×

Criança não é mãe | Juíza do Piauí nega aborto à criança estuprada. Lutar por esse direito, sem confiar nas instituições

As instituições do Estado brasileiro comprovam o que são: um meio para que a opressão siga pesando sobre os corpos de meninas, mulheres e pessoas com útero. É preciso construir a mobilização independente do governo eleito e das instituições do estado, para barrar o Estatuto do Nascituro e arrancar o direito ao aborto legal, seguro e gratuito.

Cristina SantosRecife | @crisantosss

quinta-feira 2 de fevereiro de 2023 | 13:19

Foto: Renato Andrade/Folhapress

É asquerosa a decisão da Justiça do estado do Piauí de negar que uma criança de 12 anos, estuprada diversas vezes e grávida pela segunda vez, tenha acesso ao direito ao aborto. Denunciamos aqui este absurdo.

Segundo matéria veiculada pelo The Intercept, a menina disse querer fazer o aborto ao ser levada ao hospital, quando tinha cerca de 12 semanas de gestação, mas saiu de lá sem realizá-lo. Hoje ela estaria com cerca de 28 semanas de gravidez e conforme informado por uma conselheira tutelar, teria tentado suicídio.

Ainda conforme a investigação do The intercept, “a juíza Maria Luiza de Moura Mello e Freitas, da 1ª Vara de Infância e Juventude de Teresina, nomeou uma defensora pública para representar os interesses do feto em 6 de outubro do ano passado, a pedido da defensoria. No dia seguinte, a magistrada ainda proibiu a publicação de notícias sobre o caso no estado, respondendo a um pedido da defensoria.

Os destaques são nossos, pois aqui é importante deixar bastante marcado 2 questões: Não existe “interesse do feto”! Nenhuma defesa da vida que permita que meninas e mulheres sigam morrendo por abortos clandestinos ou gestações de risco pode representar qualquer defesa da vida, pois representa a morte! E a morte de meninas e mulheres pobres, em sua grande maioria, meninas e mulheres negras. O que colocam como “interesse do feto” significa de fato o interesse patriarcal de manter o controle sobre os nossos corpos como mecanismos de manter e aprofundar a opressão contra mulheres e pessoas com útero, pois sabem que esta opressão garante lucros exorbitantes aos capitalistas ao justificar os baixos salários e as condições de miséria às quais milhões de mulheres, meninas e pessoas LGBTQIA+ são expostas. Além disso, a Justiça quer calar a revolta das mulheres, de trabalhadores, com a medida autoritária de proibir notícias no estado sobre o caso.

O fato de isso se dar a pedido da defensoria do estado coloca o quanto não podemos confiar em nenhuma instituição deste regime degradado para garantia de nossos direitos. Assim como milhões de meninas fizeram durante a maré verde na Argentina, precisamos nos apropriar deste exemplo e construir nossa mobilização nas ruas e de maneira independente do governo eleito e das instituições do estado.

Estamos há um pouco mais de um mês do 8 de março, data histórica de luta pelos direitos das mulheres, construída com grande protagonismo das socialistas revolucionárias num contexto onde era nítido o quanto os problemas relacionados às condições de vidas das mulheres só poderiam ser respondidos até o final, ao abolirmos a sociedade de classes. Hoje estamos no Brasil sob um governo de Frente Ampla, com setores de peso da burguesia que inclusive fazem parte de frentes que têm como razão de existência a trava de qualquer conquista com relação ao aborto, como é o caso da ministra de Lula, Daniela do Waguinho, da Frente Parlamentar contra o direito ao aborto. Mas não apenas ela. Duas das principais figuras mulheres no governo, Simone Tebet e Marina Silva, são abertamente contra o direito das mulheres decidirem sobre seus próprios corpos. Colocamos isso, para remarcar que quando falamos da necessidade da centralidade da independência de classe para nossa luta, não é um capricho, é um fator de primeira ordem, para varrer toda a herança reacionária, dos articuladores do golpe de 2016 a Bolsonaro e Damares.

Não é um mero acaso que a primeira vez que as demandas das mulheres estiveram colocadas sob a mesa como questão de primeira ordem, isso tenha sido feito pelas mãos das socialistas revolucionárias. Esse arco de alianças do PT com a direita não é novidade e já provou trazer seus frutos mais podres para a classe trabalhadora, as mulheres e lgbts, sobretudo quando lembramos que nesse 8 de março, fazem 10 anos que o PT nomeou Marco Feliciano, fundamentalista lgbtfóbico, para comissão de direitos humanos e minorias na câmara de deputados, linha de frente da campanha de Bolsonaro em 2022. E também vale lembrar que o Piauí é governado por Rafael Fonteles (PT), que não se responsabiliza pelas atrocidades que ocorrem no estado.

Isso demonstra como a nossa luta para arrancar o direito ao aborto legal, seguro e gratuito, assim como barrar o Estatuto do Nascituro de vez não pode confiar em nenhuma instituição desse regime burguês. Não é possível contar com Congresso reacionário que pode ser presidido por Arthur Lira (PP) na Câmara e Rodrigo Pacheco (PSD) no Senado, inimigos da classe trabalhadora, das mulheres e de todos os setores oprimidos, que aprovaram as reformas antioperárias, e que escancaram a que serve a conciliação de classes do PT, já que Lula apoia ambas as candidaturas às presidências das casas.E também não é possível contar com o Judiciário de conjunto, afinal foi o Supremo Tribunal Federal (STF) que se voltou contra o direito ao aborto no ano passado, negando o pedido de habeas corpus em favor de Lorisete dos Santos, uma mulher grávida de trigêmeas siamesas que buscava interromper a gravidez por se tratar de um caso grave onde havia poucas chances de sobrevivência após o nascimento, além de trazer riscos à vida da mulher. E também com a medida do ministro Alexandre de Moraes de proibir manifestações no país, supostamente "em defesa da democracia" e "contra os manifestantes bolsonaristas golpistas do dia 8", mas que se volta de forma autoritária justamente contra a luta dos trabalhadores, juventude e setores oprimidos nas ruas, e pode se voltar contra as manifestações de mulheres, como as nossas próprias manifestações por Justiça por Janaína. Além também do STF ser um dos principais articuladores do golpe institucional de 2016, sendo responsável também pela prisão e proscrição de Lula em 2018.

É urgente a construção de uma ampla mobilização nacional contra essa decisão machista e patriarcal da defensoria do estado do Piauí e exigência imediata da garantia do direito ao aborto a essa criança, assim como para barrar em todo o país o Estatuto do Nascituro e arrancar o direito ao aborto legal, seguro e gratuito, educação sexual em todas as fases da escolarização e contraceptivos de acordo com a demanda.

É esta mesma lógica patriarcal o que leva a absurdos como o que vimos no começo da semana como o estupro e assassinato de Janaina Bezerra dentro do Campus da Universidade Federal do Piauí, universidade cuja reitoria é presidida por um interventor bolsonarista, uma mostra nítida de como saídas institucionais e eleitorais são incapazes de derrotar a extrema direita, é preciso preparar os batalhões da classe trabalhadora, junto ao movimento de mulheres, estudantes e demais movimentos sociais, para o combate contra a extrema direita.

As direções das centrais sindicais e entidades estudantis, assim como as organizações do movimento de mulheres e LGBTQIAP+, devem construir a mais ampla mobilização em defesa dos nossos direitos. Somente um forte movimento de mulheres, enfrentado contra as instituições e organizado de maneira independente dos governos e patrões, podem dar respostas efetivas à brutalidade da violência machista.




Comentários

Deixar Comentário


Destacados del día

Últimas noticias