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Capitalismo brasileiro | Privatizações, terceirização e escravidão no novo Governo de Frente Ampla

Qual a estrutura que está por trás das recentes denúncias de trabalho análogo a escravidão? O governo Lula-Alckmin tem interesse em romper com esse legado da extrema direita? Qual será o papel dos sindicatos que dão sustentação ao novo governo? Essas perguntas nortearão a reflexão dessa coluna no Esquerda Diário.

Felipe GuarnieriDiretor do Sindicato dos Metroviarios de SP

sexta-feira 10 de março de 2023 | Edição do dia

Recentemente, todos se chocaram com as denúncias de trabalho análogo a escravidão em fazendas ligadas à grandes vinicolas do Sul do país. Trabalhadores que conseguiram fugir desse cárcere privado do capitalismo trouxeram à tona importantes debates. Como a concentração de terras que ainda vigora no país, e a suposta modernização neoliberal das terceirizações que retorna às práticas do Século XVIII escravizando mais de 200 trabalhadores, na sua maioria negras e negros.

Essa é face mais cruel do capitalismo brasileiro, que desde a sua formação histórica sempre teve uma relação de garantir a continuidade da escravidão ou das formas sociais decorrentes e associadas da mesma, assim, diversas instituições surgiram para caçar “escravos fugidios” como as polícias ou para garantir o latifúndio e o trabalho precário. Como explicaram os fundadores do trotskismo brasileiro, o país possui uma burguesia que adquiriu sua consciência de classe diante o seu pavor da revolução social, e emergiu no campo combinando práticas feudais, escravistas e capitalistas.

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Não tem como dissociar os tempos atuais dessa herança. Que ganhou traços terríveis com a subordinação às exigências imperialistas da agenda neoliberal. As privatizações assumiram o centro dessa reorganização do Estado, que apoiava-se na dependência do capital financeiro, no trabalho precário e no latifúndio para desenvolvê-los ainda mais, para assim melhor atender os lucros do mercado internacional. Com o seu ápice no governo FHC, esse processo teve início ainda na década de 80, no final da ditadura, e consolidou-se na transição democrática do Governo Collor em 1990 com a criação do PND (Programa Nacional de Desestatização).

Esse programa vigora até hoje na União federativa e é complementado nas esferas estaduais com planos próprios. De lá pra cá, se passaram mais de 30 anos, incluindo os 13 anos de governo petista (Lula 2003/2010- Dilma 2011/2016). Onde não faltaram privatizações do sistema educacional universitário com a criação de grandes monopólios, nos setores de infra estrutura e transporte, e principalmente em setores estratégicos da economia como na Petrobrás. Onde, por exemplo, o megacampo do Pré- Sal, avaliado em 1,5 trilhão de dólares, foi entregue no Leilão de Libras a exploração do capital internacional por 15 Bi de reais no Governo Dilma.

Mesmo assim, o imperialismo norte americano quis mais. Esteve por trás da operação Lava Jato, com apoio do Partido Democrata, e articulou em 2016 o golpe institucional, para aprofundar reformas estruturais, e acelerar a aplicação de ajustes neoliberais na economia. A expressão política distorcida dessa empreitada foram os anos de governo de extrema direita para cumprir essa tarefa, já que é claro que uma parcela relevante do capital financeiro nacional e imperialista preferia até meados do primeiro turno de 2018 um candidato com cara mais neoliberal clássica, o hoje vice-presidente da República Geraldo Alckmin.
Aprofundou-se a reforma trabalhista e a lei da terceirização aprovadas ainda no governo Temer, que contou com a ajuda da burocracia sindical que traiu as paralisações nacionais de 2017 e 2019. Bolsonaro, consegue aplicar posteriormente a reforma da previdência sem resistência das centrais sindicais. Paulo Guedes no comando da pasta econômica aumenta em 36% a venda de Estatais Brasileiras, como a mais recente Eletrobras.

Em síntese, podemos afirmar que vivemos nos últimos anos uma atualização do neoliberalismo brasileiro. Baseado em uma nova ofensiva de privatizações, aprofundamento do trabalho precário (uberização) com a flexibilização das leis trabalhistas e a desregulamentação das terceirizações, e um enfraquecimento político e ideológico dos sindicatos (mas não da burocracia). Por trás dos absurdos casos de escravidão, vigora essa estrutura em meio a uma crise política orgânica.

O novo marco estratégico com o atual governo de Frente Ampla, busca repactuar as instituições dos Estados Capitalista, apoiando- se no no bonapartismo judiciário, com essa estrutura. Entretanto, isso não significa que sua postura será de ruptura com esse modelo. Pelo contrário. Trata-se de medidas revisionistas, mantendo o grosso dos ataques aprovados com as reformas, com concessões parciais de regulamentação e a busca de um novo financiamento sindical para que a burocracia se alinhe com sua politica de conciliação de classes.

As margens de manobra que o Governo de Frente de Ampla de Lula-Alckmin terá para lidar com isso, ainda estão em aberto, e não está descartado até pela conjuntura internacional novos processos de luta de classes. Por outro, lado o governo vem avançando em arregimentar a sua base social de maneira eficaz, principalmente a partir da figura de Lula. Ao mesmo tempo, que indica figuras como Luiza Trajano para o Conselho de Desenvolvimento Econômico e Social.

Sem contar que para além da tradicional burocracia sindical, para essa empreitada o PT conta com um novo aliado, o PSol. Como parte de sua estratégia de reduzir os espaços a esquerda do seu governo, contando com a capitulação do Partido de Boulos que integra o atual governo e sua agenda de manutenção das reformas.
Do ponto de vista da política de privatização o governo também demonstra sua resiliência, como é possível observar na luta dos metroviários de BH, em greve há dias pela suspensão do leilão que entregou a empresa federal CBTU, num valor de um trem, para as mãos da família Constantino.

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O PT não somente mantém a privatização aprovada no último ato do bolsonarismo, como se recusa a negociar com os trabalhadores em greve. Com direito a CUT "passar pano" para as declarações de Alckmin na época que chefiou a transição onde dizia que manteria o Leilão.

Esse cenário nacional, reflete-se também no Estado de SP com o governo bolsonarista de Tarcísio. Os objetivos da Frente Ampla dão carta branca para Tarcísio promover uma nova ofensiva de privatizações, a começar pela Sabesp, mas também já com alvo preparado para as linhas da CPTM e também a continuidade do plano para o Metrô de SP. A postura de Lula no encontro com Tarcísio diz tudo sobre a posição do governo do PT: "sou contra, mas estou pronto para receber argumentos, para ser convencido, eventualmente se a gente perceber que o projeto é bom, eu posso mudar de opinião, não tenho dogma em relação a isso".

Verdade também que esse processo não deixa de estar marcado por contradições importantes. Por um lado, a resposta dos trabalhadores, em particular no Metrô de SP com um sindicato que vem construindo lutas importantes no último período e que não é dirigido pela burocracia sindical, mas também nos demais pressiona minimamente as suas direções a terem que movimentar campanhas nas suas bases.

E de outro lado, a política consciente da burocracia sindical da CUT, CTB, Força Sindical e UGT em não unificar essas lutas, mantendo-as isoladas. Ou até mesmo puxar o freio totalmente, como recentemente a CUT fez na Apeoesp cancelando a tradicional paralisação de professores no dia 22 de março. Dia da educação, marcado inclusive pela aprovação do Congresso Nacional da reforma do ensino médio.

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Todavia, o cenário para o protagonismo operárioa para responder esse ataques é mais complexo, pela ausência de uma política independente com influência de massas. Os limites da própria CSP-Conlutas, que poderia assumir com mais força esse papel, estão estabelecidos não somente objetivamente com a recente saída do Andes (único sindicato nacional que era filiado a central), como subjetivamente pela política em muitos momentos adaptada a burocracia sindical por parte do PSTU, que coloca toda sua política atual como exigência ao governo, sem denunciar o papel que os mesmo cumpre com ajuda das centrais sindicais. Como no caso atual de Belo Horizonte.

Pesa o fato também, que no interior da Central, uma série de correntes da ala minoritária do PSOL, CST, LSR e a Revolução Socialista, tem a politica de permanecer no Partido, mesmo após a absurda capitulação da ala majoritária em integrar o novo governo. Um governo que toca privatizações de metrô, que envia material para repressão no Peru, que concilia com os empresários que lucram com o trabalho escravo.

O cenário convulsivo da situação internacional, em países como a França e o Peru, que abrigam lutas históricas cobertas cotidianamente pelo Esquerda Diário, exige que no Brasil possamos absorver lições dessas questões estratégicas relacionadas ao novo governo. Um regime que convive dessa maneira com a escravidão nos tempos atuais não merece viver com nenhuma expectativa gradual que essas questões estruturais serão superadas na conciliação e nos marcos do capitalismo. É mais do que necessário fortalecer uma política de independência de classe, que batalhe a partir de um Pólo político nacional, com uma plataforma programática de exigências e denúncias anti-capitalistas à burocracia sindical, e que possa construir uma alternativa revolucionária capaz de derrotar os governos e os patrões.




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