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LITERATURA | Os poetas malditos e sua influência no século XX

terça-feira 24 de março de 2015 | 17:19

A “Novela” correspondia às necessidades culturais da burguesia, classe indiscutivelmente triunfante, norteadora dos destinos da sociedade conservadora desse tempo. Foi o instrumento artístico utilizado pela burguesia para escrever sua história e tornar-se reconhecida. Quando os poetas foram demasiado críticos e ácidos para com a burguesia, a literatura foi rejeitada com veemência, como aconteceu com os escritos de Madame Bovary de G.Flaubert, que irritou o setor burguês devido à crítica impiedosa da qual a burguesia era objeto.

Quando a Novela começou a ser escrita e destinada às camadas mais populares, converteu-se em folhetim, com outro tipo de linguagem: mais popular e afeita às massas. Com entregas semanais ou mensais, a popularidade alcançada se expressava nos leitores americanos que desde o cais pediam aos passageiros que desembarcavam dos navios anteriores à Grã-Bretanha, informações sobre o destino dos personagens em uma novela cujo próximo capítulo da série ainda não haviam recebido.

Uma vez que a sociedade burguesa já não se reconhece nos autores que escrevem, desencadeia-se um processo de interrogação, busca e experimentação das formas de expressividade que aprofundaram e alargaram o abismo que separa os autores da sociedade burguesa.

Em meados de 1870, surgiu na França um movimento literário conhecido como Simbolismo. O nome surgiu da tendência de seus poetas expressarem a realidade através de símbolos. Eram opositores de uma corrente imediatamente anterior, chamada Parnasianismo, que pretendia a volta às formas clássicas.

O simbolismo introduziu um aspecto totalmente revolucionário: o verso livre. Assim, os poetas deixavam de estar sujeitos à norma da métrica novelesca e do verso da poesia clássica; estavam mais interessados em perceber a realidade através dos sentidos e transformá-la em poemas cheio de símbolos, sugestões e ressonâncias musicais. As duas grandes figuras deste movimento foram Arthur Rimbaud e Charles Baudelaire junto a um grupo de brilhantes poetas: Paul Verlaine, Stéphan Mallarmé, Tristán Corbière, Jules Laforgue e Charles Cros. Com eles, nasceu também o mito do artista boêmio, decadente e profundamente crítico em relação à sociedade de seu tempo, questionando os gostos sociais e a industrialização do momento. Foram OS POETAS MALDITOS. Esta expressão foi, na verdade, criada por Paul Verlaine; foi ele quem, em 1884, publicou uma série de esboços biográficos de um grupo de poetas simbolistas.

A partir dos poetas malditos dos finais do século, que são aqueles que fundaram as bases das futuras vanguardas, rompe-se a conexão entre autores e leitores; entre o artista de vanguarda e sua sociedade.O divórcio com o grande público (a burguesia) que não queria ser questionada até que os poetas malditos expressassem uma nova sensibilidade, anuncia também a separação entre arte e sociedade, já que não se sentiam representados pela sociedade burguesa desse tempo. Essa nova sensibilidade conduziu a experimentação de “novas formas” que aceleraram um processo de ruptura linguística como “o verso livre”.

Frente ao sonho cientificista que imperava, os poetas malditos concebem a vida como mistério e dividem-se entre o desejo de felicidade, beleza e perfeição e a descida ao inferno da existência e da consciência humana. Assim, a arte, mais que um reflexo da realidade exterior, deve ser dessa outra, interior e mais profunda. Mais que retrato, deve ser canto, reflexão, POEMA.

Influenciados pelo neo-romantismo, vê-se na obra de Rimbaud, Mallarmé ou Baudelaire, a paixão pelo lado obscuro e às vezes perverso que o racionalismo ignorou. E muitos têm elementos de certo esnobismo boêmio e um sentimento de aristocracia espiritual, expresso em sua depreciação pelas conquistas tecnológicas do século, os imperativos da socialização e, inclusive, as reivindicações populares.

No entanto, a literatura do século XX vai considerá-los como os precursores autênticos da vanguarda, já que os escritores do novo século reconheciam-se como POETAS MALDITOS de épocas anteriores, são influenciados por eles porque testemunharam o drama do homem e seu tempo e se lançam ao experimentalismo de novas técnicas absolutamente necessárias para a expressão de sua sensibilidade e pensamento. Assume-se, mais uma vez, frente a todos os excessos de otimismo racionalista, o velho tema da existência dos homens considerados não como abstrações, mas como reais seres de carne e osso que, como disse Camus “morrem e não são felizes”.

Em pleno marco de divisão colonial, em meio a exaltações nacionalistas, conflitos pela conquista dos mercados internacionais e obtenção de matérias primas, luta de classes e ascensão da classe trabalhadora, as artes plásticas, junto com a literatura, foram as primeiras em irromper e reivindicar um novo olhar para assumir a essência “verdadeira” da realidade caótica em suas manifestações aparentes e externas, arrastando consigo toda série de escritores que compartilhavam seus princípios estéticos. O cubismo nasce oficialmente em 1906 e o futurismo publica seu primeiro manifesto em 1909. O movimento expressionista também já se faz sentir na cena alemã antes da primeira guerra mundial e na França se publica a primeira obra surrealista ‘BARNABOOTH’ de Larbaud em 1913.

Os longos quatro anos da Grande Guerra (Primeira Guerra Mundial) marcaram profundamente toda uma geração de escritores e artistas, mas num sentido diferente do restante de seus contemporâneos. Frente à exaltação patriótica (ou a exaltação de ideais revolucionários triunfantes na Rússia em 1917), ao pensamento do cristianismo conturbado e aos consequentes sentimentos de vitória e vingança, o testemunho dos escritores exaltará talvez pela primeira vez o anti-patriotismo e a deserção (Hemingway: Adeus às armas, Céline: Viagem ao fundo da noite).

Os anos posteriores à Guerra são testemunhos do florescimento da “literatura de vanguarda” em sentido estrito. Dentre eles, está destacado o surrealismo, que se sobressai não como um novo olhar através do qual o homem pode reconhecer-se em sua totalidade, mas também como um diferente modo de vida. Esta é a corrente de maior alcance entre seus contemporâneos e cujas inovações se farão sentir com maior profundidade na literatura, mas não podemos deixar de reconhecer a imensa influência que os poetas malditos exerceram sobre a grande maioria dos artistas que surgem depois do movimento “simbolista”, ainda que estes capturem o sentir das multidões e sua capacidade desesperada de rebelião, ao contrário dos vanguardistas do século XX, que em plena ascensão do imperialismo, vivem em enfrentamento entre revolução e contrarrevolução.

Neste sentido, os vanguardistas se nutrem da musicalidade e da apreensão imaginativa do sensorial, que faz dessas multidões as massas proletárias que no século XX irão marchar para a morte nas guerras do imperialismo e serão protagonistas de grandes revoluções sociais, convocadas a mudar a face da terra. É junto dessas multidões combatentes que as vanguardas afirmam que a arte deve ser utilizada como ferramenta para mudar a realidade.




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