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29 de janeiro | Prêmio de Melhor destino a turistas LGBTQIAP+ ao RN contrasta com liderança da região em transfobia

A região Nordeste do Brasil lidera a revoltante lista de assassinatos de pessoas transexuais e travestis, onde ocorrem 40,5% dos casos em 2022. Pernambuco é o mais perigoso para a comunidade, somando 13 assassinatos no ano passado. Ao todo, no país foram registrados 131 assassinatos de travestis e transexuais, mantendo-se pelo 14º ano consecutivo como o país que mais mata pessoas trans, seguido de México e Estados Unidos, segundo dados do “Dossiê Assassinatos e violências contra travestis e transexuais brasileiras", da Antra (Associação Nacional de Travestis e Transexuais).

domingo 29 de janeiro de 2023 | Edição do dia

Imagem: iStockphoto/Arte/UOL

Ester Gomes da Silva, de 15 anos, natural de Olinda/PE, foi brutalmente assassinada e decapitada, em Natal, capital do Rio Grande do Norte, em outubro de 2022. Em maio do ano passado, a jovem trans Estefani Rodrigues Soares, de 18 anos, foi morta a facadas à luz do dia numa praça no bairro de Lagoa Nova, como publicamos aqui. Segundo dados do Observatório LGBT+, do Centro de Cidadania LGBT+, em Natal, oito em cada 10 pessoas trans e travestis da capital do RN foram agredidas em algum momento.

Saiba mais: Basta de transfeminicídio: Justiça por Estefani! Bolsonaro e oligarquias são responsáveis

Esses dados e casos brutais de violência contra travestis e transexuais registrados contrastam com o título de “Melhor destino turístico da América Latina para viajantes LGBTQIAP+” pelo Prêmio Viaja Bi!. Segundo o diretor-presidente da Empresa potiguar de turismo (Emprotur), Bruno Reis “o fato de o Rio Grande do Norte ter crescido na preferência e projeção neste segmento reflete o trabalho realizado com base em inteligência comercial, que nos permite planejar e definir estrategicamente nossas ações de mercado. Por exemplo, o público LGBTQIAP+ sempre esteve em nosso radar pelo poder de consumo que esses viajantes tem no destino”.

Ou seja, o mesmo Estado que promove o turismo para o nicho de mercado LGBTQIAP+, sendo setores considerados apenas como mais uma possibilidade de lucro, é o mesmo Estado responsável pela realidade de violência contra pessoas trans, que sofrem constantemente com assédios, assassinatos e muitas vezes têm a prostituição como a fonte de renda mais frequente ououtros tipos de subempregos e trabalhos precarizados.

Os quatro anos de bolsonarismo foram especialmente violentos para a população LGBTQIAP+, ainda mais para as trans e travestis. Bolsonaro destilou incansavelmente discurso de ódio com o apoio de sua ministra Damares Alves que, com uma retórica abertamente machista e LGBTfóbica respaldada pelo seu conservadorismo religioso, é sistematicamente contra a “ideologia de gênero” e contra o aborto. Além disso, Bolsonaro combateu a educação sexual e discussão de gênero nas escolas chamando de “Kit Gay” uma cartilha que tentaria inserir tais discussões nas escolas e defendendo o “Escola Sem Partido”.

Os sucessivos cortes no orçamento da saúde intensificados desde o golpe de 2016 junto da implementação e aprofundamento das reformas atingem especialmente a comunidade LGBTQIAP+. O dossiê anteriormente citado revela também que a taxa de empregabilidade é menor para LGBTQIAP+ em relação a pessoas cis-heterossexuais e que é maior sua probabilidade de estigmatização, humilhação e discriminação em serviços de saúde. Mulheres trans e travestis são diariamente submetidas à prostituição devido à falta de melhores alternativas de emprego. Nesse meio são expostas a inúmeras violências e doenças sexualmente transmissíveis em troca de um retorno financeiro ínfimo e sem direito a um serviço médico gratuito e de qualidade.

Em Natal, a política bolsonarista oriunda do regime do golpe é continuada pelo prefeito Álvaro Dias (PSDB), que fecha os olhos para os assassinatos, aplica as reformas no município e ataca os servidores municipais, os quais lideraram importantes greves na saúde e na educação ano passado. Ao mesmo tempo, Álvaro Dias aparece demagogicamente como aliado na Parada LGBTQIAP+ de Natal e empossa membros do Conselho LGBT Natal.

Saiba mais: Panfletagens da greve da saúde de Natal denunciam ataques de Álvaro Dias (PSDB)

Professoras de Natal relatam condições precárias nas escolas, por descaso de Álvaro Dias

É legítimo o sentimento de alívio após a derrota de Bolsonaro dado o caráter reacionário de seu governo, contudo, a extrema-direita segue ativa e institucionalizada. A própria Damares Alves se elegeu como senadora ao lado de Mourão, bem como os governadores bolsonaristas Tarcísio, Zema e Claudio Castro. Por outro lado, a frente ampla de Lula-Alckmin expandiu suas alianças ministeriais até figuras absurdamente reacionárias como José Múcio, ex-Arena (partido da ditadura militar), Daniela do Waguinho, ligada à milícia carioca responsável por matar centenas de jovens negros todos os anos, Juscelino Filho, do União Brasil, que votou todas as reformas e é parte da Frente Parlamentar Contra o Aborto.

Entretanto, essa amplíssima e duvidosa rede de alianças não é de todo novidade. Esse ano completa 10 anos da nomeação de Marco Feliciano, fundamentalista LGBTfóbico, para a comissão de direitos humanos e minorias na câmara de deputados do governo Dilma. Marco Feliciano foi linha de frente da campanha de Bolsonaro em 2022, as novas alianças conservadoras da frente ampla não mostrarão melhores resultados para a classe trabalhadora e grupos oprimidos. O histórico 8 de março de 2013 contra Marco Feliciano abriu as portas para as manifestaçẽs de junho desse mesmo ano que, apesar de sua posterior capitulação pela direita, defenderam incisivamente os direitos LGBTQIAP+ ao lado da defesa dos serviços essenciais como saúde, transporte, educação e moradia após os ajustes do governo Dilma contra os trabalhadores e o povo pobre. É nessa força que precisamos confiar para arrancar nossos direitos e não nas alianças com nossos inimigos históricos representadas também pelo compromisso histórico do PT com a Igreja e com a não legalização do aborto expresso pela “Carta ao povo de Deus” de Dilma e pelas atuais declarações de Lula em defesa do conservadorismo religioso, contra o aborto e contra o uso de banheiros inclusivos.

No Rio Grande do Norte, a governadora Fátima Bezerra (PT) se reelegeu ao lado da oligarquia dos Alves, levando adiante um projeto que foi parte de precarizar a vida da classe trabalhadora, sendo a gestão que aprovou a reforma da previdência no Estado, incentivou as facções têxteis, manteve a ausência de demarcações de terras dos povos indígenas e também se cegou para os absurdos assassinatos de mulheres trans e travestis no estado.

Para além de combatermos a extrema direita e não confiarmos nos setores ditos progressistas que se aliam com nossos inimigos, precisamos lutar de forma independente do governo e das suas instituições que servem apenas para a manutenção do regime burguês invariavelmente opressor. Segundo a declaração da agrupação internacional Feminista e Socialista Pão e Rosas “nossa luta tem que ser independente de todas as instituições reacionárias do regime político brasileiro, como o Supremo Tribunal Federal (STF) e seus ministros. Exemplo disso é a medida do ministro Alexandre de Moraes de proibir manifestações no país, supostamente "em defesa da democracia" e "contra os manifestantes bolsonaristas golpistas do dia 8", mas que se volta de forma autoritária justamente contra a luta dos trabalhadores, juventude e setores oprimidos nas ruas. Outro exemplo é que o STF se voltou contra o direito ao aborto no ano passado, negando o pedido de habeas corpus em favor de Lorisete dos Santos, uma mulher grávida de trigêmeas siamesas que buscava interromper a gravidez por se tratar de um caso grave onde havia poucas chances de sobrevivência após o nascimento, além de trazer riscos à vida da mulher”.

Canalizemos o ódio diante de tanta violência e preconceito no país, na nossa região e no nosso estado para nos inspirarmos nos manifestantes potiguares que em 2013 foram vanguarda das manifestações de massas no país todo. Nos inspiremos também na força das mulheres e LGBTQIAP+ na França e no Peru que são linha de frente na atual onda de greves e manifestações internacional, especialmente no Irã, há 5 meses em manifestações devido ao brutal assassinato de Mahsa Amini pela polícia moral. Não nos esqueçamos das travestis na década de 1970 que foram linha de frente da luta contra a ditadura militar que fazia operações especiais para perseguir a diversidade sexual e de gênero com a polícia e seu exército! Lembremos também das LGBTQIAP+ que inauguraram o movimento pela liberdade de gênero e sexualidade com uma revolta contra a polícia no famoso bar nova-iorquino Stonewall em 1969!

Basta de assédio policial e violência transfóbica!

Por isso, nesse 29 de janeiro, dia da visibilidade Trans e Travesti, ao contrário do Pinkwashing, que vende a ideia liberal de diversidade e transforma a questão LGBTQIAP+ em nicho de mercado, o caminho para se enfrentar com a transfobia e LGBTfobia de conjunto e vingar cada vida LGBTQIAP+ ceifada, como afirma também a declaração do Pão e Rosas: ”É preciso lutar também pelo direito à saúde integral, tratamento hormonal, cirurgias de redesignação de gênero, acompanhamento médico e psicológico, fornecidos por um SUS 100% estatal, gerido pelos trabalhadores, com clínicas gratuitas pelo país inteiro, porque a saúde não é um capricho e sim um direito básico. Por um plano de emergência para atender todas as vítimas de violência LGBTfóbica. É essencial também a luta pela separação da Igreja e do Estado, por uma educação sexual não sexista nem heteronormativa e pelo pleno direito ao aborto legal seguro e gratuito para todas as mulheres e pessoas com capacidade de gestar, para que ninguém morra por abortos clandestinos. Por condições de trabalho dignas e por mais vagas de trabalho trans com todos os direitos trabalhistas garantidos, bem como por cotas e auxílio permanência para pessoas trans em todas as universidades do país.”

Construamos no Brasil um forte 8 de março independente, classista e desde as bases, verdadeiramente combativo, que exija das centrais sindicais o rompimento da inércia e unificação das fileiras da nossa classe que sofre com a manutenção dos ataques e reformas do regime golpista, derrotar a extrema-direita e construir uma sociedade livre da exploração e opressão.




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