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O grito no campo que ecoou no mundo: A história do blues

Ana Carolina Toussaint

O grito no campo que ecoou no mundo: A história do blues

Ana Carolina Toussaint

No período da escravidão nas Américas entre os séculos XVII, XVIII e XIX os grandes países que conhecemos atualmente como países imperialistas sujeitaram milhões e milhões de africanos ao trabalho escravo em condições sub humanas de vidas. Esse momento histórico ficou marcado como o período da escravidão nas Américas que durou séculos e séculos, mesmo após o “fim” desse período as marcas do racismo e violência contra o conjunto dos negros seguem abertas e presentes no nosso dia-a-dia e na nossa história. É exatamente nesse momento histórico onde o couro do chicote cortava a carne que os negros escravizados nas colônias por sua vez através da arte fez do grito de dor, o grito de blues!

“O blues nasceu com o primeiro escravo negro na América. Da África os negros trouxeram sua expressão vocal básica -os hollors- gritos de entonações estranhas que cortavam os céus do Novo Mundo como uma espécie de sonar, explorando um território desconhecido. Enquanto o escravo mergulhava na cultura americana, representada, no plano musical, pela tradição europeia - o grito primal se alterava e sofria mutações. A obscena instituição do tráfico foi proibida em 1808, mas os escravos continuavam chegando, abarrotados nos porões dos navios negreiros. Só na década de 1850-1860, a América do Norte recebeu mais negros do que meio século anterior. O negro era ferramenta de trabalho. Até nos raros momentos de lazer, quase tudo lhe era interditado. Não podia tocar instrumentos de percussão ou de sopro. Os brancos receavam que pudessem ser usados como um código, incitando à rebelião. Assim, a voz ficou sendo o principal- senão o único- instrumento musical do negro…” [Roberto Muggiati: BLUES- Da lama à fama]

Há quem diga que o blues surgiu do processo de evangelização que os negros foram submetidos a passarem principalmente no século XIX, isso por um lado tem um pouco de verdade, porque os acordes básicos do blues foram “aperfeiçoados” musicalmente pela religião predominante daquela época, porém, essa afirmação do surgimento do blues não é uma verdade absoluta. O blues antes de tudo surgiu do grito dos negros no campo, esse é o principal ponto de partida da história do blues na América do norte, ainda assim, veremos que o blues vem de muito antes e a sua maneira permaneceu fiel ao seu lugar de origem e história: O continente africano.

No livro Literatura e Revolução Trotsky faz a seguinte citação “ A criação artística é sempre um retorno complexo as formas antigas, sob novos estímulos, que nascem fora da Arte. E nesse amplo sentido que se pode falar da função da arte, dizer que arte serve.” O blues é um perfeito exemplo com viés artístico desse retorno complexo as formas antigas sob novos estímulos, isso se prova primeiro na própria raiz do blues onde está firmado a tradição griot de origem africana onde a voz passar ser ferramenta social e responsável em propagandear os ensinamentos, histórias e culturas africanas. Conforme a burguesia foi se desenvolvendo como classe predominante de sua época os antagonismos de classes se expressaram nos inúmeros processos de lutas de classes do século XIX e principalmente do século XX e combinado com esses processos a Arte a sua maneira e forma foi palco de contradições importantes e ao mesmo tempo brilhante, e certamente os negros por inúmeras vezes foram protagonistas das mais brilhantes criações artísticas e o blues, sim, sim ou sim se encaixa perfeitamente nisso.

O lugar onde os negros mais foram marcados a ferro, açoite e trabalho escravo permanente foi o mesmo lugar no sul dos Estados Unidos onde blues surgiu pela primeira vez na história da musicalidade norte americana, Delta, localizado no sul dos Estados Unidos em Mississipi, estado palco de sucessivos e violentos ataques públicos contra os negros com fortes influências da Ku Klux Klan organização supremacista branca de terrorismo contra os negros. Os bluesmen se refere a Delta como lamacento do rio Yazoo próximo as águas do Mississipi, local que foi concebido pelos lucros imensuráveis das grandes plantações de engenho. É exatamente nesse lugar que os negros usaram das armas das artes e fizeram do blues um dos maiores ritmos musicais da história da música do mundo.

Evidentemente a burguesia colonial não viu o blues com bons olhos, através da própria religião buscaram demonizar e por outras vias com a indústria cultural buscaram rebaixar todo potencial criativo e artístico do Blues. Os blueseiros sentiram fortemente em suas vidas que independente dos feitos de sua produção artística o sistema capitalista de forma ininterruptamente buscará através do racismo rebaixar e desumanizar o máximo qualquer grande feito pelos negros, lamentavelmente isso se prova com a Blind Lemon Jefferson, morto pelo inverno, seu corpo foi encontrado congelado após uma gravação de seu último título em Chicago em 1930. Muitos blueseiros foram lançados à margem das misérias do sistema capitalista, outros só fizeram sucesso depois de falecidos e isso é uma prova viva que no capitalismo não existe espaço para nós, já que esse sistema não abre espaço para nós, ele merece ser destruído.

Por fim, em homenagem a Robert Johnson, o primeiríssimo dos grandes acordes do blues, morreu de morte prematura, não viu o sucesso mas certamente fez e deixou história. Em nome da nossa cultura étnica e por todos e tantos gritos em nome da nossa identidade e luta histórica, viva o Blues, viva toda contribuição artística dos negros à história da nossa humanidade.


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