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África | Primeiro-ministro do Sudão renuncia após novos protestos de massas

Há apenas seis semanas, o primeiro-ministro do Sudão, Abdalá Hamdok, havia sido reposto no poder pelos militares, após um golpe de Estado que o derrubou em outubro. Os protestos continuam pedindo a queda de toda a junta militar e que se instaure um governo civil.

terça-feira 4 de janeiro de 2022 | Edição do dia

O primeiro-ministro do Sudão, Abdalá Hamdok, anunciou nesta segunda a renúncia, durante um discurso televisivo aos 42 dias de ter alcançado um acordo com os militares para voltar a ocupar o posto desde que foi expulso no golpe de Estado de 25 de outubro.

“Anuncio minha demissão do posto de primeiro ministro para deixar a oportunidade a um filho ou filha desta pátria generosa liderá-la e dirigi-la durante o que resta do período de transição em direção a um Estado civil e democrático”, disse Hamdok em seu discurso.

A saída de Hamdok ocorreu horas após uma novo jornada de manifestações contra o golpe e contra seu posterior pacto com o líder militar do país, Abdelfatah al Burhan, em que ao menos três manifestantes morreram (segundo o opositor Comitê de Médicos), com o que chegam a 57 os mortos em protestos contra a junta militar.

Milhares de pessoas marcharam contra um acordo que Hamdok realizou para dividir o poder com o Exército. Aos gritos de “poder para o povo”, os manifestantes pediram o retorno a um governo civil pleno. Mas as forças militares responderam novamente com balas e gás lacrimogêneo, deixando mortos e feridos.

Durante as duas últimas semanas, foram publicados muitos rumores sobre a iminente renúncia de Hamdok, principalmente após as últimas manifestações onde várias pessoas morreram, vítimas de disparos de fogo, e uma manifestação onde denuncia-se ter ocorrido a violação de várias mulheres pelas forças de segurança.

Hamdok foi nomeado primeiro-ministro em agosto de 2019 para liderar o processo de transição acordado entre militares e forças políticas e civis, após a queda do ditador Omar al Bashir em abril daquele ano.

Após o golpe de Estado do último dia 25 de outubro, quando os militares dissolveram o governo e detiveram vários de seus membros e civis que participavam dos órgãos de transição, ele permaneceu em prisão domiciliar durante várias semanas, até que foi reinstituído no cargo em 21 de novembro, para buscar frear as mobilizações de rua em resistência ao golpe.

Naquele dia, firmou um acordo com Al Burhan para formar um governo de tecnocratas sem a participação dos partidos e forças civis que protagonizaram os protestos que levaram à queda de Al Bashir e que propuseram Hamdok para o posto em 2019.

A maioria dessas forças considerou o pacto como uma traição por parte do primeiro-ministro e seguiu participando das manifestações contra os militares, nas quais faleceram desde esse dia 15 pessoas.

Em seu discurso, defendeu que seu acordo com os militares foi “mais uma tentativa de levar as partes à mesa de diálogo e acordar um caminho para cumprir o resto do período de transição”.

Além disso, afirmou que “o país atravessa um perigoso ponto de inflexão que pode ameaçar toda sua sobrevivência”, o que creditou aos desacordos e aos conflitos entre os distintos componentes da transição.

A “transição” foi uma mentira

A realidade é que, após as manifestações e greves que resultaram na queda do regime autoritário de Omar Al-Bashir em 2019, a oposição política e os militares chegaram a um acordo para evitar que a revolta se estendesse e aprofundasse, ao mesmo tempo preservando o essencial do regime de Al-Bashir. O acordo estabelecia o chamado Governo de Transição, composto pelo Exército e os dirigentes da Aliança para a Liberdade e a Mudança (ALM), que colocavam naquele momento a perspectiva de realizar eleições nacionais em 2022.

Sob essa promessa, os trabalhadores e o povo do Sudão depositaram suas expectativas em poder conquistar um governo civil que finalmente respondesse às demandas econômicas e políticas levantadas durante o processo de revoltas que derrubaram os 30 anos de tirania de Al-Bashir.

No entanto, nos últimos anos a situação social e econômica não mudou substancialmente e, para além de algumas concessões sociais, os pilares estruturais herdados da ditadura de al-Bashir se mantiveram intactos. Por sua vez, a coalizão do governo de transição começou a mostrar fissuras e a convocatória de eleições passou para 2023.

As tensões dentro da coalizão entre os grupos que integravam a ALM e o Exército aumentaram, o que terminou no golpe militar de outubro do ano passado, que depôs o primeiro-ministro Hamdok.

Como ficou demonstrado nas marchas que acabar com o governo de Al-Bashir e as que se realizam desde outubro passado em resistência ao golpe, os trabalhadores e o povo do Sudão estão dispostos a sair às ruas por suas demandas, mesmo enfrentando uma repressão brutal.

O governo de transição erguido pelos militares terminou frustrando as expectativas dos milhares que se manifestaram em 2019 sob a consigna de que “caia todo o regime”. Mas a tentativa de reinstaurar Hamdok como primeiro-ministro para acalmar as ruas também se demonstrou um fracasso, bem como a política de buscar negociar uma saída junto aos militares.

Só a mobilização, a greve e os piquetes, como os de 2019, poderão fazer retroceder o Exército e abrir um caminho para impor as demandas postergadas. Nenhum acordo que inclua o Exército ou forças dispostas a ceder ou a negociar com os velhos membros do governo de Al-Bashir poderá cumprir com as expectativas populares.




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