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8 de março | Por que a luta internacional das mulheres não se expressou massivamente nas ruas do Brasil?

Na última semana ocorreu o 8 de março, uma data histórica de luta que tem em suas origens a batalha das mulheres socialistas contra a opressão machista e a exploração, e que todos os anos é marcada por manifestações pelo mundo inteiro. No Brasil, os atos que ocorreram em todos os estados foram os menores dos últimos anos e entender o porquê disso é parte de abordar os desafios da luta das mulheres no país.

terça-feira 14 de março de 2023 | Edição do dia

Fortes manifestações ocorreram em alguns países, como Chile, México, Estado Espanhol, Sri Lanka, e inclusive onde as marchas chegaram a ser proibidas, como no Paquistão. Na França, as mulheres foram às ruas como parte da luta contra a reforma da previdência, sendo o 8M o segundo dia de uma greve geral renovável, no contexto de uma jornada de luta histórica da classe trabalhadora desse país. No mundo todo foram erguidas faixas e cartazes pelo direito ao aborto, contra a violência machista e os feminicídios, por igualdade salarial e contra medidas estatais que reforçam a opressão de gênero, como no Afeganistão onde o Estado ataca o direito das mulheres à educação, ou no Irã onde o governo persegue as ativistas que protagonizaram uma ampla revolta no país após o assassinato de Mahsa Amini.

Tudo isso reafirma que a luta contra a opressão machista se atualiza cotidianamente no sistema capitalista. No Brasil, não faltariam motivos para que o 8 de março fosse um forte grito das mulheres contra o patriarcado e contra toda a retirada de direitos imposta desde o golpe institucional, que se aprofundou com o governo misógino de Bolsonaro. O aumento dos números de feminicídios e dos índices de violência, os estarrecedores dados de assassinatos de pessoas trans, assim como também a criminalização do aborto e a perseguição contra esse direito inclusive nos poucos casos em que é legalizado, além da terceirização e da precarização do trabalho, que tem rosto de mulher negra e abre caminho para o trabalho análogo à escravidão, são também expressões da situação das mulheres no país. As milhares de mães que vivem o luto de seus filhos assassinados pela violência policial também poderiam encontrar no 8 de março um espaço para reafirmar sua luta cotidiana por justiça. Mas contrastam com esse cenário e com a força dessa data internacionalmente as pequenas manifestações ocorridas em todos os estados brasileiros na última semana.

Se trata do primeiro 8 de março após o governo Bolsonaro e sob o governo Lula-Alckmin, que desde a campanha busca um diálogo permanente com as mulheres, o primeiro setor a expressar massivamente o rechaço ao ex-presidente de extrema-direita, ainda em 2018, com as manifestações do #EleNão. Apesar desse fenômeno feminista internacional atravessar também nosso país, isso acontece ainda de forma passiva e pouco organizada desde as bases. O que vemos é que esse elemento obriga a luta das mulheres ganharem cada vez mais espaço seja na mídia burguesa, seja nos discursos de Lula, Janja e outras figuras do governo. Mas desde a campanha eleitoral Lula e Alckmin garantem aos capitalistas seu compromisso com a manutenção de cada uma das reformas e ataques aprovados nos últimos anos, que atingem em cheio as mulheres. Da mesma forma, reafirmam uma posição contrária ao direito ao aborto, que durante os 13 anos dos anteriores governos do PT também não foi garantido. Sequer o corte de 90% dos recursos para o combate à violência de gênero feito por Bolsonaro foi revertido por Lula, enquanto Haddad reforça o compromisso do governo com a responsabilidade fiscal, ou seja, com o pagamento da dívida pública que despeja recursos nos bolsos dos banqueiros enquanto os serviços públicos dos quais dependem milhões de mulheres trabalhadoras seguem asfixiados pelo teto de gastos e por cortes.

Ao mesmo tempo, Lula buscou marcar a data com o anúncio da chamada "PL da Igualdade Salarial", uma medida que busca regulamentar e fiscalizar dispositivos já previstos em outras legislações para que as empresas não paguem salários diferentes a homens e mulheres. Um anúncio como esse no 8 de março é expressão direta do impacto da força do movimento de mulheres nos últimos anos pelo mundo. A efetivação de uma medida assim só poderá ser imposta com a força da luta das mulheres junto à classe trabalhadora. Também não é possível existir igualdade salarial enquanto as mulheres forem a maioria entre terceirizados, principais afetadas pela reforma trabalhista, chegando as mulheres negras a ganharem 60% a menos do os homens brancos, uma realidade que nenhuma "fiscalização" pode transformar sem acabar com esses mecanismos de precarização do trabalho e da vida.

Ao mesmo tempo em que o governo preparava essa e outras medidas parciais, as direções do movimento de mulheres nacionalmente preparavam de maneira burocrática e rotineira as manifestações do 8M. Por fora de qualquer iniciativa para massificar, ou mesmo divulgar, o 8 de março entre as milhares de categorias nas quais CUT e CTB dirigem sindicatos, as direções dos movimentos de mulheres ligadas ao PT e ao PCdoB conduziram a organização do 8 de março buscando fazer desta data uma expressão de apoio das mulheres ao governo, esvaziando as reuniões, o que também se deu com os próprios atos, como forma de garantir que nada saísse de seu controle. Em algumas cidades, mesmo as falas de organizações de oposição, como o Pão e Rosas, estiveram ameaçadas de veto. Em outras, como Brasília, Natal e Recife, a participação de partidos inimigos das mulheres e da classe trabalhadora, como o PSB e o PDT, é também expressão da política do PT e do PCdoB de subordinar as demandas das mulheres à governabilidade de Lula junto à direita.

O PSOL colaborou ativamente com essa política, inclusive os setores que buscam se localizar à esquerda, como a CST, que apesar de se colocar como independente, segue dentro do PSOL mesmo com esse partido sendo parte do governo. Também através de suas parlamentares não buscaram fazer com o que o 8 de março tivesse mais peso de mobilização ativa e expressasse de fato a situação das mulheres no país.

Diante desse cenário, em algumas cidades foram construídos blocos classistas, dos quais nós do Pão e Rosas fomos parte junto à CSP-Conlutas, o PSTU e outras organizações políticas e coletivos de mulheres. Esses blocos expressaram posições de independência em relação ao governo, levantando as demandas do direito ao aborto legal, seguro e gratuito, assim como também a revogação das reformas, pautas sistematicamente foram vetadas pelas burocracias petistas na ampla maioria das reuniões de organização da data. Ainda que nem todas as organizações que se propuseram a impulsionar esses blocos classistas tenham sido consequentes até o final com essa política de construir algo diferente da rotina burocrática e subordinada ao governo que as outras direções do movimento de mulheres impuseram ao 8 de março.

Bloco do Pão e Rosas no 8M em São Paulo

O esvaziamento do 8 de março por baixo, sem batalhar para pautar a data nas bases de trabalhadores e estudantes dirigidas pelo PT, PCdoB e também pelo PSOL, é complementado com um discurso de igualdade por parte do governo. As medidas anunciadas por Lula no 8 de março, tendo em vista que só se efetivarão mediante nossa luta, também cumprem esse papel de esvaziamento das ruas buscando que o horizonte seja o de que o avanço das nossas demandas poderiam ser possíveis por caminhos institucionais. Nenhum direito nunca foi dado, foram todos conquistados e impostos com a nossa luta e assim será também a igualdade salarial entre homens e mulheres, entre negros e brancos.

No Brasil, a igualdade salarial não é possível sem a revogação da terceirização irrestrita e o fim da terceirização, que abre caminho ao trabalho análogo à escravidão, e por isso é necessário a efetivação de todas e todos os terceirizados sem necessidade de concurso. A igualdade salarial também exige a revogação integral da reforma trabalhista, assim como também da reforma da previdência que nos condena a trabalhar até morrer e da reforma do ensino médio que precariza a educação e o trabalho de milhões de professoras no país, uma categoria majoritariamente feminina e com amplo histórico de luta. Contra a violência de gênero, é necessário um plano de emergência que garanta trabalho, moradia e renda às vítimas, para o qual só poderá haver recursos atacando os lucros dos capitalistas, assim como a necessidade de uma reforma urbana radical contra os empresários da especulação imobiliária para garantir moradia digna a todos.

Essas e outras demandas só podem ser fruto da força da luta das mulheres junto à classe trabalhadora e todos os setores oprimidos. A história do 8 de março, marcada pela luta das mulheres trabalhadoras e pela batalha das socialistas contra a opressão patriarcal e a exploração capitalista, assim como também as mulheres que estão na linha de frente dos principais conflitos abertos no mundo hoje, como as indígenas peruanas e as trabalhadoras francesas, oferecem importantes lições e exemplos à nossa luta no Brasil. É preciso, desde já, se organizar de maneira independente do governo e do Estado e preparar essas batalhas contra o patriarcado e o capitalismo. É nessa perspectiva que no próximo dia 25/03, às 15 horas, em diversos estados do país ocorrerá o Encontro Comunista do Pão e Rosas. Convocamos todas e todes que não aceitam a miséria que é imposta pelo sistema e suas instituições a serem parte desse encontro e a batalhar conosco por um feminismo socialista, internacionalista, contra o capitalismo e o patriarcado, por uma vida livre de toda a opressão e exploração.




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