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China | Greve na Foxconn paralisa maior fábrica global de iPhones com 200 mil trabalhadores contra quarentenas da Covid-zero

A greve na fábrica da Foxconn de 200 mil trabalhadores desafia um dos principais pilares da política de Xi Jinping, as quarentenas draconianas da Covid-zero.

André Barbieri São Paulo | @AcierAndy

quarta-feira 23 de novembro de 2022 | Edição do dia

A greve afeta o complexo da Foxconn em Zhengzhou, capital da província de Henan, a maior fábrica de iPhones do mundo que emprega mais de 200.000 trabalhadores. Devido a novos casos de infecção pela Covid, a patronal da Foxconn decidiu confinar o local com os trabalhadores dentro, seguindo a política da Covid-zero imposta por Xi Jinping.

As informações sobre este movimento desencadeado em Zhengzhou, na província de Henan (centro), vêm de vídeos e fotos divulgados nas redes sociais Weibo e Twitter. A hashtag #FoxconnRiot estava censurada nas redes sociais chinesas ao meio-dia na quarta-feira.

As cenas de protesto e enfrentamento duro com a polícia na China marcam uma escalada de agitação na fábrica na cidade de Zhengzhou, que veio a simbolizar um perigoso acúmulo de frustração com as estritas regras da Covid-zero orientadas pela burocracia do PCCh, o que é agravado por uma das patronais mais exploradoras do mundo, que na última década viveu greves operárias em repúdio a maus-tratos e suicídios.

Muitos grevistas disseram que o gatilho para os protestos, que começaram cedo na quarta-feira, foi um plano da patronal da Foxconn para atrasar o pagamento de bônus. "Dê-nos nosso pagamento!" cantavam trabalhadores que estavam rodeados de pessoas uniformes sanitários brancos, alguns carregando bastões. Outras filmagens mostravam gases lacrimogêneos sendo atirados pela polícia contra os trabalhadores, que derrubavam furiosos as barreiras de quarentena.

Em algumas imagens, um trabalhador pode ser visto colocando uma barra metálica no chão, enquanto o autor do vídeo grita "eles estão vindo!" e "bombas de gás lacrimogêneo!". Outras imagens mostram os restos carbonizados de um portão da empresa, aparentemente queimados durante a noite.

Em outros vídeo se pode ver os trabalhadores incentivando seus companheiros, "defendamos nossos direitos!", enquanto se veem cercados pela polícia. Um dos trabalhadores disse que a "Foxconn nunca trata os humanos como seres humanos".

A polícia estatal anti-distúrbios passou a reprimir brutalmente os grevistas. Imagens mostram policiais chutando trabalhadores na cabeça e no toorso, quando já deitados e imobilizados.

Outro estopim para a greve foi a denúncia de que trabalhadores são forçados a compartilhar dormitórios com colegas que haviam testado positivo para a Covid-19. Como estamos em período de alta temporada e o ritmo da produção é elevado pela patronal para incrementar suas margens de lucro para as festas de fim de ano, os trabalhadores são obrigados a aderir a uma variante do velho "regime de fábrica-dormitório", um dos horrores fabris mais perversos das décadas de crescimento econômico chinês.

No regime de fábrica-dormitório, especialmente estimulado pela patronal taiwanesa, os trabalhadores vão da linha de montagem para os dormitórios fabris, passando meses dentro dos alojamentos da empresa, amontoados em péssimas condições sanitárias e de higiene, tendo de voltar a qualquer momento para a linha de montagem para "bater metas" de produção.

A meados de 2021, a Foxconn, junto a outras companhias taiwanesas, foi acusada de prender trabalhadores migrantes nas fábricas em Taiwan, quando um surto de Covid-19 atingiu a indústria tecnológica do país. Assim como na China, os trabalahdores eram proibidos de ver o mundo, e confinados dentro das instalações da fábrica sem poder deixar os complexos industriais contaminados de empresas como a japonesa Canon, a Siliconware Precision Industries (SPIL) e a Innolux.

Em uma declaração na quarta-feira, a Foxconn confirmou cinicamente que houve "violência" na fábrica e reconheceu que os trabalhadores haviam reclamado dos salários e das condições de trabalho na fábrica.

A Foxconn é o maior fabricante de iPhones da Apple, contribuindo com 70% das remessas de iPhone em todo o mundo. A maioria dos aparelhos celulares vem da fábrica de Zhengzhou, embora tenha outros locais de produção na Índia e no sul da China.

O descontentamento com as rígidas regras de quarentena da Covid-zero, a superexploração imposta pela empresa, a disseminação de surtos infecciosos em regime de confinamento fabril, além das péssimas condições, incluindo a escassez de alimentos, fizeram com que trabalhadores fugissem do campus da fábrica desde que a Foxconn impôs o chamado sistema de circuito fechado no final de outubro, em que os trabalhadores são isolados do mundo inteiro para produzir.

Para manter o pessoal e atrair mais trabalhadores, a Foxconn teve que oferecer bônus e salários mais altos. Que a patronal taiwanesa não pagou, segundo denunciaram os trabalhadores.

As autoridades locais, respondendo aos desígnios do Partido Comunista, também intervieram para ajudar a empresa a não interromper a produção. Responsáveis pelo governo em Zhengzhou estimularam fura-greves, incitando soldados aposentados e trabalhadores do governo a assumirem posições na linha de montagem, de acordo com reportagens da mídia local reproduzidas pelo diário francês Libération e pelo The Guardian.

Trata-se da greve operária mais importante da China, na maior fábrica de montagem de iPhones do mundo. É quase um universo paralelo com o que a China viveu semanas atrás, na pompa ossificada do 20º Congresso do Partido Comunista que deu a Xi Jinping um inédito terceiro mandato e o título informal de novo timoneiro.

Na solenidade congressual, Xi Jinping defendeu com unhas e dentes a "correção" da política estrita de Covid-zero. Nas fábricas, os trabalhadores respondem com greve e oposição à política repressiva de controle social que sacrifica suas vidas pela estabilidade do governo.

Ver aqui: O novo timoneiro Xi Jinping em águas turbulentas

Trata-se de um exemplo que Xi Jinping não quer espalhado de maneira alguma, porque poderia dar ensejo a articulações entre trabalhadores e a classe média urbana dos grandes centros que não tolera a política da Covid-zero. A histeria da política de contenção da pandemia levou a lockdowns em série nas maiores cidades da China, incluindo Xangai, Tianjin, Chengdu e Shenzhen, centros econômicos, comerciais e tecnológico-industriais. O desespero toca setores que até agora se beneficiaram das reformas, a base social central do regime que lhe permite exercer maior opressão e silenciamento sobre a classe trabalhadora, urbana e migrante. Escassez de alimentos, períodos insuportáveis de isolamento e enfermidades de saúde mental fizeram surgir nas redes sociais chinesas associações com a fome durante o “Grande Salto Adiante” (1958-1962), as mesmas redes que se impregnaram de notícias sobre os membros de classe média que decidiam procurar no Google os melhores meios de deixar o país.

A nova greve dos trabalhadores da Foxconn pode inspirar outros trabalhadores afetados pela política de Xi Jinping a protestar. A luta de classes na China pode atrapalhar um dos principais pilares da política reacionária da burocracia do PCCh. Um grande alento para os trabalhadores em todo o mundo.




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