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Atos bolsonaristas | Para onde vai o Brasil depois do 7 de setembro?

Com atos expressivos mas muito longe do que esperavam os bolsonaristas, o 7S não serve como fiel da balança para resolver o impasse institucional. São os trabalhadores que podem dar saída à crise, dotando-se de um programa independente do PT e de toda variante burguesa.

André Barbieri São Paulo | @AcierAndy

quarta-feira 8 de setembro de 2021 | Edição do dia

As manifestações bolsonaristas do 7S disseminaram as ameaças reacionárias que prometiam. Pedidos de intervenção militar mostravam a essência dos clamores por “liberdade”. São repudiáveis suas ameaças às liberdades democráticas e aos direitos da classe trabalhadora e do povo pobre. Sua retórica golpista, a despeito das aparências, se dirige primordialmente a degradar as condições de vida de dezenas de milhões de trabalhadores.

Não deixa de ser um elemento gráfico das manifestações da extrema direita seu esforço por apelar ao trumpismo, a Steve Bannon e a Charlie Gerow, vice-presidente da União Conservadora Norte-americana. Embora a jornada, como dissemos nesse artigo, não tenha tido nada parecido com o assalto ao Capitólio (que vinha sendo disseminado por analistas políticos), figuras grotescas usando chifres, à imitação daquele 6 de janeiro em Washington, não faltaram para mostrar servilismo ao império.

Os atos foram significativos nos dois palcos centrais dos discursos de Bolsonaro: Brasília e São Paulo. O governo mobilizou, mediante dinheiro público e campanha de dois meses com pastores evangélicos e sargentos da polícia militar, seus apoiadores, que ocuparam a Esplanada e a Avenida Paulista. Entretanto, para tamanha concentração de forças, os atos ficaram muito longe de ser “esmagadores” como propagavam seus organizadores. A convocatória dura não se transformou em massividade decisiva pró-governamental. Tendo reunido entre 100 mil e 150 mil pessoas em Brasília e São Paulo, Bolsonaro esteve longe dos 1,5 milhão ou 2 milhões prometidos. Vistos a nível nacional, foram menores que os atos antigovernamentais dos últimos meses.

O curioso da jornada foi ouvir Bolsonaro dizer que o que extrairia do 7S é “uma foto com todos vocês” para assumidamente voltar à mesa de negociação com as outras instituições burguesas.

Isso significa que, embora os atos tenham sido fortes, confirmam seu caráter reativo e não são capazes de definir uma alteração na posição defensiva do governo. De um lado, Bolsonaro pode jogar melhor tendo posto seus seguidores nas ruas; de outro, não ter sido “esmagador” deixa seus adversários dentro do regime com margem de manobra para manter posições. A situação reacionária das disputas entre a direita e a extrema direita continua. Os atos impedem uma dinâmica destituinte, mas não são fortes o suficiente para reverter um debilitamento estrutural do governo, que se deve a fatores econômicos e sociais que “golpes de efeito” dificilmente podem reverter.

Esse desenlace não autoriza interpretações como a do PT e de determinados setores da esquerda que difundiam em suas redes sociais que o 7S “flopou” (ou seja, que fracassou). Essa forma de apresentar as coisas serve para cobrir a responsabilidade do PT e das centrais sindicais (como a CUT e a CTB) por terem entregue o dia à extrema direita. Enquanto Lula negocia suas alianças eleitorais com partidos da direita (apesar da credulidade de correntes como o Resistência-PSOL), o PT atuou nas organizações de massas para fazer convocatórias fracas. Figuras como Marcelo Freixo (ex-PSOL, atual PSB) aplaudia as polícias enquanto pedia para todos ficarem em casa.

Os atos da esquerda, inicialmente proibidos por Doria no caso de São Paulo, mostraram que havia energia para combater Bolsonaro e sair da dinâmica de embate “direita x extrema direita”. Mas as direções, especialmente o PT, não só não fizeram nada para mobilizar, mas inclusive tiveram uma política ativa para semear medo nas redes e criar um clima em que muitos que queriam se manifestar, ficaram em casa por receio de confrontos com bolsonaristas.

O 7S foi incapaz de resolver o impasse institucional entre as frações da burguesia. A retórica de Bolsonaro foi agressiva na auto-defesa, opondo-se ao Poder Judiciário, responsável por alimentar a extrema direita (hipocritamente, usa a oposição ao Marco Civil da internet esconde todas as fake news que abençoou nas eleições manipuladas de 2018). Em Brasília, havia dito, sem citar nomes, que “todos os poderes são valiosos”, e que o chefe do Judiciário “enquadrasse seu ministro”, aludindo a Alexandre de Moraes. Em São Paulo, subiu o tom, defendeu o voto impresso "contra fraudes" e nomeou o alvo: pregou “desobediência ao canalha” (Moraes) e repetiu que só haveria três saídas para o presidente, “ser preso, morrer ou ser vitorioso”. “Nós devemos sim, porque eu falo em nome de vocês, determinar que todos os presos políticos sejam postos em liberdade. Alexandre de Moraes, esse presidente não mais cumprirá”. Mostrou incômodo pela prisão de seus aliados políticos e garantiu que “ninguém o tira da presidência”. Parte de seu embate com o Judiciário, Bolsonaro chegou a convocar uma reunião do chamado Conselho da República, órgão consultivo que se pronuncia sobre intervenção federal, estado de defesa e estado de sítio, e questões sobre a “estabilidade das instituições democráticas”. Desfez o chamado à reunião do órgão, que não conta com a participação do Judiciário, depois da negativa de Artur Lira e Rodrigo Pacheco.

Tornando-se alvo de Bolsonaro, Moraes foi colocado num lugar que não lhe pertence. O ministro do Supremo Tribunal Federal nunca contou com qualquer vocação “democrática”. Indicado ao STF por Temer, foi secretário da Segurança Pública de Alckmin, “cachorro louco” da PM de São Paulo a serviço de reprimir manifestantes durante as Jornadas de Junho de 2013. Foi parte fundamental das manobras judiciais para manter Lula preso arbitrariamente e facilitar o triunfo de Bolsonaro nas eleições de 2018, uma vez derretida a candidatura de Alckmin. Moraes garantiu a vigência de norma que permite a proliferação de armas, encaminhada pelo próprio Bolsonaro. É parte orgânica do autoritarismo judiciário que aprova os ajustes econômicos aos trabalhadores e que foi o primeiro violino do golpe institucional de 2016. Não é o guardião das “liberdades democráticas”, é o garantidor judicial do caráter bonapartista desse regime.

Isso torna ainda mais vexatória a carta das centrais sindicais dirigidas pelo PT e PCdoB pedindo que “o STF, o Congresso e os governadores” assumam o leme do país. O PSOL apoia isso. O PSTU, através da CSP-Conlutas, também assina esse chamado. Dirigem dezenas de sindicatos e acompanharam com sua assinatura a plena confiança na burguesia e em suas instituições golpistas como o STF. A verdade é que Fux, Lira e Doria já estão com as mãos no leme há muito tempo, ao aplicar os ataques anti-operários e ultraliberais, ou atacando os indígenas com o reacionário Marco Temporal. São responsáveis pela catástrofe econômico-social do país junto a Bolsonaro e o militares. Nada pode vir daqui.

Partidos burgueses como o PSDB, o MDB e o Solidariedade dizem decidir se vão aderir ao impeachment. Isso significa preservar todo o regime herdeiro do golpe institucional de 2016, e as conquistas autoritárias desde 2018, substituindo Bolsonaro por um general reacionário como Mourão, com o apoio do Congresso. Essa saída é apoiada por Joice Hasselman e Kim Kataguiri, que apresentaram um “superimpeachment” junto a organizações como PSOL e PSTU, e os stalinistas da UP e do PCB. De outro lado, a direita tradicional como o PSDB e o MBL, atores do golpe institucional, farão ato dia 12 como parte de sua política em nome da “terceira via” (fantasmagórica até agora), para se contrapor ao embate nas enquetes de opinião entre Lula e Bolsonaro.

São os trabalhadores, de forma independente, que podem dar saída à crise

A crise econômica flagela o país, com alto desemprego e inflação nos bens básicos de consumo. A classe dominante nativa se encontra bastante dividida, e os atritos dentro de seus setores obstaculizam enormemente uma “saída unificada” do embaraço político junto aos planos do governo. O governo Joe Biden tem disputas próprias com Bolsonaro, aliado de Trump na América Latina. Esses elementos dificultam um desenlace claro da situação de impasse, e os atritos tendem a se acirrar. Nesse cenário, os trabalhadores precisam emergir como sujeito político independente de qualquer variante patronal, e conquistar uma esquerda que esteja à altura de um programa que faça os capitalistas pagarem pela crise.

Uma esquerda que erga um polo antiburocrático e faça exigência às centrais majoritárias um plano de luta nacional para derrotar os ataques do governo, e derrubar Bolsonaro, Mourão e os militares pelo combate. Uma rede de assembleias pela base que discuta e coordene unificadamente esse plano, por que seria inviável? É necessário criticar a política de fragmentação e isolamento da burocracia sindical, com quem a esquerda insiste em conviver. Uma esquerda não confie “no STF, no Congresso e nos governadores”, e nem que fiquem à espera de um milagre para “convencer” Lula a não se aliar com a direita, semeando todo tipo de ilusão e obstaculizando o caminho de uma força socialista e revolucionária que supere o PT. A atuação do MRT e do Esquerda Diário em greves como da MRV em Campinas, Carris em Porto Alegre, Sae Tower em Betim e Rede TV em São Paulo são, em pequeno, uma mostra da diferença que a esquerda poderia fazer em processos de luta de classes, batalhando por elevar o grau de organização e consciência, generalizando e contribuindo para que unificados passem a mirar sua força contra o governo de conjunto.

Nesse 7S defendemos uma alternativa política para a crise no país que não pode ser a defesa do impeachment que colocaria o general Mourão no poder, já aventado por alguns analistas como possível "terceira via" e nem mesmo se subordinar a política de distintos setores do regime como por exemplo João Doria. A base para isso é um programa de emergência contra a fome, o desemprego e a inflação, que unifique defensivamente numa frente única as distintas fileiras operárias na luta de classes. Uma grande aliança dos trabalhadores, dotados de um programa que hegemonize os interesses dos negros, das mulheres, dos indígenas, pode golpear o coração dos interesses dos capitalistas.

Esse enfrentamento deve estar ligado a uma Assembleia Constituinte Livre e Soberana que intensifique o choque entre as classes e busque revogar todas as reformas, debatendo os grandes problemas do país. Entre elas, problemas como a reforma agrária radical que garanta também o direito à autodeterminação na demarcação das terras indígenas, e o urgente não pagamento da dívida pública pra enfrentar a ingerência imperialista no país. Medidas como essas, para avançarem, vão exigir uma forte auto-organização das massas para enfrentar a resistência do Estado capitalista em defesa dos seus privilégios e neste caminho os trabalhadores precisarão colocar de pé seus próprios organismos de luta, o que possibilitará que o enfrentamento ao governo e aos capitalistas abra espaço a uma luta revolucionária por um governo de trabalhadores de ruptura com o capitalismo.

É para esse objetivo que dedicamos nossas energias.




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