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Imperialismo | O cinismo "democrático" de Biden e uma maior submissão de Bolsonaro na reunião da Cúpula das Américas

Biden e Bolsonaro se reuniram na Cúpulas das Américas, o primeiro encontro entre os dois presidentes, em um contexto de adversidade para ambos.

Danilo ParisEditor de política nacional e professor de Sociologia

sexta-feira 10 de junho de 2022 | Edição do dia

O encontro do presidente brasileiro com o Democrata não pode ser entendido por fora do contexto da Cúpula das Américas. Biden teve que lidar com o risco de realizar uma Cúpula esvaziada, que poderia não contar com dois dos maiores países das Américas, México e Brasil. Os Estados Unidos encontram cada vez maior dificuldade para alinhar parceiros e aliados tradicionais por trás de sua retórica belicista na guerra da Ucrânia, iniciada com a invasão reacionária de Putin. Na América Latina, não conseguiu colher o apoio de Brasil e México, sem os quais a percepção global de maiores dificuldades de controle na América Latina ficaria evidente aos olhos do mundo. Esse era o cenário que buscou evitar, que reforçaria a imagem de um presidente com pouca capacidade de liderança internacional.

Para Bolsonaro, a reunião com Biden não era de menor importância, já que é um dos presidentes mais isolados internacionalmente. Como ingrediente adicional, a participação de Bolsonaro ainda se deu em meio ao escândalo do desaparecimento de um jornalista britânico, Dom Phillips, e um indigenista, Bruno Pereira, na Amazônia.

Devido à exclusão de Cuba, Venezuela e Nicarágua, o presidente mexicano Andrés Manuel Lópes Obrador boicotou a Cúpula. Além de López Obrador, os presidentes Luis Arce, da Bolívia, e Xiomara Castro, de Honduras, também não participaram da cúpula em protesto. Para Biden, a participação de Venezuela e Cuba, em particular, poderia gerar efeitos adversos em parte do eleitorado mais conservador nas eleições de meio de mandato, em eleições que os Democratas buscam perder o mínimo possível para os Republicanos.

Alberto Fernández, apoiador da política de Biden na Ucrânia, ainda que não tenha acompanhado o boicote desses países, falou na qualidade de líder da Comunidade de Estados Latino-Americanos e Caribenhos (Celac), à qual pertencem os países excluídos do encontro. Logo na abertura manifestou seu repúdio a essas medidas afirmando que “O fato de ser o país anfitrião da reunião não confere a possibilidade de impor o direito de admissão aos países membros do continente”.

Nesse cenário adverso, a ausência de Bolsonaro seria um revés importante para Biden, que revelaria um presidente com relações muito precárias em seu próprio “pátio traseiro”. Por isso, ainda que tenha feito cobranças ao presidente brasileiro, com foco nas eleições e Amazônia, modulou-as em tom diplomático, para evitar que Bolsonaro se somasse ao bloco dos países ausentes, o que terminaria por selar o fracasso da Cúpula, deixando contornos mais nítidos de um fato que é a decadência da hegemonia dos EUA. Como prêmio, concedeu a oportunidade de uma reunião pessoal com Bolsonaro, algo que não havia feito desde que chegou à Casa Branca em 2020.

Além dos fatores imediatos e o perigo de esvaziamento da Cúpula, também não interessa a Biden desgastar mais as relações com o exército brasileiro, que continua sendo peça chave na segurança do seu pátio traseiro e que, no momento, está apoiando integralmente Bolsonaro, mas não compartilha sua filiação ao trumpismo.

São muitos os problemas que o mandatário dos EUA encontra no mundo, em particular com a guerra da Ucrânia, e garantir uma Cúpula com o mínimo de representatividade era fundamental. Desde a desastrosa saída do Afeganistão, não se mostrar como um chefe de Estado demasiado débil, é um tema que tem perseguido Biden. Conjunturalmente a unificação relativa dos aliados europeus dos EUA contra a Rússia atuou como facilitador da política de Biden, mas com o seguimento da guerra no tempo, torna-se cada vez mais difícil evitar fissuras que já passam a acontecer, por exemplo com Alemanha e França.

Contando com esse cenário com menores propensões a constrangimentos públicos, e em busca de querer se mostrar como um interlocutor com o atual mandatário da Casa Branca, Bolsonaro não poupou declarações elogiosas ao atual presidente do Partido Democrata. Buscando de algum modo contornar sua imagem de pária internacional, Bolsonaro descreveu como "excepcional, muito melhor do que eu esperava" o encontro. Para a CNN se declarou “maravilhado” com Biden, e afirmou também que sua relação com Trump era coisa do passado.

A pauta da “democracia nas Américas” marcou o discurso de abertura de Biden, centrando seu discurso na ideia de que o continente americano deveria ser a “região mais democrática” do mundo. Em parte para defender as exclusões dos países que foram impedidos de participar, mas também para marcar suas diferenças com o projeto trumpista, e inclusive daqueles que eram seus seguidores, como Bolsonaro. Trata-se de um discurso cínico de Biden, que encabeça o imperialismo norte-americano que não tem nada de democrata, nem em sua ala trumpista nem a Democrata, que esteve por trás do golpe institucional no Brasil e de uma série de ditaduras pelo mundo.

Sobre o pleito eleitoral deste ano no Brasil, foi marcante que Bolsonaro, apesar de seguir com sua retórica dúbia mencionando a necessidade da auditoria das urnas, tenha dito que: “Tenho a certeza de que ele será realizado neste espírito democrático. Cheguei pela democracia e tenho a certeza de que quando deixar o governo também será de forma democrática.” Ele que já declarou algumas vezes que só sairia da cadeira presidencial preso ou morto, de alguma forma o precisou sinalizar que respeitaria o pleito eleitoral.

Na pauta climática, que também tem importância na sua agenda interna, Biden transmitiu a mensagem de que quer que o Brasil aceite com mais abertura a ingerência dos EUA. Porém fez isso em tom de cautela para não gerar rusgas diplomáticas com o Brasil, chegando a elogiar “o bom trabalho” do Brasil para defender a Amazônia. Esse provavelmente deve ter sido um dos temas previamente acordados entre EUA e Brasil, ao qual se evitaram declarações com maiores choques - junto ao silêncio no caso do desaparecimento de Dom Phillips e Bruno Pereira, que ainda assim se refletiu na mídia devido aos protestos organizados nos entornos do evento.

Apesar do esforço mútuo de Biden e Bolsonaro em querer transmitir relações diplomáticas respeitosas e um clima ameno, o encontro na Cúpula não quer dizer que se resolveram as fortes contradições acumuladas entre eles, ou uma preferência de Biden por Bolsonaro em relação a Lula-Alckmin. Trata-se de uma troca imposta de favores, em que cada parte busca beneficiar-se do encontro, sendo os objetivos dos EUA vinculados a expor ao mundo uma figura de autoridade com fissuras já difíceis de ignorar. Biden também busca estabelecer pontes com Bolsonaro no marco em que Lula não tem também um alinhamento perfeito com sua política e inclusive tem feito críticas a Biden nominalmente. O imperialismo norte-americano parece buscar ter pontes com os dois lados já que não tem um candidato mais diretamente "seu".

Ainda que não exista um alinhamento automático entre Lula e Biden e se resguardem importantes divergências, como por exemplo na guerra da Ucrânia, que Lula também responsabiliza Zelenski pelo conflito, por parte do Partido Democrata, seguem diferenças de monta com Bolsonaro, principalmente por ser o representante que dirige o maior país da América Latina e que há pouco tempo louvava Trump.

As declarações de Bolsonaro expressam um disciplinamento que a Casa Branca consegue impor e uma subserviência que Bolsonaro sabe que é difícil desafiar, apesar das dubiedades que seguem marcando o discurso de Bolsonaro sobre as eleições. A reunião entre os dois presidentes serviu para os EUA manifestar, mais uma vez, que não admitem um cenário de não reconhecimento das eleições em um país de proporções como o Brasil - ainda mais em um mundo atravessado por tensões cada vez mais severas. Assim, Biden se coloca como "democrata", busca impor limites a aventuras de tipo trumpista por parte de Bolsonaro e obter vantagens de uma maior subordinação por parte deste, e também se coloca numa localização para melhor negociar com a chapa Lula-Alckmin.




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