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França | Para derrotar Macron, é preciso ligar a luta pelas aposentadorias e a luta pelos salários

Se o noticiário da luta de classes na França é marcado pela luta pelas aposentadorias, as greves continuam a ser travadas pelos salários corroídos pela inflação, uma preocupação também onipresente nas manifestações desde 19 de janeiro. Enquanto a intersindical mantém a divisão entre estas questões, urge no país europeu defender um programa que una a luta pelas aposentadorias e pelos salários

sexta-feira 3 de março de 2023 | Edição do dia

Desde 19 de janeiro, a reforma previdenciária de Macron gerou uma mobilização histórica. Servindo como um catalisador para uma raiva profunda, a ofensiva do governo abriu caminho para um amplo movimento, impulsionado por aspirações que vão muito além da simples retirada da reforma da previdência. "Menos blablabla, mais dinheiro", "Salário vitalício VS trabalho até a morte" ou ainda "aposentadoria antes da artrite": nos melhores cartazes de 19 de janeiro fotografados pela RadioFrance, muitos são aqueles que vão além da questão das aposentadorias, descrevendo um profundo mal-estar geral.

Fim do mês e fim da carreira: uma mesma luta

Entre as razões dadas com mais frequência sobre o motivo dessa raiva, a questão dos salários e da inflação está onipresente na boca dos manifestantes. Enquanto as greves pela questão salarial se multiplicaram no ano de 2022, com conflitos emblemáticos como o das refinarias no outono, esse movimento social fundamental por aumentos salariais está longe de terminar.

Por toda parte, os movimentos salariais se multiplicam na França, como na Faurecia, Sidel em Le Havre, Aubert e Duval, ou mesmo na MA France, subcontratada da Stellantis. A metalurgia está longe de ser o único setor afetado: no agroalimentar, na química, na construção civil, as greves aumentam, exigindo aumentos salariais ao nível da inflação.

Em muitas dessas disputas, greves salariais e grandes protestos contra a reforma previdenciária andam de mãos dadas. Foi o que Fabien, do Espaço CGT Thalès Alenia, expressou ao nosso microfone no dia 7 de fevereiro: “Nunca vi tantos colegas na rua, há uma clara desaprovação deste projeto. […] Paralelamente a este movimento, temos também na nossa zona um movimento salarial, com um grupo que paga enormes dividendos aos seus acionistas mas que oferece aos seus empregados aumentos abaixo da inflação, de 5%”. O mesmo eco no fornecedor automotivo Faurecia: "o movimento das aposentadorias funcionou muito bem para nós", explica Pascal Vadam, sindicalista da CGT. Na Sidel, em Le Havre, como relatou Reynald Kubecki, a greve pelos salários “faz parte do início de um movimento de protesto contra a reforma da previdência. Em 19 de janeiro, havia mais de 200 funcionários da Sidel na manifestação em Le Havre”. Um último exemplo dessa dinâmica: enquanto organizavam sua primeira greve local para obter o 13º, todos os funcionários de Truffaut que questionamos disseram ter participado das manifestações contra a reforma da previdência.

Por enquanto, essas mobilizações estão ocorrendo principalmente no ritmo das Negociações Anuais Obrigatórias (NAO) impostas pela administração da empresa. Na Legrand, uma das líderes mundiais em instalações elétricas, é em torno desses NAOs que têm ocorrido as greves, assim como na Safran, ou na Schneider Electric. Em todos os lugares, o cenário é o mesmo: a direção da empresa oferece um aumento geral de cerca de 3%, quando os funcionários pedem entre 5 e 10%.

Esse movimento fundamental começou em 2021, com um aumento significativo, segundo a DARES (Direção de Animação de Pesquisas, Estudos e Estatísticas), de reivindicações salariais em greves.
Quanto aos motivos das greves, passamos assim de 41% de greves com reivindicações salariais em 2019 na França para 48% em 2020 e 73% em 2021. Se os dados de 2022 ainda não são públicos, é de se apostar que esse impulso foi mantido ou mesmo fortalecido. A melhor indicação dessa tendência é a proliferação de greves em empresas que nunca haviam tido uma, como a Truffaut ou o Grupo Ariane em Ile Longue, que abriga submarinos nucleares franceses.

A importância da questão salarial é, portanto, uma das características do movimento de massas contra a reforma da previdência de Macron, que tem todo o potencial para ser o catalisador da ira social acumulada nos últimos anos. Além do aspecto cíclico da questão salarial, intimamente ligada à inflação, a ligação entre aposentadorias e salários também é mais profunda. Em primeiro lugar, é o salário que determina o valor das pensões, e onde há salários baixos há aposentadorias de miséria. Então, os dois problemas têm em comum o fato de questionarem o sentido do próprio trabalho.

Uma característica também apontada por vários representantes da burguesia, como Raymond Soubie, especialista social de Sarkozy, que explica no Le Parisien que "o que torna a situação mais difícil hoje do que em 2010, 2014 ou 2019 é que os franceses estão sujeitos a muitos irritantes: inflação, risco de escassez de energia, insatisfação com os serviços públicos, problemas na RATP... O tema das aposentadorias, que no imaginário social dos franceses é um totem, a própria personificação da proteção social, pode servir de catalisador para a raiva”.

A divisão entre salários e aposentadorias é alimentada pelos dirigentes sindicais

Apesar de tudo isso, a ligação entre as greves salariais e as mobilizações contra a reforma da Previdência ainda não foi resolvida em larga escala. As greves acontecem em um dia nas empresas e os mesmos grevistas vão no dia seguinte em manifestação contra a reforma das aposentadorias, mas os dias de greves nas empresas não são convocados contra a reforma, e durante as convocatórias contra a reforma da previdência, a questão salarial é invisível. Uma divisão que leva, em algumas empresas, a que os trabalhadores limitem o número de dias de greve contra a reforma da previdência para “se poupar” para greves salariais, quando os NAOs chegarem em suas empresas.

Algumas greves, porém, tentaram “fundir” as duas mobilizações. Assim, os funcionários da SEM Ville Renouvelée optaram por entrar em greve no dia 7 de fevereiro, data da greve contra a reforma da previdência, para exigir aumentos salariais, que finalmente conseguiram. A mesma iniciativa na empresa de subcontratação industrial Altrad Endel, que se ocupa em particular da manutenção de refinarias ou centrais nucleares. Ludovic Maruitte, explicou à nossa seção francesa durante o bloqueio de Le Havre em 7 de fevereiro que, se havia muitos deles nas rotatórias naquela manhã, era principalmente "porque não podemos nos fazer ouvir sobre os salários, eles são muito baixos e não nos permitem arcar com o custo de vida, e todos os funcionários estão fartos". Na Stellantis, que acaba de divulgar seus balanços anuais, a CGT pediumobilização a partir de 7 de março para exigir aumentos reais de salário e obter a retirada do projeto de reforma da Previdência».

No entanto, apesar desses poucos exemplos, a aspiração geral de lutar tanto contra a reforma da previdência quanto por aumentos salariais esbarra na recusa da aliança intersindical em ampliar o rol de reivindicações. Para estes, não há como levantar a questão dos salários com os recursos intersindicais nacionais. Foi o que Laurent Berger reafirmou em 7 de fevereiro em entrevista ao Le Parisien: “a CFDT nunca foi uma seguidora de demandas genéricas. Se queremos que o governo nos ouça, temos que ficar nessa reivindicação". Se, por um lado, Philippe Martinez explicou em outubro-novembro que a CGT exigia aumentos salariais de 10%, por outro esses argumentos praticamente desapareceram da comunicação confederal da CGT neste período de reforma previdenciária.

Assim, as direções sindicais francesas mantêm uma divisão arbitrária entre um movimento nacional contra a reforma da Previdência e uma luta por salários confinada ao nível local. No entanto, só em 1982 é que os NAOs se impuseram para a negociação de salários, já não a nível nacional, mas a nível empresarial. A “localização” desta questão ao nível das empresas alimenta uma política de “cada um por si” que beneficia os patrões, numa altura já em que toda a população sofre com a inflação e em que os preços dos alimentos aumentaram 14% num ano. Uma escolha tanto mais desastrosa que ao mesmo tempo os dirigentes sindicais não têm problemas em ir negociar com os empregadores algumas migalhas em torno da "participação nos lucros".

Ampliar as reivindicações, a condição generalizar a greve

Por fim, essa divisão entre a questão dos salários e das aposentadorias é também uma aberração estratégica. Priva o movimento atual da possibilidade de uma ampliação do conflito. Se os cinco dias de mobilização passados foram massivos nas ruas, cada vez mais trabalhadores veem que os dias de greve de pressão não serão suficientes e que é necessário um bloqueio da economia e um endurecimento do movimento. Várias organizações sindicais também convocaram uma greve renovável a partir de 7 de março, como a CGT Cheminots, a SUD Rail, a RATP intersindical, mas também federações inteiras da CGT nos setores petroquímico, portuário e industrial.

Se, por enquanto, são os setores mais historicamente grevistas que têm convocado um movimento renovável, decidido em assembleias periódicas e não limitado a jornadas esparsas, será preciso ampliar a mobilização nessa modalidade para fazer o governo recuar. Mas quem se identifica com a greve renovável se identifica com a necessidade de determinação significativa para a luta. Porém, como convencer um funcionário que sabe que vai sair aos 67 anos sem ter desconto a lutar contra essa reforma que não vai mudar nada para ele? Como convencer um funcionário do SMIC a fazer uma greve renovável contra uma aposentadoria que chegará em 30 anos se não consegue vencer os fins de mês? Para agrupar trabalhadores da limpeza, funcionários da Amazon e empilhadeiras em milhares de armazéns por todo o país e os mais precários dos assalariados em um movimento duro, é preciso mostrar que a greve pode realmente mudar suas vidas diárias.

Para responder aos problemas imediatos de nossa classe, e colocá-la inteiramente na luta, é preciso, portanto, defender imediatamente as reivindicações sobre a questão salarial e convencer amplamente que as questões de aposentadoria digna e de um salário que nos permita viver só podem ser resolvidas por um ataque político contra Macron e seu mundo burguês. Nesse sentido, na França devemos exigir que os dirigentes sindicais incluam as reivindicações salariais nas reivindicações do atual movimento, exigindo aumentos salariais imediatos de pelo menos €400 para todos, para acompanhar a inflação e os salários estruturalmente baixos, e aposentadorias indexadas à inflação para parar de perder todos os meses. Com os alimentos e a energia sendo os que mais impulsionam a inflação, é preciso impor um congelamento dos preços dos produtos de primeira necessidade e da energia (gás, eletricidade e combustíveis).

Até 7 de março, todas as organizações sindicais e a energia dos trabalhadores devem ser colocadas a serviço da preparação de um movimento renovável, essas questões devem estar no centro das assembleias. Construir um movimento capaz de empurrar Macron para trás, mas também partir para a contra-ofensiva!




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