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Saúde | Hapvida: Um exemplo de como a precarização das nossas vidas dão lucro aos capitalistas

No final do ano passado, em Dezembro, foi publicado um ranking da revista Forbes que não poderia passar sem ser notado. A lista traz 62 brasileiros que em 2022 possuem fortunas que passam do 1 bilhão de dólares. Entre estes, 4 são da região Nordeste, sendo 3 deles ligados à gigante da saúde Hapvida.

Cristina SantosRecife | @crisantosss

sexta-feira 3 de fevereiro de 2023 | 22:39

Foto: Samuel Quintela/G1

Os números já denotam a grande concentração de renda do país, que está nas regiões Sul, Sudeste e Centro Oeste, em detrimento do Norte e Nordeste. Mas não é isso o que de fato chama mais a atenção, e sim o fato de os empresários mais ricos da região Nordeste estarem ligados à serviços da saúde, serviço que o estado deveria garantir à população, e como essas duas questões - empresários da saúde super ricos e garantia do serviço pelo estado - são grandezas inversamente proporcionais. Por que dizemos isso?

Muitas vezes, debatemos o problema da precarização da vida da classe trabalhadora e do povo pobre, ligando ao avanço do desmonte dos serviços públicos que geralmente vem de braços dados com o avanço da privatização destes serviços. É amplamente utilizado pelos meios de comunicação burgueses estratégias de ganhar a opinião pública destacando um serviço de má qualidade para poder então justificar a privatização ou a concessão destes serviços para empresas privadas. Aqui em Recife estamos assistindo neste momento esse movimento da mídia com relação ao Metrô, e já vimos esse mesmo filme quando o projeto era a privatização da Celpe em favor da Neoenergia, que também controla distribuidoras de energia elétrica na Bahia e Rio Grande do Norte.

Quando falamos de saúde, os empresários e seus políticos de plantão, precisam utilizar de métodos ainda mais sofisticados.

O Brasil, ao calor das mobilizações contra a ditadura civil militar que desembocaram no processo constituinte de 1988, instituiu o Sistema Único de Saúde que possui como um dos seus principais pilares a máxima de que a saúde é “um direito de todos e dever do estado”. Esta formulação foi possível pois sua criação aconteceu ao calor de grandes mobilizações, de intensos debates entre profissionais da saúde, pesquisadores e estudantes universitários. Ainda sim, seu modelo se insere no marco do capitalismo brasileiro, em um momento de avanço das políticas neoliberais e de profundas contradições entre os interesses da população e a sede de lucro dos capitalistas.

Logo, a contradição entre um sistema que supostamente visa atender o conjunto da população de maneira gratuita e universal e os interesses dos capitalistas, se expressa de maneira taxativa na constância dos problemas do SUS, que vai desde a precariedade das instalações, os baixos salários dos profissionais da saúde, até a incapacidade de atender de fato a demanda pelo próprio descaso do Estado. Essa precariedade obriga um setor da população buscar pela saúde privada, mas volta-se ao problema inicial, pois a maior parte da população não tem condições de pagar por este serviço. É neste flanco que vai buscar atuar empresários como da família Koren de Lima, fundadores da Hapvida - e que hoje se encontram na lista dos bilionários da Forbes - revista estadounidense que ranqueia os mais ricos do mundo - .

A Hapvida é uma empresa de planos de saúde que oferece planos comparativamente mais baratos, levando um setor de trabalhadores, principalmente os informais que não têm acesso à plano de saúde coletivo, escolherem seus serviços. Isso também se dá, pois muitas vezes, procedimentos muito simples levam muito tempo para serem atendidos pelo sistema público e o dinheiro do trabalhador, que poderia ser usado em seu lazer, sua alimentação etc, retorna para os bolsos dos capitalistas. Mas a principal razão de seus lucros exorbitantes mesmo com serviços mais baratos acontece pois oferecem o básico, que por sua vez é amparado sobre a base de uma exploração sem limites de seus trabalhadores. Abaixo, vemos trecho do acordo coletivo de 2020, constando o piso salarial dos trabalhadores da enfermagem, técnicos e auxiliares.

*Na figura acima, cópia do valor do piso estipulado no Acordo Coletivo do Sindicato dos Empregados em Estabelecimentos de Serviço de Saúde do Ceará, que abrange os trabalhadores da Hapvida. Acesso ao arquivo completo em aqui

Para que se tenha uma ideia do nível de exploração, o piso salarial reivindicado pela categoria da enfermagem era inicialmente de 6 mil reais para enfermeiros e 5 mil reais para técnicos. Após ementa, chegaram no valor de 3500 para tecnicos e 4000 para enfermeiros e mesmo com tamanha redução, o Supremo Tribunal Federal através da figura de Luis Roberto Barroso, suspendeu a aplicação do piso, argumentando não haver fontes de custeio para os salários dos trabalhadores. A pergunta que não cala é como pode ser que um serviço que gere lucros tão exorbitantes aos empresários não tenha fonte de custeio dos salários de seus trabalhadores e a resposta também é bastante gráfica: os salários dos trabalhadores da saúde se encontram nas contas bancárias e nos paraísos fiscais de empresários como os da família Korem de Lima e de tantos outros como os banqueiros donos dos títulos da dívida pública, que sugam a riqueza produzida pelos trabalhadores ao largo do país através desse mecanismo fraudulento.

Consultamos uma trabalhadora da Hapvida, em Pernambuco, que nos enviou o seguinte relato de sua observação quanto sua experiência como trabalhadora:

"Na Hapvida eles não priorizam o funcionário, e muito menos o cliente. Eles só visam focar no engajamento financeiro. Onde eu trabalhava ali no [*], o [*] é um hospital de fraturas e ortopedia cirúrgica, onde há uma rotatividade de pacientes diária muito grande, então assim, queriam o encurtamento de internação, para que houvesse mais rotatividade de cirurgia. Dessa forma eles fazem o que? Sobrecarregam os funcionários, não colocam a quantidade devida de funcionário para atender a demanda de paciente e isso faz a sobrecarga [...], obrigam os funcionários a dobrarem coagindo eles para fazerem essas dobras, dizendo que vai demitir, que se não fizer vai levar suspensão de tantos dias e tal. Também cortam os recursos do hospital, onde muitas vezes os técnicos, os enfermeiros têm que se desdobrar pra dividir o material que é pra uma única pessoa, pra dar pra três pessoas, muitas vezes não tem pra nem um, aí os técnicos e enfermeiros sempre têm nas suas bolsas porque trabalham em outros hospitais... e enfim, acabam trazendo materiais de casa, para atender os pacientes, mas não só atender como também para eles se protegerem. É desumano essa questão no Hapvida. Eles não visam o bem estar do funcionário, fingem visar o bem estar do cliente, mas eles só querem mesmo é dinheiro."

A família Koren de Lima reúne uma fortuna de mais de 30 bilhões de reais. Isso é dizer que na prática apenas 1 família no nosso país possui para seu uso individual valor que corresponde a 43% do montante total que o governo de transição de Lula-Alckim destinou para o pagamento de programas sociais como o Bolsa-Família, por exemplo, em um país que após 4 anos do governo de extrema direita de Bolsonaro, encontra metade da sua população em situação de insegurança alimentar, convivendo com o desemprego e a miséria. Além da fortuna acumulada, essa família também foi uma das grandes doadoras para partidos políticos no ano eleitoral de 2022: segundo matéria da revista Veja de julho de 2022, PT, MDB e PSDB receberam deles mais de 3 milhões de reais.

Este tipo de relação, entre os ricos burgueses e os partidos políticos, sabemos que não é por acaso. São seus lobbies e acordos o que levam a que projetos de privatização e precarização da saúde sejam encaminhados ao congresso e contam com o aval de todos os poderes para isso. A atuação do ovacionado Supremo Tribunal Federal para negar o justo piso aos trabalhadores da enfermagem foi um nítido exemplo dessa relação. Além do apoio dos poderes por cima, as burocracias incrustadas nos sindicatos fazem seu papel por baixo, desconstruindo as lutas dos trabalhadores.

A conta é bastante simples. A fortuna de ricaços como o Koren de Lima da Hapvida, é possível graças à manutenção de condições de miserabilidade para os trabalhadores da saúde da região Nordeste. Isso sem falar que ainda estamos atravessando os resquícios de uma pandemia que deixou no nosso país mais de 690 mil mortos, onde os profissionais da saúde tiveram que somar ao trabalho precário e baixos salários, também a perda de amigos e colegas que batalhavam juntos na linha de frente contra o vírus.

No capitalismo, tudo é mercadoria e a saúde é mais uma delas. Um sistema de saúde que de fato atenda o interesse dos trabalhadores e do povo pobre passa pela luta conjunta dos trabalhadores da saúde junto a seus sindicatos e o conjunto da população, pela defesa de um SUS 100% estatal, controlado por seus trabalhadores e usuários. Isso é possível a partir do não pagamento da fraudulenta dívida pública que tira dinheiro da saúde, da educação, dos transportes, da cultura etc para enriquecer capitalistas nacionais e estrangeiros, luta essa que na nossa perspectiva precisa ser anticapitalista e antiimperialista, buscando a conquista de um governo de trabalhadores em ruptura com o capitalismo.




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