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DOSSIÊ 28 DE MAIO | Pandemia, surto de gestações indesejadas e alta da taxa de mortalidade materna e infantil

É preciso a centralização do sistema de saúde, sob controle das trabalhadoras e trabalhadores para enfrentar essa crise. O ataque contra a saúde da mulher pela falta de informações, pelo fechamento ou restrição do atendimento médico da grande maioria da classe trabalhadora, pode resultar em um surto de gestações indesejadas devido à falta de acesso aos métodos contraceptivos e no aumento da taxa de morbimortalidade materna e infantil devido à falta de uma atenção ao pré-natal, parto e pós-parto.

quinta-feira 28 de maio de 2020 | Edição do dia

Diante da crise sanitária com a rápida contaminação do COVID-19 que perpassa por continentes, se somando com a crise econômica do capital e a crise política pelo qual o Brasil vive hoje, abre-se cada vez mais o abismo entre classes e o crescimento das desigualdades sociais, sendo uma delas a desigualdade de gênero.

Enquanto muitas mulheres da saúde seguem na linha de frente na luta contra a pandemia em prol da vida da população – sendo obrigadas a se arriscar sem se quer receberem EPIs para que possam se proteger – outras são demitidas ou possuem seus salários reduzidos, perdendo desta forma as vias para o sustento de suas famílias. Ainda, a sobrecarga com as tarefas domésticas e o isolamento no cuidado com os filhos, devido ao fechamento das unidades escolares, demonstra o quanto esta crise é profundamente descarregada nas costas das mulheres. E para piorar, muitas destas mulheres estão isoladas dentro de suas casas com seus piores inimigos sofrendo violência doméstica e/ou sexual.

No que concerne à saúde da mulher e os direitos sexuais e reprodutivos, a Agência de Saúde Sexual e Reprodutiva das Nações Unidas (UNFPA), em publicação devido a situação pandêmica, fez projeções de que 7 milhões de mulheres, nos 114 países de baixa e média renda estudados, poderão perder o acesso a contraceptivos mais seguros e modernos e que a soma de gestações indesejadas pode chegar a 7 milhões se caso essa dificuldade de acesso persistir pelos próximos 6 meses. A pesquisa elaborada revela que devido ao colapso nos sistemas de saúde, mulheres e meninas são extremamente prejudicadas por não terem a possibilidade de realizarem exames importantes ou passarem em consultas médicas. Além disso, a dificuldade que atinge a cadeia de reposição de suprimentos pode levar a uma escassez de contraceptivos. A Dra. Natalia Kanem, diretora executiva do UNFPA, defendeu em declaração que “a saúde e os direitos reprodutivos das mulheres devem ser salvaguardados a todo custo. Os serviços devem continuar; os suprimentos devem ser entregues; e os vulneráveis devem ser protegidos e apoiados".

No Brasil, pesquisadores da Universidade Estadual de Campinas (UNICAMP), em carta publicada no European Journal of Contraception and Reproductive, relatam sobre o brutal ataque ao acesso dos métodos contraceptivos que o governo no Brasil está aplicando por não considerar como serviço essencial o atendimento público pelo sistema de saúde às mulheres. Diante de declaração dada pelo Dr. Luis Bahamondes – coautor da carta citada – ainda fica evidente o quanto a situação também escancara a desigualdade de classe, pois durante a pandemia os ambulatórios da rede privada seguem abertos para atendimento, enquanto os públicos ou estão fechados ou funcionam de maneira mais restrita.

O governo nacional como um todo, não importando a ala ou o posicionamento diante da pandemia, restringe ou retira por completo o acesso da grande maioria das mulheres aos locais responsáveis ao atendimento de saúde. Dificultam o acesso aos métodos contraceptivos, mas também atingem em cheio a vida das mulheres da classe trabalhadora e seus bebês, que dependem do SUS para o acompanhamento do pré-natal e do pós-parto, e que precisam de um cuidado humanizado para o parto. Apesar de a OMS ter declarado estes serviços como essenciais, estima-se que pelo menos 9.5 milhões de mulheres no mundo sejam afetadas pela redução de leitos de maternidade e de serviços de atendimento pré-natal e pós-parto. Em um país como o Brasil, que possui um alto índice de violência obstétrica, diante à crise sanitária, as mulheres sofrerão com uma crescente ofensiva contra suas vidas e de suas filhas e filhos. É importantíssimo o acompanhamento das gestantes nesse momento de pandemia, pois ainda são poucas as informações concretas sobre a possibilidade de transmissão do COVID-19 durante a gravidez, no momento do parto ou através do aleitamento. Sendo também desconhecidas as evidências do que o COVID-19 pode causar aos bebês, como ocorre com o Zika vírus.

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A possibilidade que se abre diante do descaso com a saúde da mulher e dos direitos sexuais e reprodutivos, levam ao aumento de gestações indesejadas e ao medo de muitas mulheres em seguirem com uma gestação neste período – levando por consequência ao aumento da procura por abortos inseguros e clandestinos (pelo Estado negar às mulheres o seu direito sobre o seu próprio corpo) – a um aumento de complicações na gestação devido à falta de acompanhamento efetivo no pré-natal; e a um aumento da taxa de mortalidade materna e infantil.

Para se implementar uma resposta efetiva pela plena saúde de mulheres e meninas e os seus direitos sexuais e reprodutivos, é preciso centralizar todo o sistema de saúde, público e privado, e colocar sob controle das trabalhadoras e trabalhadores. Testes massivos devem ser realizados para que a população não siga em meio às incertezas nesta pandemia, que abrem espaço para a manutenção tanto dos ataques do governo negacionista de Bolsonaro, como dos ataques dos governadores que seguem com a não transparência da estatística verdadeira sobre a contaminação e mortes que atingem em maior peso a classe trabalhadora.

Máscaras, luvas e álcool gel devem ser distribuídos para toda a população, para assim as mulheres não sentirem medo de romperem com a quarentena para buscarem por atendimento à saúde; EPIs devem chegar aos postos de atendimento e as equipes de trabalhadoras e trabalhadores da saúde devem ser ampliadas para o não fechamento das unidades de saúde do cuidado à mulher, que deve ser considerado como serviço essencial durante o período de quarentena.

Deve ser implementado um programa multidisciplinar de orientação, cuidado, proteção e acompanhamento da saúde da mulher. O pré-natal, acompanhamento que previne possíveis complicações na gestação, também deve ser ampliado e intensificado, juntamente com a realização de testes para o coronavírus, já que ainda não existem evidências da possibilidade de infecção e do que o COVID-19 pode causar às mulheres e ao feto durante a gravidez. Todas as gestantes devem ter acesso às informações sobre os tipos de partos para que possam ter o poder de decisão sobre seus corpos e sobre o nascimento de seus bebês. O parto humanizado deve ser uma opção oferecida por um sistema de saúde sob controle dos trabalhadores, como todo o amparo necessários para aquelas que optarem por realiza-los em casa, sendo isso uma vantagem diante da atual rápida contaminação do vírus.

As patentes farmacêuticas que impedem a produção em grande escala de medicamentos e métodos contraceptivos devem ser derrubas e a indústria farmacêutica posta sob controle dos trabalhadores, para garantir essa produção e distribuição. O acesso gratuito à métodos contraceptivos de longo prazo, como DIU e implantes, deve ser, não só garantido, mas ampliado para alcançar o maior número de mulheres e meninas que os escolherem para a prevenção de gestações indesejadas.

E por fim, mas não menos importante, o aborto deve ser legalizado e oferecido gratuitamente por este sistema de saúde centralizado, para que aquelas que assim decidirem, possam realizá-lo de maneira segura.

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http://agencia.fapesp.br/anticoncepcao-e-atividade-essencial-em-tempos-de-coronavirus-alertam-especialistas/33234/#.XsvvgHO4YRg.whatsapp

https://www.unfpa.org/press/new-unfpa-projections-predict-calamitous-impact-womens-health-covid-19-pandemic-continues

https://escrh.eu/wp-content/uploads/2020/05/Family-planning-an-essential-health-activity-in-the-pandemic-of-SARS-CoV-2.pdf




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