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Capitalista consciente? | Lula, Luiza Trajano e o mito da burguesia progressista

O nome escolhido pela Times para estar na lista, que tinha Bolsonaro em 2019 e 2020 mas excluído nessa temporada, e o redator do perfil, Lula, não foram por acaso. A única brasileira da lista é a dona da Magalu, exaltada pelo ex-presidente e candidato para 2022 por “defender a igualdade”.

Mateus CastorCientista Social (USP), professor e estudante de História

sexta-feira 17 de setembro de 2021 | Edição do dia

Lula foi encarregado de apresentar a magnata do ramo comercial, Luiza Trajano, na lista das 100 personalidades mais influentes da revista Times. Uma ótima oportunidade para o primeiro colocado nas pesquisas de intenção de voto, que ainda encontra resistência entre setores do mercado financeiro e da alta burguesia, provar que pode servir aos interesses do grande capital brasileiro mais alinhado ao imperialismo democrata - e, de tabela, obviamente, à frações da burguesia estrangeira - com a mesma competência em aumentar as altas taxas de lucros, ou até melhor, do que um nome da ‘terceira via’.

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A família Trajano acumula uma riqueza por comandar a líder do varejo brasileiro, com valor de mercado em “dezenas de bilhões” (mais precisamente R$ 176,8 bi). Após a compra da Kabum! em julho deste ano, a empresária viu a fortuna de seu clã familiar crescer R$ 6 bi de reais em apenas um dia, enquanto milhões de brasileiros enfrentavam e ainda enfrentam a fome, a carestia de vida e o desemprego crônico. Para Lula, igualdade se refere ao fato da acumuladora de R$ 29,16 bilhões de capital liderar grupos supra partidários como a Mulheres do Brasil e adotar um programa de treinamento para negros na Magalu.

De fato, a empresária não se aproxima do perfil ridículo e da ignorância estúpida de outros varejistas como Luciano Hang (Veio da Havan), defende políticas de inclusão no mercado para cooptar setores dos movimentos sociais para uma saída capitalista utópica contra as opressões, que prega a ascensão meritocrática individual e não a destruição das condições que reproduzem o racismo e a desigualdade social. Mesmo estando no topo da pirâmide, literalmente, afinal é a 11 pessoa mais rica no Brasil, a empresária destoa do típico burguês homem, velho, abertamente racista e conservador.

A chamada “rainha do varejo brasileiro” defendeu durante a pandemia a necessidade de uma renda mínima, o auxílio emergencial e a vacina. Contudo, desde antes Lula busca atrair a empresária para, pelo menos, apoiá-lo ativamente e, seria um sonho, tornar-se a sua vice, embora em entrevistas anteriores Luiza tenha negado fortemente essa hipótese. Hoje voltou a contestar esse cenário, mas elogiou o texto publicado na Times, ’muito bem escrito’. Lula e o PT desejam repetir a mesma cartada utilizada para as eleições de 2022, quando para acalmar o mercado financeiro e a burguesia, escolheram o proprietário José Alencar como vice, que também era do ramo têxtil e havia apoiado o golpe militar em 1964, mas depois tornou-se oposição liberal à Ditadura, um perfil diferente de Luiza, mas para a mesma função.

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Para a estratégia eleitoral do PT, que pretende voltar a gerir o regime que os golpeou em duas situações (Impeachment de Dilma em 2016 e prisão de Lula em 2018), toda aproximação com a classe dominante é bem vinda. Esse foi o objetivo das viagens do ex-presidente pelo nordeste, quando visitou as elites locais para tatear e articular apoios do centrão para 2022, reunindo-se inclusive com Sarney. A autoria de Lula do resumo do perfil da magnata brasileira segue a mesma tendência. Contra Sarney a justificativa é bem mais fraca, Lula busca disfarçar sua busca de governar para a elite mais asquerosa como uma uma busca de na democracia deve-se dialogar com todos. Mas no caso de seus acenos para Trajano, contra as críticas, pode recorrer a um mito sempre utilizado e até necessário para quem busca gerir o Estado capitalista: o mito da burguesia progressista.

O mito e a armadilha da burguesia progressista

Da mesma forma que existe o perfil grotesco do “liberal na economia e conservador nos costumes”, há aqueles que podem ser considerados como “liberal social na economia e progressista no costume”, o primeiro caso podemos colocar o fascistóide Luciano Hang, no segundo, Luiza Trajano, ambos são inclusive concorrentes no mesmo mercado.

Diante do reacionarismo bolsonarista, a hipótese de uma vice deste calibre econômico, que se diferencia do ultra neoliberalismo, pode tornar-se tentadora até mesmo para partidos e grupos de esquerda que não possuem nenhuma firmeza estratégica em relação à independência política daqueles que nos exploram. Contudo, o fato é que Luiza Trajano, como uma burguesa, lucrou muito com o bolsonarismo e o golpe institucional, que impôs a reforma da previdência, a flexibilização e destruição de direitos trabalhistas, etc. Ocorre que, diferente de Luciano Hang que idolatra e aposta toda medida anti-operária, Trajano detém a consciência dos limites desses ataques contra a classe trabalhadora, que é quem consome os seus produtos. A pandemia, contudo, da mesma maneira que impactou positivamente o capital do homem mais rico do mundo e também dono da rede de varejo, Jeff Bezos e Amazon, o fez para Trajano.

Ocorre que a busca de uma “burguesia consciente” integra uma tática eleitoral em que seja possível acenar claramente para toda a classe dominante que o PT não causará nenhum problema para a burguesia de um dos países mais desiguais do mundo, pelo contrário, diferente de Bolsonaro e da fantasmagórica terceira via, é Lula que pode apresentar um projeto de país, em crise desde o golpe de 2016. Ao mesmo tempo, disfarça para os setores mais progressistas de sua base essa intenção primária, afinal, Luíza defende a taxação de grandes fortunas e defende uma “agenda progressista" para as opressões.

Contudo, em última instância, não é necessário que seja Luiza a vice de Lula, mas seria o cenário dos sonhos. Recentemente, o PT cogitava também o filho de José Alencar para ocupar o mesmo cargo e função, Josué Gomes venceu em julho as eleições para a presidência da Fiesp - aquela do pato gigante da Paulista inflado nas manifestações golpistas da direita em 2016 - e tirou Skaf do trono que ocupava desde 2004. Lula e o PT buscam, sobretudo, um nome de peso burguês, para mostrar sua completa submissão aos interesses dessa classe dominante, seria na prática uma demonstração óbvia que não tocarão em nenhuma das conquistas que a burguesia obteve com o golpe de 2016 e a eleição de Bolsonaro, sendo o perfil "progressista" algo secundário, mas oportuno para não incomodar as bases mais à esquerda do partido.

Entre as afinidades de posições “progressistas” liberais entre Lula e Trajano, há uma moeda de troca oferecida pelo PT para o apoio burguês: garantir que o movimento operário e movimentos sociais sejam pacificados pelas burocracias, como da CUT, que as greves e luta dos trabalhadores sejam constantemente desarticuladas e abafadas, para que a revolta com a crise capitalista seja convertida em votos em 2022 e subordinação ao regime; além do motivo óbvio da manutenção da paralisia da luta de classes que é não atrapalhar os lucros e a “estabilidade” para o mercado e completo caos na vida dos trabalhadores.

Não há possibilidade de ignorar este problema estratégico fundamental, como faz o Resistência e grande parte das organizações do PSOL, e da esquerda, que em nome da ‘unidade’ com o PT, simplesmente criam uma ilusão: um Lula com “independência de classe”. É necessário dar toda luta política para uma unidade de fato da classe operária, o que torna necessário exigir das centrais sindicais e estudantis um plano de luta, lutar pela auto organização e coordenação das greves e conflitos, além da denúncia do papel traidor que essas direções vem cumprindo. Este é o arroz com feijão para que a classe trabalhadora deixe de continuar pagando pela crise capitalista e reverta os ataques históricos que sofreu no último período.

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