentido, é clara a avaliação do último quinquênio realizada no documento nacional de seu 51º congresso: “A burguesia tem motivos para estar satisfeita com o quinquênio de Macron. Com sua maioria parlamentar, conduziu a política que havia prometido e assumiu a prova de fogo. A própria mobilização popular dos coletes amarelos não criou uma grande crise política e não ameaçou a ordem burguesa. Macron a usou para aperfeiçoar o arsenal autoritário do Estado. Ele também conseguiu administrar a crise da saúde e os sucessivos confinamentos sem que a grande burguesia pagasse a conta.”

Essa afirmação minimiza enormemente os elementos de crise política por cima e a cólera social por baixo. A partir dela a Lutte Ouvrière considera que o papel dos revolucionários se resume a tarefas de tipo "sindicalista" nas empresas, às quais se junta uma propaganda comunista relativamente abstrata, destinada sobretudo a preservar a bandeira enquanto espera que a maré suba vire. Embora a Lutte Ouvrière tenha forças muito superiores às do NPA e presença em importantes bastiões do movimento operário, essa lógica leva seus militantes a se recusarem a realizar políticas voltadas para a coordenação dos setores de vanguarda, a combater as burocracias sindicais e a assumir a ofensiva para influenciar a forma e o conteúdo dos movimentos nos quais a organização intervém.

Ao mesmo tempo, esta corrente considera que defender a centralidade da classe trabalhadora implica que todas as questões que não dizem respeito diretamente à exploração capitalista são secundárias, inclusive seriam ou poderiam se tornar fatores de desvio e divisão do proletariado. Uma lógica obreirista pela qual a LO justifica não assumir as questões feministas, LGBTI, ambientais ou antirracistas e não participar ativamente das lutas daqueles que combatem essas opressões, inclusive a partir de sua influência nos trabalhadores.

Pior ainda, esta corrente se junta a uma certa tradição secular da esquerda francesa que, a pretexto de combater o preconceito religioso, acaba por legitimar mecanismos de estigmatização e discriminação de trabalhadores e jovens religiosos. Isso ficou claro durante a aprovação da lei sobre o uso do véu na escola em 2004, apoiada por Lutte Ouvrière (e também pela LCR), ou mais recentemente na sua recusa em se manifestar claramente contra a proibição do burkini ou em apoio à luta dos Hijabeuses contra a discriminação de jovens jogadores de futebol que usam o lenço na cabeça.

Estamos convencidos de que as novas gerações que hoje se mobilizam amplamente em torno de questões relacionadas à opressão ou à crise ambiental, assim como os trabalhadores que querem lutar contra a opressão, merecem uma alternativa. A de uma organização política que, enquanto é firmemente revolucionária e apegada à conquista de posições dentro do movimento operário, articula todas essas lutas que atravessam, entre outras, a própria classe trabalhadora a serviço da tomada do poder e da destruição do capitalismo.

Uma alternativa revolucionária ao neoreformismo

Caso contrário, o risco é que a impotência da extrema-esquerda deixe o campo aberto para a reconstrução de uma mediação neorreformista e/ou a reciclagem da velha esquerda. É por isso que a tarefa de construir uma alternativa revolucionária a NUPES tem hoje um caráter estratégico. Porque este projeto visa sobretudo reforçar as ilusões sobre a possibilidade de uma saída pacífica e republicana da barbárie capitalista, deslocando o centro de gravidade das lutas para o parlamento e preparando novos fracassos e desilusões.

Numa época em que a perspectiva da guerra, de uma crise que ameaça lançar milhões de pessoas na pobreza ou mesmo na fome, da destruição do planeta colocam cada vez mais em evidência a urgência revolucionária, se contentar em simplesmente exigir por um limite aos superlucros dos capitalistas, em agitar a esperança de uma vitória eleitoral distante e de um bom governo de esquerda, constitui simplesmente um impasse. Depois dos retumbantes fracassos do Syriza e do Podemos, pode-se convencer disso olhando a situação atual da América Latina, muitas vezes reivindicada pelos próprios melenchonistas como um “laboratório político”.

No Chile, a aclamada eleição de Gabriel Boric pela esquerda francesa, longe de ser o ato fundador de uma chamada revolução cidadã, foi antes um instrumento de desmobilização e canalização institucional da revolta que tomou conta do país em 2019, conforme explicado por Claude Piperno em RP Dimanche. Esta operação está na origem da derrota sofrida pelo novo governo durante o referendo da Assembleia Constituinte do passado mês de setembro. A história recente teve muitos casos de levantes populares desviados por esse tipo de operação para insistirmos em não aprender com eles.

Não muito longe dali, no Brasil, a eleição de Lula, à frente de uma coalizão que incluía membros da direita neoliberal como Geraldo Alckmin, obviamente não fez desaparecer as alas mais radicalizadas do bolsonarismo. Pelo contrário, embarcaram em bloqueios de estradas por todo o país, com a cumplicidade de algumas polícias, para contestar o resultado das eleições, ou mesmo para exigir um golpe dos militares. Nesse contexto, a política conciliatória do PT advogando “paz e amor”, desarma o proletariado brasileiro para enfrentar as tendências fascistizantes inscritas na situação brasileira.

Dentro desse contexto não se trata de um projeto consensual com uma esquerda que administra o capitalismo, nem de uma organização "fluida" feita sob medida para os prazos eleitorais, mas sim de um partido revolucionário dos trabalhadores, consciente do caráter inconciliável entre o capitalismo e os interesses da classe operária, da juventude e dos movimentos populares, e que se prepara para intervir nos acontecimentos convulsivos onde, progressivamente, se abram mais e mais as perspectivas da revolução e de uma contra-revolução fascistizante. É a serviço da construção de um partido deste tipo que se colocará a nossa nova organização.

Qual organização para qual estratégia?

A trajetória de nossa corrente política mostra, em pequena escala, que é possível, por meio de uma intervenção determinada e com perspectivas estratégicas claras, conectar-se com os movimentos, contribuir com eles e fundir-se no calor das experiências comuns com os elementos mais avançados da nova geração de trabalhadores e militantes da qual nasceu o atual ciclo da luta de classes.

Recordemos apenas a título de exemplo que o jornal online RP se tornou em 2016, menos de um ano após o seu lançamento, um dos principais meios de referência para informação sobre o movimento contra a Lei do Trabalho, tornando-se um verdadeiro organizador coletivo e oferecendo análises e orientações para centenas de milhares de leitores todos os meses; que com apenas dois militantes sediados na SNCF, estivemos desde o começo 2018 das reuniões inter-gares que reuniram ao longo da luta contra o pacto ferroviário centenas de ferroviários em torno de uma linha alternativa à da burocracia sindical; que foi o coletivo emanado dessas reuniões que lançou, com o Comitê Adama, o agrupamento de Saint-Lazare para organizar o apoio do movimento trabalhista, da juventude e dos bairros operários para o movimento dos coletes amarelos.

Em 2019, foram os nossos camaradas, em particular Anasse Kazib, que estiveram no centro da construção da coordenação RATP-SNCF que desempenhou um papel fundamental na luta contra a reforma das aposentadorias, como expressão da base e para contrariar a tentativa da burocracia sindical de acabar com o movimento às vésperas das férias. Finalmente, é também em grande parte graças à nossa intervenção que conflitos isolados e difíceis como a greve de Onet, da Total Grandpuits ou, em menor medida, vários conflitos na indústria aeronáutica ganharam um eco regional ou mesmo nacional e tornaram-se, em maneiras diferentes, greves exemplares.

Para dar corpo a uma alternativa contra o projeto institucional da NUPES e à passividade da extrema-esquerda, acreditamos ser decisiva a construção de uma organização política que intervenha nessa lógica. Uma organização cujo objetivo, porém, é não só fortalecer as lutas de nossa classe, mas também e sobretudo levar a perspectiva estratégica de uma revolução social que derrube o Estado burguês, substituindo-o por um poder democrático da maioria explorada, através dos seus organismos de auto-organização, e acabar com a propriedade privada dos meios de produção.

Assim, a nova organização se insere na tradição revolucionária marxista e trotskista e luta por uma sociedade livre de todas as formas de exploração e opressão, sem classes e sem Estado: o comunismo. Esta estratégia e objetivo tem muitas implicações para a política e o tipo de organização a ser construída.

Aliança operária e popular, greve geral e o papel hegemônico da classe trabalhadora

No plano político, qualquer estratégia revolucionária coloca o problema do sujeito da transformação social. Ao contrário das concepções populistas que dissolvem a classe trabalhadora no povo, nossa nova organização considera que a classe trabalhadora em sentido amplo - ou seja, todos aqueles que para viver são obrigados a vender sua força de trabalho em troca de um salário e que não estão nem nas cadeias de comando nem nas forças de repressão – é, pelo lugar central que ocupa na produção, a única força capaz de conduzir uma revolução genuinamente emancipatória, isto é, socialista.

Porém, longe de qualquer concepção obreirista, estamos convencidos de que a transformação da classe trabalhadora em sujeito revolucionário passa justamente pelo fato de não se ocupar apenas das questões econômicas que lhe dizem respeito, mas, ao contrário, de se encarregar de todos os problemas da sociedade, os das classes médias empobrecidas, mas também a luta contra todas as formas de opressão e em defesa do meio ambiente. Esta constatação é a base da necessidade de uma aliança entre a classe trabalhadora e todos os setores que têm interesse na destruição do capitalismo.

Assim, é através de um bloco operário e popular, unindo todos os explorados e oprimidos, que será possível derrotar o bloco burguês reunido hoje atrás de Macron, em nenhum caso através de um “bloco de esquerda”. É tornando-se sujeito hegemônico que a classe trabalhadora pode desencadear a transformação de um movimento social em greve geral política, que paralisa a marcha da economia capitalista e coloca o problema de quem dirige a sociedade. Isto implica uma irrupção do conjunto das massas na cena política, ainda que os setores concentrados e estratégicos do proletariado desempenhem obviamente um papel decisivo.

É neste sentido que temos em conta a concepção leninista do militante revolucionário como "tribuno do povo", não se contentando em ser bons sindicalistas ou em intervir nos seus próprios sectores, mas pelo contrário "saber reagir contra qualquer manifestação arbitrária e de opressão, onde quer que ocorra, seja qual for a classe ou estrato social que sofra com ela, sabendo generalizar todos esses fatos para compor um quadro completo da violência policial e da exploração capitalista, sabendo tirar proveito da menor oportunidade de expor a todos suas convicções socialistas e suas reivindicações democráticas, de explicar a todos e a todas o alcance histórico e global da luta emancipatória do proletariado”.

A luta contra a burocracia, auto-organização e frente única

Esta concepção implica uma luta de morte contra as burocracias políticas e sindicais cujo papel é precisamente manter as divisões entre os diferentes setores da classe para evitar que os combates parciais confluam e avancem para uma luta política global contra o sistema capitalista. Deste ponto de vista, como explicou Trotsky, a burocracia constitui um agente dos patrões dentro do movimento operário.

A luta contra a burocracia, para arrancar dela o controle dos sindicatos e recuperar essas organizações como instrumento de uma política de luta de classes, é um dever de qualquer organização revolucionária. Sua fragilidade ou ausência constitui um dos principais limites da extrema esquerda atual.

Mas não basta a luta sindical, os sindicatos, embora continuem desempenhando um papel importante na organização de setores do movimento operário, apenas estruturam uma ínfima parte da classe trabalhadora, muitas vezes as camadas menos exploradas e precárias, porque conquistaram historicamente um maior equilíbrio de poder. É por isso que, se a nova organização luta resolutamente pela construção de frações da luta de classes e antiburocráticas nos sindicatos, deverá impulsionar em todas as lutas, mesmo parciais, o estabelecimento de organismos de auto-organização e coordenação, reunindo membros de diferentes sindicatos, mas também não-sindicalizados, e permitir que os atores da luta na base tenham o controle do movimento e não a burocracia.

Na marcha para a tomada do poder, estes organismos de auto-organização tornar-se-ão gradualmente uma verdadeira ferramenta de duplo poder, como os sovietes ou por vezes os comitês de fábrica em vários processos revolucionários, para se transformarem em órgãos de democracia direta e cimentos do poder dos trabalhadores.

A luta contra a burocracia e pela auto-organização não exclui, porém, a constituição de blocos de frente única em torno de objetivos específicos. Porém, ao contrário da concepção da direção majoritária do NPA, a unidade com os reformistas se situa exclusivamente no terreno tático. O objetivo estratégico buscado é o fortalecimento da influência política dos revolucionários a partir de uma experiência das massas com suas direções, o que implica não misturar o programa revolucionário com o dos reformistas.

Internacionalismo e antiimperialismo

Sendo o capitalismo ele próprio um sistema globalizado, uma revolução, embora comece no terreno nacional, se desenvolve no terreno internacional e só pode ter sucesso em escala mundial. Também, o internacionalismo, muito mais que uma injunção moral, é uma condição sine qua non para que a revolução de um país não seja estrangulada por uma união das burguesias da região com o apoio das grandes potências imperialistas que sempre sabem se unir quando se trata de suprimir uma revolução.

Isto implica não só não ceder a nenhuma forma de soberanismo nacional e de considerar que os nossos aliados são os proletários de todos os países jamais a nossa própria burguesia, mas também estar sempre ao lado dos povos oprimidos pelas potências imperialistas, e principalmente quando se trata do imperialismo francês.

Da mesma forma, a construção de uma organização revolucionária nacional não pode estar desassociada da necessidade de reconstruir uma internacional revolucionária. Assim, a nova organização pede para se filiar à Fração Trotskista da Quarta Internacional (FT-QI), reservando a seus membros, especialmente aqueles vindos de outras tradições políticas, o direito de não aderir.

Uma organização militante e democrática

Para ser capaz de liderar batalhas e influenciar o andamento dos eventos, uma organização deve dispor de forças, de posições a partir das quais desdobrar sua política. É por isso que a nova organização terá presença nos principais redutos do movimento operário uma tarefa central, dando continuidade aos esforços nesse sentido que vêm sendo feitos até agora pelos militantes do ex-CCR.

Ao mesmo tempo, estamos convencidos de que um dos principais sinais de boa saúde de uma organização que quer ser revolucionária é sua capacidade de dialogar e atrair para si as jovens gerações de militantes revolucionários. É por isso que construimos Le Poing Levé como uma corrente estudantil nacional nas universidades e escolas secundárias, Du Pain et des Roses no movimento feminista, além de trabalhar por uma melhor presença em setores da juventude operária e bairros populares, também será um importante desafio da nova organização.

Os objetivos estratégicos que definimos acima também implicam um certo tipo de organização política. É óbvio que uma máquina eleitoral e parlamentar não pode funcionar segundo os mesmos princípios de uma organização que aspira a desempenhar um papel determinante amanhã num processo revolucionário. A nova organização se define assim como uma organização militante partidária e de combate, cujos membros não são aderentes ou comentadores passivos, mas sim militantes ativos que têm a intervenção na luta de classes como centro de gravidade da sua atividade.

Combate significa, no entanto, também combate ideológico, para contrariar as ideias dominantes e reabilitar um marxismo revolucionário vivo que seja um verdadeiro guia para a ação das gerações revolucionárias futuras, combate político para impor as ideias revolucionárias no debate nacional através das eleições, como buscamos fazer em pequena medida na campanha de Anasse para a presidência, bem como o papel do jornal online Révolution Permanente (que será reformulado por ocasião do lançamento da nova organização) como mídia e organizador coletivo .

Por tudo isso, é evidente que uma forma de centralização é indispensável. E porque a nova organização se dotará de uma direção política, eleita pelo congresso segundo as regras estabelecidas em seu estatuto. Essa centralização não é contudo contraditória com a mais larga democracia interna, com a possibilidade para cada militante de contestar a orientação proposta pela direção e de buscar convencer a organização, com a condição, é claro, de não impedir a implementação da orientação uma vez que tenha sido adotada pela maioria dos ativistas.

As condições para um bom funcionamento democrático são o caráter militante da organização (que implica os mesmos direitos e deveres para todos), mas também a formação política dos militantes, que devem ter todas as ferramentas para ter um olhar crítico sobre a política da organização. E também ver a organização como um marco de solidariedade revolucionária, de camaradagem soldada a partir dos combates realizados em comum e que tente na medida do possível possibilitar relações humanas livres de toda a carga imposta pela ideologia capitalista com seu individualismo, e suas relações competitivas e opressivas.


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Comitê de Redação - Révolution Permanente

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