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ANÁLISE NACIONAL | O triunfo do golpismo institucional e as tarefas da esquerda

André Barbieri São Paulo | @AcierAndy

segunda-feira 30 de novembro de 2020 | Edição do dia

Como no primeiro turno das eleições municipais, nacionalmente, esse segundo turno mostrou a manutenção da contenda entre a direita e a extrema direita, e nesse pleito, vimos o fortalecimento dos partidos do mal chamado "Centrão" – conglomerado com partidos da direita dura, muitos dos quais herdeiros do ARENA da ditadura – e das instituições que sustentam o regime do golpe institucional. Junto com o Supremo Tribunal Federal (STF) e o autoritarismo judiciário, além da grande imprensa, os representantes do bonapartismo institucional foram os vencedores globais.

Como principal símbolo desse triunfo dos golpistas reunidos no bonapartismo institucional, Bruno Covas (PSDB) vence em São Paulo e prepara o caminho para João Doria, governador paulista, avançar em condições melhores em sua disputa contra Jair Bolsonaro à luz de 2022. Sem a maior capital da América Latina, Doria estaria em maus lençóis para disputar com a extrema direita bolsonarista o papel de ajustador dos trabalhadores (o PSDB governa praticamente 50% do eleitorado do Estado de São Paulo). Bolsonaro, por outro lado, não teve bons resultados com seus candidatos, obrigando-o tendencialmente a se ligar mais com o Centrão para evitar uma comunhão deste com adversários como Doria.

Das 57 cidades em que havia disputa de segundo turno, a configuração dos partidos que mais conquistaram prefeituras se assemelha com a disposição no primeiro turno. O MDB foi quem venceu mais prefeituras, 10. O PSDB venceu 8 prefeituras, incluindo a mais importante do país, São Paulo. Ambos os partidos haviam vencido maior número de cidades no 1º turno, mas perdendo globalmente grande número de prefeituras. Podemos venceu 6 prefeituras. O DEM e o PSD venceram 5 prefeituras. PT venceu 4 prefeituras. PDT (que preserva Fortaleza) e Republicanos ficam com 3 prefeituras. Com 2 prefeituras cada ficam PP, Avante e PSB (que preserva Recife). Novo, Patriota, PROS, PSOL e Solidariedade ficam com 1 prefeitura cada.

Cinco partidos com maior número de prefeitos, dados do UOL

O MDB totalizou 785 prefeituras. O PP totalizou 684. O PSD totalizou 655. O PSDB terminou totalizando 521, e o DEM ficou ao final com 465 prefeituras. O PL ficou com 344 prefeitos eleitos, PDT com 314, PSB com 252. Republicanos, que disputa a filiação de Bolsonaro com o Centrão, terminou com 211 prefeitos (o partido é repleto de bolsonaristas e emergiu mais que o PSL, que ficou com apenas 90 prefeituras). O PT fica com 183 prefeitos, e o PCdoB com 46. PSOL termina o pleito com 5 prefeitos. O bonapartismo institucional (tomando apenas as cinco primeiras siglas em número de prefeituras: PSDB, MDB, DEM, PSD e PP), em termos demográficos, sai do pleito governando quase 60% da população nacional.

Cinco partidos com maior população governada, dados do UOL

As forças do bonapartismo institucional (Centrão, MDB, PSDB) disputavam 48 pleitos nesse segundo turno. Venceram 43, ou seja, 88,5% deles. Essa direita emerge fortalecida para avançar sua agenda de ajustes, um programa de ataques aos trabalhadores que unifica, acima de suas divergências, Doria e Bolsonaro, todo o Centrão, os militares, o autoritarismo judiciário e a grande imprensa golpista. Isso, no marco de que a burguesia está há meses salivando por ajustes, com os ataques mais duros e antipopulares esperando que passassem as eleições. Agora, consideram que é a hora de avançar com tudo, com ataques como a PEC Emergencial e a reforma administrativa.

Rodrigo Maia, o patrono da burguesia dos planos de ajuste e ataques, cobrou que o governo Bolsonaro retome logo a agenda de reformas passada as eleições: "Esperamos a partir de hoje propostas para organizar contas públicas".

Do lado de Bolsonaro e do PT, em distintas proporções, ambos saem enfraquecidos. Sem embargo, Bolsonaro e Lula seguem sendo as figuras centrais para as presidenciais em 2022 (no caso de Lula, caso recupere seus direitos políticos removidos pelo autoritarismo judiciário).

Os candidatos de Bolsonaro nas capitais foram majoritariamente derrotados, o que faz seguir a tendência do primeiro turno, em que Bolsonaro se provou um péssimo cabo eleitoral. Nas quatro capitais com candidatos bolsonaristas, apenas o Delegado Pazolini (Republicanos) venceu, em Vitória (ES). Capitão Wagner (PROS) foi derrotado em Fortaleza, Duarte (Republicanos) foi derrotado em São Luís (MA), Delegado Eguchi (Patriota) foi derrotado em Belém (PA), e Delegada Danielle (Cidadania) foi derrotada em Aracaju (SE). Lembramos que no primeiro turno, dos 45 candidatos a vereador que Bolsonaro apoiou em diversas cidades, 33 não se elegeram; apoiou também 13 candidatos a prefeito – e apenas dois venceram. Em síntese, é um resultado ruim que deixa Bolsonaro mais vulnerável ao Centrão.
Mesmo que indireta, é uma derrota do presidente, embora o bolsonarismo esteja presente em muitas das siglas que mais venceram.

PDT e PSB perderam muitos prefeitos, mas mantiveram bastiões em Fortaleza (PDT) e Recife (PSB), algo importante para esses partidos burgueses não amargarem derrotas maiores.

O PT havia conquistado 179 prefeituras no primeiro turno de 2020, e confirmou no segundo turno o resultado terrível nessas municipais de 2020. Terminou com 183 prefeituras, diante de 254 em 2016. Apesar de disputar em 15 cidades no segundo turno, o PT só venceu em quatro, Juiz de Fora (MG), Contagem (MG), Mauá (SP) e Diadema (SP). Perdeu em Recife e em Vitória, o que faz com que o PT não tenha vencido em nenhuma das 26 capitais do país. A derrota em Recife é particularmente dura, já que as projeções mostravam Marília Arraes com grandes chances de vencer o PSB de João Campos. A política do PT, que no primeiro turno envolveu todo tipo de aliança com direitistas e golpistas (incluindo 140 coalizões com o PSL), como ocorreu no Recife ou em cidades como São Gonçalo e Contagem (em que o PT esteve com MDB). O PCdoB também saiu derrotado do pleito, mesmo tendo o governador Flávio Dino no Maranhão: foi derrotado com Manuela D’Ávila em Porto Alegre, e terminou com 46 prefeitos, diante de 81 em 2016. Assim como o PT, esteve em coalizões com direitistas e golpistas de toda ordem, inclusive apoiando um bolsonarista em São Luís (Duarte, do Republicanos).

Essa política de conciliação com o que há de mais asqueroso no regime, réplica dos anos em que PT e PCdoB compartilhavam a administração do Estado capitalista, se mostraram absolutamente incapazes de oferecer qualquer resposta ao avanço da direita. As burocracias sindicais dirigidas pelo PT e o PCdoB (a CUT e a CTB), que buscam conter a resistência extraparlamentar dos trabalhadores ao rol de ataques da direita, colabora com esses resultados políticos.

O PSOL termina com 5 prefeitos, o mais destacável sendo Edmilson Rodrigues, em Belém (PA), que venceu por estreita margem o bolsonarista Eguchi. Na capital paulista, Guilherme Boulos foi vencido pelo golpista Bruno Covas. Tanto em São Paulo (a partir do 2º turno) quanto em Belém (desde o 1º turno), o PSOL optou por construir uma frente ampla com partidos burgueses e golpistas (como a Rede, o PSB e o PDT) que, como viemos discutindo no Esquerda Diário, especialmente quanto à candidatura de Boulos, é algo que vai na contramão do combate à direita golpista do PSDB, nem falar ao bolsonarismo. Os acenos de Boulos ao empresariado e à grande imprensa implicaram um abandono da tarefa de combater o conjunto do regime do golpe institucional, com uma política de independência de classes.

Como vemos na tabela acima, a maioria das disputas em segundo turno entre o bloco PT, PSOL e PCdoB, de um lado, e os partidos da direita golpista, de outro, foram vencidos por estas forças, numa proporção de quase 80%. Nos grandes centros, apesar desse retrato dinâmico, houve uma recomposição do eleitorado progressista (sendo também onde Bolsonaro está mais desgastado).

Nós do MRT, que tivemos candidaturas em São Paulo, em Contagem (MG) e em Porto Alegre (RS), batalhamos desde o começo por uma política de independência de classe e um plano de luta para enfrentar esse regime do golpe. O resultado político dessas eleições levará o regime do golpe institucional a buscar intensificar os ataques. A hora não é de “calcular as coalizões” e “frentes amplas” para 2022, uma política que é irmã daquela que aceita ficar de braços cruzados quando o que é necessário é articular forças para resistir a esses ataques. Isso está sendo proposto por um arco de analistas, desde Breno Altman a Reinaldo Azevedo, uma política que se adequa aos limites impostos pelo bonapartismo institucional. A política levada adiante nas eleições é importante quando está a serviço de impulsionar a luta de classes extraparlamentar, com independência de classes. Não podemos avançar crendo que golpistas são “bons em uns lugares, e ruins em outros”, como certas correntes propuseram (a “amplitude” chegou ao cúmulo de apoiar o DEM no Rio de Janeiro). Devemos fortalecer nossas convicções de que só conseguiremos enfrentar os ataques e os golpistas com a força da nossa mobilização, sem seguir o caminho de buscar ocupar espaços para a esquerda dentro desse regime golpista buscando administrá-lo em aliança com golpistas e empresários.

Os trabalhadores precisam organizar a sua defesa contra esses ataques, sem desvincular essas batalhas da necessidade de combater o conjunto do regime do golpe institucional. Trata-se de atacar em regra não apenas Bolsonaro e Mourão, mas todas as instituições desse arcabouço golpista dos poderes instituídos (STF, Congresso nacional, etc.) que nos trouxeram até aqui, estando na linha de frente da defesa de todos os direitos democráticos e sociais da classe trabalhadora e do povo pobre, pisoteados diariamente. A dinâmica de uma Assembleia Constituinte Livre e Soberana, imposta pela luta, se inscreve nos maiores choques entre os interesses das classes, que exige a autoorganização e autodefesa dos trabalhadores contra os poderes fáticos do Estado capitalista, o que permite ligar a defesa dos direitos democráticos das massas à lógica transicional da revolução permanente, que associa essa política indivisivelmente à perspectiva de um governo dos trabalhadores de ruptura com o capitalismo.

Uma política assim implica atacar o latifúndio e abolir a grande propriedade da terra, abolir a Lei de Responsabilidade Fiscal e o pagamento da fraudulenta dívida pública, como parte de expulsar a submissão ao imperialismo, eliminar todos os privilégios financeiros de juízes e políticos, fazendo com que sejam eleitos e revogáveis e recebam o mesmo salário médio de um trabalhadora, entre outros temas, como a revogação das privatizações e o impedimento das atuais (com o exemplo da CEB), e o bloqueio a ataques ao funcionalismo, como a PEC emergencial.

Desde já, é necessária a mais ampla frente única operária, com os sindicatos dirigidos pela CUT e CTB deixando de lado a trégua com o governo, pra organizar uma verdadeira resistência a todos os ataques e reformas em curso. Nesse caminho, nós do MRT estaremos, como sempre, na linha de frente da luta contra cada ataque, na defesa de cada direito democrático. De importância estratégica, ao calor dessas batalhas, está a necessidade de reagrupar a vanguarda em base a um programa e uma estratégia socialista, para superar o PT pela esquerda (e também os fracassos de partidos amplos) e dar passos na construção de um verdadeiro partido revolucionário no Brasil.




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