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No contexto da pandemia de coronavírus, o sentimento de empatia com os trabalhadores da saúde se generalizou. Mas você já se perguntou quem são os profissionais da saúde?

Babi DellatorreTrabalhadora do Hospital Universitário da USP, representante dos trabalhadores no Conselho Universitário

domingo 3 de maio de 2020 | Edição do dia

A primeira resposta que vem a cabeça, certamente, remete aos médicos e enfermeiras. E todos os trabalhadores pelos quais o paciente passa até chegar ao pessoal da enfermagem e aos médicos, seriam também trabalhadores da saúde? E os que garantem a limpeza e zeladoria do espaço onde o atendimento é realizado, também são? Sim!

Vejamos porque a visão de que profissional da saúde refere-se apenas aos trabalhadores da enfermagem e médicos não dá conta de compreender a saúde como um sistema e acaba dividindo e debilitando a organização e a luta pela saúde pública para todos e condições dignas de trabalho.

Um sistema de serviços de saúde para atender em larga escala

Um médico, uma enfermeira ou técnico de enfermagem possuem conhecimentos técnicos que lhes permitem prestar atendimento e cuidados em saúde. Se considerar uma situação em que é preciso prestar socorro a uma pessoa, tais conhecimentos são determinantes e os diferenciam dos demais trabalhadores. Contudo, a saúde estrutura-se como um sistema de serviços capaz de promover atendimento em larga escala, sendo mais do que o atendimento emergencial a uma única pessoa por vez.

A luta por um Sistema Único e Universal de Saúde pretendia também a prevenção e promoção da saúde, além de assistência emergencial, compreendendo uma equipe de trabalhadores multiprofissionais, inclusive agentes comunitários vindos da população local.

Para o médico atender e a enfermagem cuidar é preciso trabalhadores administrativos que recepcionem o paciente e tornem disponível seus prontuários ao médico. Agendem ou desmarquei consultas. Realizem a compra e distribuição de materiais pelos setores. São necessários técnicos de laboratório e radiologia para realizar exames. Também são necessários profissionais especializados que garantam a perfeita higienização do ambiente de atendimento em saúde evitando infecções.

Para que essa estrutura funcione perfeitamente é preciso manutenção do mobiliário e equipamentos hospitalares. Uma equipe de manutenção elétrica sempre a postos mantendo tudo funcionando, realizando as instalações necessárias para os leitos. A manutenção hidráulica e a caldeira que garantem água quente para o banho dos pacientes e a manutenção dos geradores que impedem que o hospital fique sem energia para alimentar as maquinas que sustentam a vida dos pacientes.

Os profissionais da nutrição que produzem a alimentação dos trabalhadores, estudantes e pacientes são imprescindíveis, afinal a alimentação de qualidade também é responsável pela cura. Os trabalhadores da zeladoria e segurança do hospital são responsáveis pelo cumprimento do fluxo estabelecido e também são parte da recepção aos pacientes. Também tem os profissionais da fisioterapia, terapia ocupacional, farmácia etc.

Todas essas atividades são imprescindíveis para o atendimento em saúde e quando são realizadas dentro de um equipamento de saúde adquirem características específicas. Não é possível o funcionamento de um Hospital, Unidade Básica de Saúde, Pronto Atendimento ou a implementação da importante Estratégia da Saúde da Família sem essa equipe multiprofissional. Portanto, todos são trabalhadores da saúde.

A divisão dos trabalhadores da saúde coloca nossas vidas em risco

Essa visão de que alguns são trabalhadores da saúde e outros não, mesmo que todos trabalhem numa unidade de saúde, permite aumentar a precarização das condições de trabalho porque divide em setores que terão acesso a EPIs, adicional de insalubridade, treinamento e descanso diferenciado.

Nesta pandemia, ficou evidente que todos que estão dentro de um hospital podem ser contaminados. Tanto os profissionais que prestam atendimento especializado quanto os que recepcionam realizando procedimentos administrativos. Guardada as diferenças das situações, como dentro da UTI onde se realiza intubação, existe risco para todos. Mas ao inves dos administradores dos hospitais olharem para as diferenças para garantir o melhor treinamento e EPI, utilizam dessa divisão pra justificar a exposição da vida dos trabalhadores a maiores riscos sem acesso a EPI e não pagar pelos mesmos direitos. O que na maioria dos hospitais significa colocar em risco a vida dos trabalhadores terceirizados das recepções, limpeza e segurança. Já são inúmeros terceirizados de dentro de hospitais que adoeceram gravemente ou faleceram.

Outro exemplo. A luta pela jornada de 30h semanais para os trabalhadores da enfermagem se fundamenta na necessidade de descanso físico para manter a imunidade desses trabalhadores expostos a riscos biológicos e químicos, assim como a necessidade de cuidado mental de quem atua em torno de um trabalho que envolve lidar com a dor e desespero de outros seres humanos, muitas vezes em situações limites entre a vida e a morte. Esse contexto se estende a todos os trabalhadores que estão nessas unidades de atendimento. Por isso, a luta pelas 30h semanais é uma luta para regulamentação da jornada de todos os trabalhadores que estão nas unidades de saúde.

No Hospital Universitário da USP, a greve de 1988, onde os trabalhadores de todos os setores do hospital estavam mobilizados, foi conquistada a redução da jornada de 40h para 36h semanais para todos os trabalhadores do hospital, fundamentando-se nessa perspectiva de que todos são trabalhadores da saúde.

Por isso, frente a essa pandemia e a política dos governos e empresários de colocar a vida dos trabalhadores da saúde em risco e, onde negligenciam o atendimento necessário para impedir a morte de milhares de pessoas infectadas, nós trabalhadores precisamos da mais profunda unidade.

Unidade entre todas as categorias, entre efetivos e terceirizados, entre mulheres e homens, para lutar para que todos os que estão trabalhando dentro e fora dos hospitais tenham EPIs. Para que sejam contratados mais trabalhadores da saúde para todas as áreas e dessa forma ninguém fique sobrecarregado e a população possa ter acesso ao atendimento necessário. Para que não tenhamos que escolher entre uma vida e outra. Para que não lutemos sem armas. E se os governos e capitalistas não quiserem colocar todos os recursos à disposição para enfrentar a pandemia, como a conversão da produção de grandes fabricas para produzir EPIs e respiradores ou a utilização dos leitos privados pelo SUS, que nós trabalhadores tomemos a frente disso. Colocando os hospitais, as grandes fabricas e os transportes sob controle dos trabalhadores.




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