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Bolsonaro no JN | Globo ataca Bolsonaro, mas poupa Guedes e Braga Netto

A entrevista com Bolsonaro mostrou pontos nos quais a Globo esteve de acordo com o seu governo, em especial no reconhecimento de Bonner e Renata - pela ausência de interrupções, comentários e o curto tempo para a Economia - um verdadeiro consenso entre entrevistadores e entrevistados em torno de Paulo Guedes.

Mateus CastorCientista Social (USP), professor e estudante de História

terça-feira 23 de agosto de 2022 | Edição do dia

Foto: reprodução/G1

Bonner busca lavar a cara da Globo e reconhece a tutela militar

A Globo, durante os 10 minutos iniciais, buscou disciplinar Bolsonaro no tema da lisura do processo eleitoral e da democracia. O recuo no seu discurso golpista foi parcial e ainda manteve questionamentos aos procedimentos eleitorais e condicionando a aceitação do resultado a "eleições limpas", mantendo posições sustentadas pelos militares - em especial sobre a tutela das Forças Armadas para garantir “eleições transparentes”. Agiu, entretanto, enquadrado na situação gerada pelo 11 de agosto, do qual a entrevista é continuidade no esforço de disciplinamento. Isso expressa as diretivas em torno de um novo pacto de poder que se conjura, simbolizado na posse de Moraes no TSE, expressando uma nova correlação de forças:

“Sobre esse atrito com o Moraes, hoje, pelo que tudo indica, está pacificado. Espero que seja uma página virada. Até você deve ter visto por ocasião da posse do Senhor Alexandre de Moraes um certo contato amistoso lá (...). E quem vai decidir essa questão de transparência ou não, serão, em parte, as Forças Armadas, que foram convidadas a participar da Comissão de Transparência Eleitoral”

Contra o questionamento do processo eleitoral, Bonner exaltou que “a transparência e a lisura das urnas eletrônicas têm sido motivo de orgulho da maioria da população brasileira”. Mas qual democracia a Globo orgulhosamente defende? Bonner indica:

“As Forças Armadas são uma das partes desse grupo que analisa a segurança. A grande questão não é nem a presença das Forças Armadas”.

Por que os entrevistadores trataram com tanta naturalidade a intromissão dos militares na política e de seu avanço na tutela das eleições deste ano, após convite do próprio TSE? A intervenção de Bonner indica que o novo pacto em formação preserva a tutela do Judiciário sobre o regime político na mesma medida que naturaliza e torna oficial também a tutela militar, que com o TSE estabelece uma relação de acordos e disputas pela arbitrariedade e autoritarismo.

O primeiro tema debatido foi o mais intenso, e demonstra uma continuidade da política frente amplista expressa tanto na “Carta às Brasileiras e aos Brasileiros em defesa do Estado Democrático de Direito!” como na cerimônia de posse de Alexandre de Moraes no TSE. Nesses dois eventos, a Fiesp e a Febraban, junto a grandes proprietários e seus representantes no Estado, buscaram limpar seu passado recente golpista: tanto em 2016 no Impeachment, como em 2018 na prisão de Lula. Bonner e Renata realizaram a mesma operação para a Globo: ao iniciar a entrevista com um tom disciplinador, buscaram limpar a cara de um monopólio midiático que foi tão fundamental para a ascensão da Lava-Jato, do golpe institucional em 2016, na aprovação das reformas, no apoio à prisão de Lula e à eleição de Bolsonaro. Agora, essas grandes frações da burguesia brasileira se unificam em “defesa da democracia”. São esses pesos pesados do capitalismo brasileiro, junto ao imperialismo americano e europeu, que sustentaram a ofensiva de Bonner no início da entrevista.

Essas frações capitalistas também possuem algo em comum: o acordo com o programa econômico implementado de maneira despótica por Temer e continuado por Bolsonaro, que teve ajuda através da sensibilidade dos entrevistadores diante das dificuldades enfrentadas pelo governo durante a pandemia e na guerra na Ucrânia. Quais dificuldades? Na capacidade de acumulação de capital e exploração do trabalho.

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Os golpistas do passado recente são incapazes de combater os golpistas do presente

A entrevista com Bolsonaro mostrou pontos nos quais a Globo esteve de acordo com o seu governo, em especial no reconhecimento de Bonner e Renata - pela ausência de interrupções, comentários e o curto tempo para a Economia - um verdadeiro consenso entre entrevistadores e entrevistados em torno de Paulo Guedes. Bolsonaro fez questão de listar os pontos em comum: Reforma da Previdência, Lei da Liberdade Econômica, etc. A ausência de qualquer tensão e atrito como nos outros temas deve nos chamar a atenção, pois demonstra os acordos que possuem nos ataques contra as condições de vida e trabalho à classe trabalhadora. Sobre a situação de fome, desemprego, e a degradação dos serviços públicos, as privatizações, não havia o que contestar sobre a situação econômica. O tema tornou-se até problemático pelo nível de acordo entre os dois lados da mesa, o que fez os entrevistadores correrem para a próxima pauta.

A Globo buscou atacar a personalidade de Bolsonaro e sua atuação individual por fora de suas bases de sustentação, como militares e agronegócio. Isso só é possível de compreender tendo em vista que não faria nenhum sentido à emissora uma denúncia das frações da classe dominante que até agora sustentam Bolsonaro, com as quais compartilha que, seja o governo que for, devem se reproduzir no poder. Tal questão se traduziu que, sobre a pandemia, silenciaram a participação dos militares, em especial na figura de Pazuello por toda a tragédia, além da própria catástrofe econômica gerada pelos patrões, que Bolsonaro sempre busca fazer demagogia colocando a culpa em prefeitos e governadores.

Os entrevistadores afirmam com um pesar tão grande que sob o governo Bolsonaro “o mundo vê o Brasil como destruidor de florestas”. Como resposta, viram Bolsonaro se apoiar na demagogia do imperialismo europeu com a questão ambiental, que diante da guerra na Ucrânia vem utilizando cada vez mais fontes poluentes para produção energética. A emissora jamais poderia colocar que por trás da política anti-ambiental bolsonarista estão os grandes proprietários do agronegócio que sustentam a devastação ambiental para expandir suas terras e seus lucros, até porque a solução seria uma profunda reforma agrária.

Sobre a política, a educação e a Polícia Federal, Bonner e Renata tiveram de se apressar pois a entrevista chegava ao fim. Sobre os três temas deram o velho conhecido enfoque "anticorrupção" com ares do já morto historicamente lavajatismo: contra a relação de Bolsonaro com o centrão tiveram a resposta que este o faz porque é algo democrático e parte do presidencialismo de coalização (“você está me estimulando a ser ditador”, claramente uma frase já pensada).

A não ser no enquadramento inicial de Bonner sobre a lisura do processo eleitoral, Bolsonaro conseguiu se sustentar no debate. A crítica burguesa é simplesmente incapaz de fornecer ferramentas para o combate ao bolsonarismo porque negaria a si mesma neste processo. Afinal, a tocha golpista que Bolsonaro segura firmemente em suas mãos nos dias de hoje já esteve entre os dedos da Fiesp, Febraban, da Lava-Jato, do STF e da Globo.

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A Globo apoiou a ditadura de 64, o golpe institucional de 2016 e a chegada de Bolsonaro ao poder. O verniz democrático que buscam se tingir é para lavar a cara após tantos ataques, e principalmente para conservar aquilo que já foi conquistado, como reformas e privatizações. Para combater o bolsonarismo é necessário uma crítica a esse regime que deu as condições para a ascensão bolsonarista e todo o seu golpismo. A “defesa da democracia” por parte da Globo e dos setores do Capital que ela representou nesta entrevista é uma política demagógica que se modifica de acordo com a ocasião. Buscaram disciplinar Bolsonaro na mesma medida que buscaram apagar a ruptura democrática que ocorreu de 2016 até o presente, na qual foram atores fundamentais. Desta forma, podem postular-se como defensores da democracia dos ricos.

Os únicos que podem combater o bolsonarismo de maneira consequente são a classe operária e o conjunto dos oprimidos, de maneira independente dessas frações burguesas não bolsonaristas, que tentam impor à nós novos ídolos defensores da democracia, prontos para negociar com o bolsonarismo soluções de força caso assim acharem necessário no futuro.




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