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Esquerda? | Marcelo Freixo assume seu projeto burguês no PSB: um diálogo com quem ainda acha que ele é de esquerda

Num país marcado pela preocupação de como superar Bolsonaro e a extrema direita, Marcelo Freixo gera expectativa em amplos setores progressistas como candidato a governador do Rio. Mas ele propõe “reconstruir o rio” com neoliberais, as igrejas, empresários e uma polícia “moderna e eficiente”. Passou da “valorização das instituições” no PSOL a um projeto explicitamente burguês no PSB, típico de um Alckmin, Eduardo Paes ou do PDT. É necessário tirar lições na esquerda carioca e lutar por uma política de independência de classe, à esquerda de Freixo e do PT.

Leandro LanfrediRio de Janeiro | @leandrolanfrdi

quarta-feira 16 de março de 2022 | Edição do dia

Imagem: Reprodução

Num país onde se fortaleceu uma extrema direita, que organizou o golpe institucional e o governo Bolsonaro-Mourão, se abre um amplo debate sobre qual orientação é necessária para derrotar definitivamente esse reacionarismo.

O Rio de Janeiro é o estado nativo do clã Bolsonaro, temos o estado governado por um aliado dele, Cláudio Castro, onde o mandante do assassinato político de Marielle Franco segue impune, há repetidas chacinas policiais contra os negros e moradores de favelas, amplo desemprego e miséria, além de milícias, militares e igrejas conservadoras com peso. A grande aflição das massas nesse momento é como enfrentar essa situação e, no marco da passividade da luta de classes, a expectativa de amplos setores é frear a direita e o reacionarismo com a eleição de Marcelo Freixo governador.

Com esse artigo queremos mostrar como o programa e a estratégia de Freixo conformam um projeto político burguês, não de esquerda, o que é natural para quem escolheu ser do PSB, partido de Geraldo Alckmin e Tábata Amaral. Não faltam personagens de direita nesse partido, que apoiou o golpe e diversas votações contra os trabalhadores. O PSB acabou de ter deputados que votaram a urgência da mineração em terras indígenas, para falar do escândalo mais recente e votou a favor da privatização da CEDAE na ALERJ.

De acordo com esse projeto burguês, Freixo busca aliados como Armínio Fraga, Raul Jungmann, o marqueteiro de Cabral e do “pato da FIESP”, as igrejas evangélicas, assim como na bancada da bala, e na polícia, e não na esquerda, nos sindicatos, movimentos populares e nas mães de assassinados pela polícia.

São preferências que mostram como um eventual governo Freixo pode inclusive terminar fortalecendo a extrema direita. Foi o que vimos como resultado do governo Dilma, que alimentava ilusões, frustrou expectativas e abriu espaço para a ofensiva golpista. A direita, carioca e nacional, não vai perder a oportunidade de golpear o conjunto da esquerda a partir de uma experiência com Freixo.

Este artigo é também um chamado do MRT a que se tire lições na esquerda carioca, considerando que Marcelo Freixo foi sua principal figura nos últimos anos. É urgente lutar por uma política de independência de classe, numa perspectiva socialista e revolucionária e não seguir apostando na busca de um governante que possa, supostamente, responder aos problemas pela via institucional, ainda mais num país marcado por um golpe institucional, com uma extrema direita forte e num estado como o Rio, com uma forte crise estrutural.

Sem o desenvolvimento de uma força política da classe trabalhadora, as eventuais vitórias eleitorais podem deslocar a extrema direita de algumas cadeiras do poder executivo e legislativo, mas não dos esquemas e interesses capitalistas aos quais eles servem, mas Marcelo Freixo defende a manutenção dessa estrutura, como mostraremos. Não há como derrotar a extrema direita efetivamente pela via institucional e por fora da luta de classes.

Por um problema de espaço, não vamos debater neste artigo a política de Lula e do PT para concentrar na política de Freixo, mas chamamos os leitores a acessarem as elaborações no Esquerda Diário, pois são duas variações da mesma política de conciliação de classes que se preparam para ser governos que, em tempos de crise, vão atacar e não rever tudo que a burguesia aprovou contra os trabalhadores desde o golpe institucional de 2016.

O que Freixo defende para a economia do Rio?

Para pensar a política econômica, Freixo escolheu Armínio Fraga, gestor de ativos financeiros bilionários, referência do capital financeiro para ajustes neoliberais. Começou a carreira em Wall Street e rapidamente virou agente das privatizações e da redução do poder de compra dos trabalhadores quando era Presidente do Banco Central durante a gestão de FHC, de 1999 a 1/1/2003. Defensor da autonomia do Banco Central, nas eleições de 2014 foi anunciado por Aécio Neves como nomeado para o Ministério da Fazenda.

Armínio Fraga, ultraliberal e novo guru econômico de Freixo junto de Aécio Neves em 2014. (Imagem: Estadão Conteúdo / Marcos de Paula)

Em sintonia com um aliado como esse, na política econômica que Freixo vem apresentando, pouco se expressa de programa em relação a empregos, garantia de renda, contra a precarização do trabalho e a favelização, faz apenas denúncias em geral.

Como fiel escudeiro da propriedade privada, nem mesmo aparecem agora as antigas críticas às isenções fiscais absurdas que ocorrem no Rio para grandes empresários.

Sobre o Regime de Recuperação Fiscal (RRF) que sufoca o povo carioca, o que Freixo tem feito nem é mais uma oposição direta, mas criticado o “poder de negociação” do Castro:

Em sua longa entrevista a Globo News ou ao canal Estúdio B, não há qualquer questionamento, ainda que mínimo, à privatização da CEDAE. Típico de um partido como o PSB que votou a favor da privatização do saneamento público no Congresso Nacional e também da CEDAE na ALERJ.

Para nós do MRT, não surpreende o nível de aceitação ao status quo atual por parte de Freixo, só poderia ser assim para quem a longos anos defende, tal como o PT, aceitar todos os limites da institucionalidade burguesa e a neoliberal Lei de Responsabilidade Fiscal, como através da candidatura de Carolina Cacau criticávamos em 2016.

A política econômica burguesa de Freixo também transparece em outro tema crucial à economia e aos empregos no Estado: o petróleo. Na entrevista ao Estúdio B, Freixo é questionado sobre como usar os royalties, sua resposta não fala nada contra as privatizações da Petrobras nem que os recursos deveriam servir aos interesses da população, ele se contenta com uma resposta padrão lavajatista: gastaremos com transparência. Diz que vai buscar com Lula que a indústria do petróleo seja formada por uma porcentagem mais alta de patronais cariocas, em claro diálogo para tentar atrair a FIRJAN para seu lado. Essa política não é sequer para gerar mais empregos para cariocas, pois os empregos da indústria do petróleo já são aqui, é só para mudar os donos das empresas que prestam serviço à Petrobras e outras empresas.

Freixo nunca vai propor colocar os recursos do petróleo (que está em alta) para enfrentar os problemas estruturais da economia carioca, vai seguir sem contestar que os recursos do petróleo vão para os acionistas e grandes empresários estrangeiros e nacionais, com a população pagando preços absurdos nos combustíveis.

E, por fim, seu programa passa por procurar parcerias com os imperialismos alemão e norueguês para um projeto de “reflorestamento”, com “créditos de carbono” no interior do Estado. Esse é o suposto “capitalismo verde” do Freixo, que busca financiamento de imperialistas ao invés de pensar uma reforma agrária ou qualquer tipo de questionamento de fundo aos problemas ambientais, o que não poderia ser diferente se quer aliados burgueses como preferenciais.

Freixo propõe “modernizar” a polícia para uma “repressão humanizada”

Freixo diz que vai combater as milícias mas sua linha é preservar as estruturas que as alimentam como as polícias, que para ele precisam de “valorização, com um plano de cargos e salários e investimento em formação”, sendo este um elemento no qual Freixo está cada vez mais à direita.

Para quem acompanha as redes sociais do candidato nota-se já há alguns meses – ou anos – cada vez maior diminuição das denúncias de chacinas policiais e um aumento do diálogo dos direitos dos policiais, buscando disputar essa base com a direita. Freixo fala mais disso do que de saúde e educação e está numa disputa com Castro pra ver quem dá mais atenção pra polícia. Algumas chacinas passam literalmente sem nenhuma declaração e sempre iguala os mortos da juventude com os da polícia.

Mas essa política de Freixo vem de antes. Desde a CPI das Milícias Freixo formula sua política de direitos humanos para salvar as instituições de “sua banda podre”. Nessa trajetória passou por defender as UPPs, filiou centenas de policiais ao PSOL e inclusive deu grande destaque a um comandante da PM, membro do assassino Estado-Maior por anos. A candidatura do comandante Ibis a vice-prefeito em 2020 motivou a retirada de candidatura do MRT do PSOL.

Coronel Íbis e Freixo em 2015. Imagem/Reprodução

Para pensar a mal chamada “segurança pública” no Rio, Freixo declarou que dialoga com a bancada da bala, e com ninguém menos que Raul Jungmann, ministro da Segurança Pública do golpista Temer que comandou a pasta quando ocorreu a autoritária intervenção federal no Rio e o assassinato de Marielle.

O novo programa de Freixo para segurança não é sequer a desmilitarização, como muitos podem pensar, mas “modernização”. Disse ao Estúdio B: “não se trata de desmilitarizar no sentido dessa polícia deixar de ter arma, de deixar de fazer policiamento ostensivo (...) você tem que modernizar a polícia, tem que ter uma polícia eficiente.”

Esses “policiamentos ostensivos” e “eficientes” são os que matam e encarceram a juventude negra. Ele complementa sua proposta afirmando a necessidade de polícia de proximidade, mas esse é somente o nome que ele dá para a defesa de sua “versão nova” das UPPs.

Freixo em 2011 com cartaz pedindo intervenção policial e implementação das UPPs em favelas do Rio de Janeiro.(Foto: Wilton Junior, AE)

E diz que vai integrar e melhorar o serviço de inteligência, unindo Polícia Civil, Militar, Penal e Assistência Social. Colocar a assistência social aí ao contrário de “humanizar” a polícia só pode servir para militarizar o trato justamente das populações mais vulneráveis.

Freixo propõe “governar com as igrejas”

Freixo afirmou ao “Estúdio B” que quer “governar com as igrejas" e que conversa semanalmente para consultas políticas especialmente com o pastor Abner, da Igreja Assembleia de Deus, ministério de Madureira, mesma vertente subordinada ao arqui-reacionário Silas Malafaia.

Freixo discursa para 90 bispos e 900 pastores da Assembleia de Deus de Madureira, em dezembro de 2021. (Imagem/Reprodução)

Isso em um estado onde já há imensas interferências políticas das igrejas na vida pública. Com essa proposta, Marcelo Freixo mostra que está disposto a ir além das concessões de Lula e Dilma, que chegaram a fazer cartas públicas se comprometendo com cúpulas das igrejas que não pautariam o direito ao aborto, em troca de boas relações e que as cúpulas das igrejas pertencessem a seus blocos de governo.

Dessa forma, não se deve ter expectativa que um governo Freixo possa garantir os direitos das mulheres, dos lgbts e em defesa da liberdade das religiões de matriz africana.

Freixo fala em combater as “máfias” e a corrupção no marco lavajatista

Freixo coloca eixo em criticar as elites políticas do Estado e as chama de “máfias” que vai enfrentar. Porém a resposta é afirmar a necessidade de “transparência”. Mas nada disso afeta pela raiz o problema intrínseco de corrupção no Estado capitalista, em particular em um lugar como o Rio. Não há como combater “máfias” sem ir atrás dos patrões por trás das mesmas e sem tocar a propriedade privada, o que para Freixo têm um valor sagrado, que ele nunca defende afetar em nada.

A “transparência” em ajudar empresas milionárias como a Supervia, em si mesma, não impede que o transporte siga precário, tarifa cara e lucros milionários para poucos. Transparência na privatização da CEDAE não vai garantir água para a população carioca sem preços absurdos.

A corrupção existe e muita, e tem que ser combatida, mas nem mesmo em um país que já percebeu a farsa da Lava Jato, Freixo muda o discurso. Natural para quem adorava Bretas, a Lava Jato e dizia que "a pauta não pode ser mais o Lula Livre". Freixo foi parte dos que alimentaram o eixo da “luta contra a corrupção” enquanto destruíam a Petrobras, arrancavam o petróleo nacional e avançava o autoritarismo judiciário na política brasileira.

Em agosto de 2017, Freixo era parte da comitiva do PSOL que se reuniu em apoio ao juiz lavajatista Marcelo Bretas. (Imagem:Reprodução)

Nós do MRT faz tempo também que combatemos essa perspectiva lavajatista de Marcelo Freixo, que o levou a aplaudir Deltan Dalagnol e votar à favor do pacote anticrime de Sérgio Moro, usando seu mandato de deputado para propagar a falsa ideia de encarar o problema da corrupção em geral e no Rio em particular através do autoritarismo do judiciário golpista. Essa visão o PSOL sempre alimentou, através de um suposto “combate à corrupção” por dentro das instituições e as fortalecendo.

É necessário tirar lições e lutar por uma política de independência de classe

A esquerda organizada e os setores progressistas cariocas, em especial os que foram seguidores e base votante do PSOL precisam tirar profundas lições do que foram estes anos com praticamente toda a esquerda carioca promovendo Marcelo Freixo, processo que continua até agora com correntes que discutem ou já declararam seguir em seu apoio a Freixo, mesmo com esse programa. Tratam-se de anos perdidos atrás de quem sempre deixou claro que nunca teve nada de socialista e que era “republicano” e que já trazia em desenvolvimento todo o programa burguês plenamente descortinado agora.

O PSOL está pagando por essa orientação com crises e rupturas. Outras figuras centrais do PSOL do Rio foram no mesmo caminho de Freixo, como Jean Wyllys para o PT e David Miranda para o PDT, o que mostra como esse partido construiu sua própria derrota com a estratégia eleitoralista de projetar setores que nunca tiveram uma perspectiva próxima do socialismo.

Esse seguidismo a Freixo e a busca por saídas institucionais, promovido pelo PSOL e que outros setores da esquerda se adaptaram, fez com que na esquerda carioca não se construísse um partido que se ligasse profundamente aos processos de luta de classes e os desenvolvesse através de uma fração revolucionária, única forma de enfrentar os problemas estruturais do Rio e do país. Perderam-se as oportunidades dos levantamentos de junho de 2013, das greves que seguiram a vitoriosa greve dos garis, da luta contra o golpe, da heróica luta da CEDAE com suas intermináveis batalhas de rua, das mil e uma crises políticas regionais que poderiam ter sido aproveitadas à esquerda. Sobre este balanço, chamamos a ver a fala de Carolina Cacau na mesa: “O RJ precisa de uma esquerda reformista e do mal menor ou revolucionária e da luta de classes?”

Nesta semana se completaram 4 anos do assassinato de Marielle, e Marcelo Freixo e o PSOL seguem alimentando ilusão nas investigações e na institucionalidade ao invés de construir um grande movimento que imponha justiça com a força das ruas. E Marielle é um tema que Freixo denuncia ocasionalmente, mas nunca quis mover uma palha para construir um movimento, pois isso poderia dificultar seus “pactos” com as instituições. Nós do MRT buscamos dar pequenos exemplos a partir do Serviço Social da UERJ de uma batalha pela mobilização e por uma investigação independente para garantir justiça.

A atual crise estratégica do PSOL é inseparável de seu programa e dos passos crescentes de diluição, não somente detrás do PT, mas também de um programa de “gestão humana do capitalismo”, que fortalece políticas como as de Freixo ou a diluição no projeto de conciliação de classes de Lula e formando uma federação partidária com a Rede de Marina Silva. Apesar de todo esse projeto burguês, a maioria do PSOL carioca indica que seguirá apoiando Freixo, como faz com Lula mesmo que esteja aliado com golpistas como Alckmin.

Foi para levar à frente essa política atual que o PSOL negou a entrada do MRT no partido, quando solicitamos entre 2015 e 2017 para buscar amplificar a luta contra o golpe institucional com uma perspectiva independente do PT. O PSOL em todo esse período escolheu fechar as portas a revolucionários, e apostar nos “republicanos” e policiais. Por isso, no Rio somente lançamos candidatura democrática pelo PSOL em 2016 e não nas eleições seguintes.

E segue sendo necessário construir uma outra alternativa nacionalmente e no Rio em particular, que supere a crise histórica do PSOL pela esquerda, desde um ponto de vista de independência de classe, com um programa efetivamente operário e revolucionário, que passa pela defesa imediata de uma reforma urbana radical, da luta por uma Petrobras 100% estatal gerida pelos trabalhadores, com controle popular, permitindo que os amplos recursos do petróleo sirvam aos interesses dos trabalhadores.

O curso estratégico que está se consolidando no PSOL mostra como a reagrupação de uma vanguarda com uma perspectiva de independência de classe passa pelo combate não somente à conciliação petista mas também da maioria do PSOL. As correntes internas que se opõem a esse curso deveriam refletir as lições para que as perspectivas sejam de dar passos na construção de uma alternativa de independência de classe.

Nesse sentido, o MRT chama a construir o Polo Socialista e Revolucionário junto ao PSTU, setores do PSOL e outras organizações, para contribuir nesse necessário reagrupamento da vanguarda. É preciso reagrupar a esquerda independente do PT buscando toda unidade de ação possível na luta de classes, inclusive com setores que vão além do Polo. Mas é fundamental construir a partir do Polo uma alternativa política que se expresse eleitoralmente com independência de classe.




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