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Estreia da Netflix | Guerreiras: quatro mulheres entre a ficção melodramática e a verdade histórica

No último dia 19 de fevereiro, estreou na Netflix a série francobelga “Guerreiras” que já bate recordes de reproduções. São oito capítulos que narram a história de quatro mulheres que vivem em um povoado ao nordeste da França no qual, no início da Primeira Guerra Mundial, avança o exército prussiano.

Andrea D’Atri@andreadatri

terça-feira 24 de janeiro de 2023 | Edição do dia

Embora se trate de uma ficção, a série se baseia essencialmente em fatos reais e em outros que, ainda que não tenham sido registrados nos livros de história, tranquilamente poderiam ter acontecido. O destacado figurino da época, a brilhante fotografia dos sangrentos combates travados pela infantaria, a cuidadosa e delicada seleção das locações dá a Guerreiras um intenso realismo.

No desejo de que só quatro personagens concentrem as múltiplas experiências femininas durante a guerra, as histórias de suas protagonistas beiram a irrealidade e o melodrama. Em mais de uma vez, o público pensará que não é possível que aconteça tantas coisas a essas pobres mulheres em tão pouco tempo. No entanto, o objetivo de apresentar parte das diversidades das vidas femininas que transcorre atrás das linhas de combate está cumprido.

Essas quatro mulheres são Marguerite, uma prostituta da qual suspeitam ser uma espiã alemã, protagonizada magistralmente por Audrey Flerot; Caroline, esposa de um engenheiro proprietário de uma fábrica de caminhões, a quem dá vida a atriz Sofia Essaïdi; Agnes, a madre superiora do convento transformado em hospital de campanha, protagonizada por Julie de Bona e Suzane, a enfermeira feminista representada por Camille Lou.

Atrás das linhas de batalha, a frente de suas próprias vidas

As mulheres que destinaram suas vidas ao confinamento e oração em um convento, como teriam vivido a transformação de seus claustros em um hospital de campanha, cheio de homens jovens aos quais deviam cuidar, lavar, curar e atender? Teriam tido crises de fé no incessante ir e vir das ambulâncias carregadas de feridos? As outras mulheres que viviam trancadas nos bordeis, como teriam suportado a agitação incessantes desses corpos desejosos por sexo, caricias e distração dos soldados? Teriam buscado no matrimonio a segurança econômica entre os lençóis, a sífilis, os membros importantes e os amputados pelos bombardeios?

As mulheres que permaneciam, até então, trancadas em suas tarefas domesticas, como teriam resolvido a ocupação dos postos de trabalho nas fabricas, oficinas e comércios que seus maridos abandonaram quando foram recrutados pelo exército? Só na Rússia sabemos que durante a guerra, “quando foram mobilizados uma frente de quase 10 milhões de homens – em sua maioria camponeses-, as mulheres se converteram em trabalhadoras agrícolas chegando a representar 72% dos trabalhadores rurais. Nas fabricas passaram a ser 33% da força de trabalho em 1914, 50% em 1917. ” (1) E as que haviam se libertado voluntaria e conscientemente desse confinamento e adotaram postura feministas sobre os direitos das mulheres, como teriam feito uso de sua independência e sua liberdade a serviço de seus próximos em meio a tanta dor e tanta morte?

A serie Guerreiras começa em setembro de 1914. Sabemos que, na vida real, apenas dois meses antes, uma grande mobilização havia tomado Paris pelos direitos políticos das mulheres. Mas esse movimento que se expandia nas principais capitas da Europa foi barrado pela declaração de guerra. E, nos anos seguintes, quem protagonizou massivas manifestações, foram as mulheres trabalhadoras e pobres que, com sabotagens, incêndios, saques e greves, protestavam pelos preços dos alimentos e pelo fim da guerra em Berlin, Paris, Viena, São Petersburgo... incluindo o ponta pé inicial a grandes processos revolucionários como o que se abriu na Rússia em 1917.

É por essa situação que, já no início de 1915, a dirigente alemã Clara Zetkin lançava um chamado as mulheres socialistas e convocava uma conferência internacional, onde setenta delegadas alemãs, francesas, inglesas, holandesas, russas, italianas e suíças debateram sobre a traição de seu próprio partido que havia decidido participar da conferência. Foram as mulheres socialistas que resolveram colocar abaixo a consigna de “guerra a guerra”.

Não por acaso, quando termina a Primeira Guerra Mundial, a desmobilização das mulheres linhas de frente e das fabricas “ foi acompanhada de uma forte campanha contra a mulher liberta e o feminismo, reforçando os discursos oficiais e elogiosos as mães e as donas de casa” (2). Vários países europeus instauram a celebração do Dia das Mães, ao mesmo tempo, concedem o direito ao voto feminino no intuito de apaziguar o movimento que se radicalizava e que na Revolução Russa encontrava um modelo a se inspirar.

As mulheres desconhecidas dos soldados desconhecidos

Guerreiras não aborda esses feitos históricos que mencionamos aqui. Mas nos mostra de maneira intima e comovente, como se transformou a vida das mulheres que, contraditoriamente, perderam seus maridos, seus filhos seus irmãos e seus pais na batalha, encontram pedaços de liberdade para desenvolver suas vocações, libertar seus desejos e tomar as rédeas de suas vidas. Essas heroínas anônimas, são homenageada por Cécile Lorne, a criadora de Guerreiras.

Ainda que não esteja confirmado se haverá segunda temporada, o público que devorou os oito capítulos nesses poucos dias que se passaram desde a sua estreia, já querem saber o que aconteceu com essas mulheres depois dessas primeiras batalhas que deram início a guerra e as vertiginosas transformações de suas vidas. Uma ficção de época, um melodrama com elementos feministas, uma serie das que vale a pena começar este 2023.


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