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Condor Tecnologias Não-Letais | Quem é a empresa brasileira que lucra com a repressão assassina no Peru e outros países

Recentemente, comunidades peruanas no Brasil denunciaram que, com o aval do novo governo, uma empresa brasileira fornece bombas de gás para a repressão aos camponeses e trabalhadores que enfrentam o governo golpista de Dina Boluarte no Peru. Conheça a Condor Tecnologias (supostamente) Não-Letais, indústria de armamentos brasileira que é uma das maiores do ramo e fatura milhões exportando para forças armadas de mais de 50 países, lucrando há décadas com a repressão de revoltas sociais sob um discurso cinicamente humanista, enquanto deixa um histórico de mortes como as de muitos dos mais de 65 manifestantes assassinados no Peru.

sábado 4 de fevereiro de 2023 | Edição do dia

Como denunciamos aqui no Esquerda Diário, 28.960 bombas foram compradas pela Polícia Nacional de Peru no dia 20 de dezembro de 2022, ainda sob o governo de Bolsonaro, ao custo de US$ 495.356 (aproximadamente R$2,7 milhões de reais) da empresa brasileira Condor, e entregues no dia 14 de janeiro, em mais um caso de cumplicidade do novo governo Lula com o governo golpista de Dina Boluarte, que já deixou mais de 65 mortos. O armamento se destina a reprimir os camponeses e trabalhadores que se levantam por todo o Peru contra um governo instaurado através de um golpe parlamentar em prol dos interesses das grandes mineradoras estrangeiras, exigindo o fim da repressão, a renúncia de Boluarte e do Parlamento, e uma Assembleia Constituinte que acabe com a herança da ditadura fujimorista.

É preciso rechaçar todo apoio dado por Lula a Dina Boluarte, que se materializa com o reconhecimento de seu governo, estreitamento de relações e liberação da exportação de munições para a repressão do povo peruano. Uma posição alinhada com a política do imperialismo estadunidense, que tem a finalidade histórica de aprofundar a exploração e opressão sobre a classe trabalhadora e os povos oprimidos na América Latina. Nesse sentido, é asqueroso o histórico de colaboração do Estado brasileiro com a crescente indústria internacional da repressão de massas civis, armando os regimes capitalistas contra os levantamentos dos explorados, uma indústria que carrega um histórico de mortes enquanto faz demagogia com os direitos humanos como estratégia de marketing.

A Condor, localizada em Nova Iguaçu (RJ), é a única fabricante brasileira desse tipo de produto e uma das dez maiores do mundo. Apesar de ser 100% privada, é considerada uma “empresa estratégica de defesa brasileira”, sendo um monopólio que fornece armamento para todas as polícias do país e para as Forças Armadas, garantindo o fornecimento de granadas de efeito moral, gás lacrimogêneo, spray de pimenta e balas de borracha. Nas palavras do antigo Ministério da Defesa de Bolsonaro, “incentivar os negócios da Condor faz parte de um "objetivo estratégico" do governo brasileiro”, aspecto compartilhado pelo PT tanto em suas gestões passadas quanto atualmente, como vimos. Segundo dados do mesmo ministério, o setor armamentista no Brasil emprega "cerca de 40 mil pessoas e fatura R$1 bilhão (US$213 milhões) por ano".

O presidente da Condor, Carlos Erane de Aguiar, tem uma vasta atividade nas cúpulas empresariais: foi integrante do Conselho de Desenvolvimento Econômico e Social da Presidência da República de Bolsonaro, diretor titular do Departamento de Defesa e Segurança da Fiesp, membro da diretoria plena e vice-presidente do Conselho do Centro Industrial do Rio de Janeiro (CIRJ/Firjan) e presidente da Representação Regional da Firjan na Baixada Fluminense. Sua empresa vem crescendo no mercado da repressão sob um discurso de ética, responsabilidade social, respeito ao meio ambiente e aos direitos humanos, afirmando apreço pela vida e que seus produtos evitam o uso de armas de fogo pelas polícias mundo afora.

Foto: Erane e Bolsonaro. Apesar de ter os negócios privilegiados por Bolsonaro e os militares, a Condor manteve relações com todos os governos brasileiros desde FHC.

A realidade desse tipo de armamento, porém, é outra, como mostra o histórico de mortos por projéteis, sufocamento, paradas cardíacas por armas de choque e os incontáveis mutilados nas jornadas de protesto da última década, como a Primavera Árabe, os Coletes Amarelos, no Chile e agora no Peru. Enquanto isso, a Condor lava as mãos afirmando que não possui responsabilidade pelo “mau uso” de seus produtos. A máscara pacifista também cai ao consultarmos o perfil de uma das empresas paralelas à Condor, a Welser Itage, no Portal de Dados Abertos do Governo Federal que mostra que também fornece armas de fogo de calibres 30 e 120 milímetros, munição nos calibres até 30, 120 e 125 e acima de 75 milímetros, além de bombas, granadas, motores de foguetes e componentes, e até mesmo caixas, recipientes e embalagens especiais para armamento nuclear e munição. Um verdadeiro mercado da morte que, para garantir suas vendas em tempos de crise capitalista e convulsões sociais, faz um “peacewashing” de seus empreendimentos.

Para se ter uma noção das cifras em jogo nesse mercado, conforme informado pela Rede Brasil Atual, no artigo “Agentes Antimotim: o caso pró-regulamentação“, a professora Anna Feigenbaum elenca que, em 2014, a Condor faturou no mercado internacional US$50 milhões. E que durante a Copa do Mundo do Brasil, no mesmo ano, faturou US$22 milhões. A Condor esteve entre as dez empresas que mais receberam recursos da então Secretaria Extraordinária de Segurança para os Grandes Eventos (Sesge), do Ministério da Justiça de Dilma, de 2012 a 2015: mais de R$43,5 milhões, segundo o pesquisador Bruno Cardoso, um dos autores do livro “Tecnopolíticas da vigilância”. E garantindo a mamata pelas mãos de Bolsonaro, em 2020, a Condor conseguiu na Câmara de Comércio Exterior a exclusão de um imposto de exportação que incidia em diversos de seus produtos que apresentam risco à vida humana.

Mundialmente, a perspectiva, segundo a consultora Markets and Markets, é de que esse ramo de munições menos letais deve chegar a US$1,106 bilhão neste ano de 2023, impulsionado pela militarização das forças policiais e pelo crescimento de “disputas políticas e agitação civil”. Os lucros colossais da Condor, porém, já vem decolando na supressão das revoltas das últimas duas décadas.

Foto: Guilherme Santos / Sul 21.

Fundada em 1985 em cima de uma antiga fornecedora de minas terrestres para o Exército Brasileiro, a Condor se tornou a primeira fabricante especializada em armamento não letal a se instalar no Brasil. Em 2002, um divisor de águas segundo a própria empresa, exportou pela primeira vez, sob encomenda do Exército Brasileiro, para uma missão de paz da ONU na Argélia. Em 2009 passou a ser fornecedora da ONU com o projétil de impacto contra multidões Soft Punch AM-470, do tipo responsável por mutilações oculares. Desde então passou a ser a única empresa da América Latina convidada pela OTAN para o evento North American Technology Demonstration, organizado conjuntamente com o Programa de Armas Não-Letais do Departamento de Defesa dos Estados Unidos, abriu escritórios em Singapura e Abu Dhabi, e possui mais de 80 agentes e representantes em todo o mundo. Hoje exporta para mais de 50 países e mais da metade de sua produção, de 120 itens em catálogo, é exportada, sob sigilo industrial, principalmente para a África e o Oriente Médio.

Com a Primavera Árabe a partir de 2011, a Condor mostra ao mundo o poder repressivo de sua produção, fornecendo para países como Turquia, Tunísia e Bahrein - onde tem seus primeiros grandes escândalos devido à repressão assassina por parte das polícias que carregavam suas armas. Denuncia-se que, durante a repressão à revolta contra o rei Hamad Al Khalifa no Bahrein, ao menos 38 pessoas, incluindo bebês, morreram sob os efeitos do gás da Condor, jogado em nuvens que tomaram bairros inteiros.

Cápsula fotografada em 2011 no Bahrein.

Pouco antes do início dos protestos na Turquia em 2013 contra Erdogan, onde foram amplamente utilizados, o governo brasileiro do PT apoiou um encontro de empresas de armamento nacionais com compradores estrangeiros na capital Istambul. Naquela ocasião, a Agência Brasileira de Promoção de Exportações e Investimentos (Apex) e a Associação Brasileira das Indústrias de Materiais de Defesa e Segurança (Abimde) – cujo então vice-presidente, Carlos Frederico Queiroz de Aguiar, era presidente da Condor – negociavam os muitos projéteis, granadas e sprays que seriam utilizados poucas semanas depois contra a juventude trabalhadora que tomava as ruas.

Essa experiência internacional também precedeu o uso ostensivo dos materiais da Condor na repressão às jornadas de junho de 2013 aqui no Brasil, quando a crise capitalista e as demandas estruturais do país, não atendidas em mais de uma década de governos petistas, incluíram o Brasil no mapa das revoltas, ao lado da Primavera Árabe, dos Indignados e do Occupy Wall Street. Entre as vítimas, lembremos da gari Cleonice Vieira de Moraes, mulher de 54 anos que morreu em 21 de junho de 2013, após ter inalado gás lacrimogêneo durante uma manifestação em Belém. E como mostrou um levantamento de um conjunto de veículos de imprensa, no Brasil, só de 2017 pra cá, foram 13 mortos e dez feridos graves por esse tipo de armamento.

Montagem: UOL.

A Venezuela também é um cliente valioso da Condor: entre 2008 e 2011, Maduro adquiriu pelo menos US$ 6,5 milhões (R$ 22,3 milhões) em bombas de efeito moral, gás lacrimogêneo e balas de borracha. Em 2017, durante uma onda de repressão que deixou dezenas de mortos - como o estudante Juan Pernalete, que morreu após ser atingido na altura do coração por uma bomba de gás lacrimogêneo disparada a poucos metros de distância - os estoques se esgotaram e foi feita uma nova compra de 70 mil bombas da Condor, bloqueada então pelo Ministério da Defesa de Temer.

Mais recentemente, dados também apontam vendas para o Equador (US$ 4,1 milhões), Colômbia (US$ 1,8 milhão) e Chile (US$ 1,5 milhão) entre 2020 e 2021, mesmo período em que esses países estavam sob intensos protestos sociais. No Sudão, na África, durante os protestos contra o golpe militar de 2021, organizações de monitoramento humanitário denunciaram que a maior parte dos ferimentos nas jornadas foram devido a projéteis de gás lacrimogêneo, 471 envolvendo sufocamento e 537 envolvendo lesões e mutilações por impacto direto das cápsulas, muitas delas da Condor, que também provocaram um número de mortes no país.

Diante de um histórico de lucros milionários promovendo atrocidades dentro e fora do país, se faz necessário que, aqui no Brasil, a classe trabalhadora, a juventude, mulheres, negros, indígenas e LGBTs ergam a mais forte solidariedade ao povo peruano e uma luta pelo fim das relações do novo governo com o governo golpista de Boluarte, bem como pelo fim da exportação de munições e armamentos para reprimir as lutas da classe trabalhadora e do povo pobre de outros países. Centrais sindicais como a CUT e entidades estudantis como a UNE, atreladas ao novo governo por suas direções petistas, deveriam estar organizando assembleias desde as bases para que trabalhadores e estudantes brasileiros tomem o protagonismo político nas próprias mãos, sem submissão ao governo ou às instituições desse regime reacionário, e levantem uma grande campanha com greve geral em solidariedade à luta no Peru e pela revogação imediata de todas as reformas e privatizações de Temer e Bolsonaro, avançando para impor através da luta de classes que não haja nenhuma anistia para os articuladores militares e civis dos atos golpistas e da Ditadura Militar.

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