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Ofensiva Reacionária | O que está por trás da investida reacionária contra a redução de danos em Pernambuco?

O carnaval de Olinda ficou marcado pela investida da Polícia Civil contra a Escola Livre de Redução de Danos, que foi fechada pela Polícia Civil por supostamente fazer apologia ao consumo de drogas. Tal ação foi comemorada por lideranças bolsonaristas evangélicas, como Clarissa Tércio e Michelle Collins. Qual o interesse desses setores na ofensiva contra a redução de danos?

sábado 4 de março de 2023 | Edição do dia

A nobre iniciativa da Escola Livre de Redução de Danos, de compartilhar kits de Redução de Danos e também acesso à informação sobre o tema, foi brutalmente interrompida pela Polícia Civil numa ação totalmente arbitrária, que simplesmente fechou o espaço após uma denúncia que estariam fazendo apologia ao uso de drogas. O fato foi amplamente repudiado, o que forçou que a polícia liberasse o espaço posteriormente.

No entanto, a vanguarda bolsonarista do Estado comemorou a decisão, lançando a fake News de que o lugar estaria distribuindo Kit Drogas Também perseguiram a ativista Ingrid Farias. Ao mesmo tempo, esses políticos fizeram apologia da política reacionária da suposta “abstinência” de drogas. Duas lideranças desse setor são particularmente marcantes: Clarissa Tércio e Michelle Collins, ambas bolsonaristas de carteirinha.

A primeira, que participou dos atos golpistas do dia 8/1, não apenas parabenizou a ação da Polícia, como entrou junto ao Ministério Público para descobrir os ‘financiadores’ da ação. Já Michele Collins entrou com um voto de protesto contra a iniciativa na Câmara de Vereadores. No entanto, se engana quem pensa que tais ações são motivadas puramente por motivos “ideológicos”.

Sem negar o papel reacionário que cumprem essa ofensiva ideológica, a verdade é que tanto a família Tércio quanto a família Collins possuem também bastantes interesses financeiros por trás dessa campanha. Ambas as famílias são donas de redes de Comunidades Terapêuticas, a Casa de Recuperação Novas da Paz e a Saravida, respectivamente. Essa segunda, é uma das principais do estado e também o principal capital político da família.

Como já foi amplamente denunciado, inclusive na mídia burguesa, as comunidades terapêuticas são “manicômios modernos”, onde muitas vezes as pessoas são internadas contra sua vontade, e, além de não receberem o tratamento adequado para a dependência, sofrem muitas vezes com maus-tratos, até mesmo torturas, tudo acompanhado da imposição de práticas religiosas de evangélicos fundamentalistas, carregado de homofobia e racismo religioso. Castigos físicos, privação de alimentos ou de sono, exposição a temperaturas extremas, humilhações, uso de medicações psicotrópicas, abusos sexuais dentre outros fazem parte da lista de torturas praticadas em tais comunidades, costumeiramente vigiadas por capatazes para evitar a fuga dos internos. Muitas vezes, mesmo quando a família tenta tirar um integrante de tal comunidade, são impedidas, o que configura sequestro e cárcere privado. Cabe dizer ainda o óbvio: tais comunidades não reduzem em nada, os problemas associados à dependência e ao uso abusivo de drogas na sociedade, apenas são formas das Igrejas Evangélicas aumentarem sua influência e seu caixa.

Apesar das Comunidades Terapêuticas se dizerem entidades “sem fins lucrativos”, a verdade é que esses negócios da tortura tem se multiplicado pelo país e tem sido lucrativo para muita gente, a base do financiamento público, pois tais entidades vivem, na verdade, de grandes verbas que recebem do Estado.

No Brasil, as Comunidades Terapêuticas surgem na década de 60 e vem agindo com total liberdade e recebendo dinheiro público sob a égide de diversos governos. Em 2011, o governo Dilma incorporou tais entidades à rede de atenção do SUS. No entanto, com o golpe institucional e principalmente com o governo Bolsonaro, suas verbas aumentaram brutalmente, junto a seu nível de institucionalização. Em 2019, Bolsonaro estabeleceu como principal linha da política de drogas a abstinência (supostamente praticada pelas comunidades terapêuticas) e retirou as Comunidades do Ministério da Saúde para o Ministério da Cidadania, o que reduziu ainda mais sua fiscalização. Em março de 2019, o Ministro Osmar Terra aumentou o número de Comunidades contratadas pelo governo de 280 para 497. Como atesta matéria da BBC:

Entre 2017 e 2020, período analisado pelo levantamento, o Brasil investiu R$ 560 milhões para financiar vagas de internação nesses locais - desse valor, R$ 300 milhões saíram dos cofres do governo federal. Foram 593 entidades financiadas no período. Em 2017 e 2018, ainda na gestão de Michel Temer (MDB), o governo federal destinou R$ 44,2 milhões e R$ 39,3 milhões, respectivamente. Em 2019, primeiro ano do governo de Jair Bolsonaro (PL), o valor saltou 169%, para R$ 104,8 milhões e no ano seguinte, se manteve no mesmo patamar, de R$ 105,2 milhões. E a tendência é que os valores aumentem nos próximos anos, como vem ocorrendo desde a incorporação das CTs pelo governo Dilma Rousseff (PT), em 2011.

No entanto, a mudança de governo não irá gerar uma mudança de política sobre o tema. O governo Lula anunciou recentemente a criação do Departamento de Apoio a Comunidades Terapêuticas, aumentando ainda mais a institucionalização desse setor. Dessa forma, o governo petista continuará com a política de tortura que recebeu financiamentos recordes de Bolsonaro, em nome de costurar a “governabilidade” com esses setores ultrarreacionários. De quebra, esses setores continuarão a se fortalecer, e continuarão ferrenhamente bolsonaristas (basta ver as redes sociais dos Tércios e dos Collins), mostrando como a conciliação de classes só abre espaço para a extrema direita.

As Comunidades Terapêuticas em Pernambuco

Pernambuco, o estado do Nordeste com maior concentração de evangélicos é uma das vanguardas nacionais na questão das Comunidades Terapêuticas. E tal questão é fortemente presente na política da “vanguarda bolsonarista evangélica” do estado, como os Collins, os Tércio e outros.

Os Collins criaram a reacionária Federação Pernambucana de Comunidades Terapêuticas, que muitas vezes foram convocadas pelo Governo do Estado e por prefeituras para realizar a política de segurança pública. Michele também é assessora na Confederação Nacional de Comunidades Terapêuticas. Além disso, por iniciativa do Deputado Estadual Cleiton Collins, foi aprovado na Alepe o Marco Regulatório das Comunidades Terapêuticas, tornando o estado pioneiro nessa legislação que beneficia essas entidades. Tal modelo pernambucano tem sido usado como base pra esse setor fazer lobby para que se aprove uma legislação nacional similar. Tudo isso não ocorreria sem a sanção do governador Paulo Câmara, que irá ocupar cargos no governo Lula e na época estava no PSB, partido do vice Geraldo Alckmin (cujo histórico na política de drogas quando foi governador de São Paulo não deixa nenhum bolsonarista para trás).

Aliás, não foi apenas dessa forma que o PSB, que se colocava na oposição do governo Bolsonaro, ajudou financeiramente as comunidades terapêuticas. Em 2019, o governador Paulo Câmara criou Secretaria de Políticas de Prevenção à Violência e às Drogas, com orçamento de 37 milhões. O secretário - indicação do presidente do PP Eduardo da Fonte, mesmo partido dos Collins e atualmente dos Tércio – foi Cloves Benevides, responsável por expandir o apoio estatal às comunidades em Minas Gerais. Em 2022, a prefeitura do Recife, governada por João Campos (PSB), destinou 2,4 milhões às comunidades. Já o ex-prefeito de Recife, Geraldo Julio (PSB), colocou como secretária executiva da Política Sobre Drogas a coordenadora geral da Saravida, Ana Paula Marques. E, após protestos desse setores em 2021, tanto o governador Paulo Câmara, quanto o prefeito João Campos – ambos do PSB – acolheram a carta de demandas dos integrantes das Comunidades.

Já a nova governadora Raquel Lyra (PSDB), apesar de ter iniciado seu mandato há apenas 2 meses, já mostrou sua visão sobre o tema. Após deixar merendeiras e outros terceirizados sem salários, aceitou, em sua reforma administrativa, a emenda de Cleiton Collins que abre brecha para fortalecer ainda mais as Comunidades Terapêuticas. Além disso, tal negócio parece ser frequente na elite política pernambucana. Até mesmo o prefeito de Olinda, Lupércio (Solidariedade) possui uma dessas, a Casa de Recuperação Cristo Liberta.

Posto tudo isso, fica claro que a ofensiva contra a redução de danos tem como objetivos fortalecer a política reacionária das Comunidades Terapêuticas, que enriquece o bolsos de muitos políticos reacionários do estado à custa da tortura dos internados. Por isso, nós do MRT e do Esquerda Diário repudiamos a ação da Polícia Civil e a ofensiva que está ocorrendo, nos solidarizando com a Escola Livre de Redução de Danos e com a ativista Ingrid Farias. Além disso, convocamos todos a lutar contra as medidas que vão aumentando o poder das Comunidades Terapêuticas, sem nutrir nenhuma expectativa no novo governo Lula-Alckmin, que já mostrou que está disposto a ceder também nesse terreno para garantir a conciliação com os setores reacionários.




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