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SEMANÁRIO

Sínteses do Encontro: As Bases da Semana de 22

Pedro Pequini

Mathias Nery

Sínteses do Encontro: As Bases da Semana de 22

Pedro Pequini

Mathias Nery

No último domingo (07) aconteceu o primeiro encontro do Grupo de Estudos de Cultura e Marxismo: Esquenta de debates sobre a Semana de 22, impulsionado pela Juventude Faísca que, frente ao centenário da Semana de Arte Moderna em 2022, compreende a necessidade de construir debates preparatórios ao evento, tanto pela sua relevância na reflexão sobre a arte nacional e internacionalmente, quanto pela importância desse tema para o curso de Letras da Universidade de São Paulo (USP), onde estudam boa parte dos jovens que impulsionam este Grupo de Estudos.

A situação de crise reacionária que a juventude brasileira está inserida é profundamente nociva, principalmente somada à crise econômica e às sequelas da crise sanitária da pandemia de Covid-19. Com o governo Bolsonaro e seus aliados destilando ódio para todo lado, e que desde o início do seu governo vê na juventude, que é cotidiana e crescentemente privada do direito à cultura e ao ensino crítico, um dos seus principais inimigos, torna-se necessário cada vez mais construir uma juventude que tome nas suas mãos a tarefa de combater toda situação de miséria e defender o direito de construirmos nosso próprio futuro.

Neste sentido, buscamos retomar a experiência artística do que foi a Semana de Arte Moderna de 1922, prestes a completar cem anos de seu acontecimento, em que jovens artistas na época buscaram expressar sua inquietude frente às mudanças do cenário econômico, social e político de um país que se chocava com as marcas deixadas pelo projeto de industrialização no início do século XX, e seu desejo de mudança e liberdade para fazer arte. Partindo da perspectiva marxista sobre a arte, num esforço por compreendê-la com sensibilidade e por suas leis próprias, buscamos decifrar e analisar os sentimentos e reflexões a partir da contemplação das obras. Este método difere da tradição do “realismo soviético” stalinista, concepção que é muito confundida com “arte verdadeiramente marxista”, mas que apenas a nega, a partir do momento que adestra as expressões do artista a objetivos panfletários, partindo do objetivo de transmitir definições e conceitos políticos e marxistas e secundarizando a arte em si e sua livre manifestação.

Nesta primeira sessão, centramos o debate nas obras de Anita Malfatti compreendidas no período entre dezembro de 1917 e janeiro de 1918, que poderíamos considerar a “antessala” do modernismo brasileiro. Ou seja, as definições que são mais conhecidas sobre o modernismo não necessariamente estão contidas nas obras da jovem pintora, pois este é um momento transicional da própria arte - o que é interessante para compreender o movimento e o fenômeno que sacudiu artistas, sociólogos, políticos e pensadores no Brasil, relacionando-se também com o momento histórico e econômico que o país atravessava, de recente urbanização, com a conformação inicial de uma classe burguesa ligada à economia cafeicultora, mas já mais industrial, especialmente na capital paulista, onde se desenvolveu mais fortemente o próprio Modernismo e a Semana de 22.

Mostramos aqui algumas das obras de Anita Malfatti que permearam nosso debate no grupo de estudos:

A estudante russa

A Mulher de Cabelos Verdes

O Homem Amarelo

Tropical

A Exposição de Pintura Moderna - Anita Malfatti, realizada em São Paulo, entre 12 de dezembro de 1917 e 11 de janeiro de 1918, é considerada um marco na história da arte moderna no Brasil e o "estopim" da Semana de Arte Moderna de 1922. A artista, que voltara da Alemanha em 1913 onde entrou em contato principalmente com o expressionismo, plasmou nestes quadros muito das inovações estéticas apreendidas na Europa.

Nessas obras, vemos Anita dando protagonismo para os personagens que, sistematicamente, são apagados pela elite: idosas, mulheres, imigrantes, negras, indígenas e, fundamentalmente, trabalhadores. Tanto no conteúdo, mas também na forma, percebe-se um esforço de formalização de uma nova experiência com o país, cuja relação com os setores mais oprimidos, explorados e invisibilizados na sociedade brasileira do começo do século XX é a chave para algo maior.

Todavia, a partir da reação tanto da crítica, mas também pela falta de ferramentas teóricas daqueles que futuramente seriam os modernistas para compreender mais profundamente esse novo projeto, vemos um país que era atravessado por dois movimentos antagônicos: de um lado, Anita propondo novas formas, as quais rompiam com a lógica tradicional de representação e focalizavam no trabalhador, e, de outro, Monteiro Lobato dizendo que aquilo era paranóia, ou, mistificação. O profundo incômodo do escritor de Taubaté, em relação aos quadros da então jovem pintora, expressam um conteúdo de classe que é atravessado por uma concepção marcadamente eugenista. Neste momento, Lobato encarava a pobreza como uma deficiência genética ocasionada pela fome crônica e que, portanto, não faria sentido pintar um Homem Amarelo, inspirado em um pobre imigrante italiano, reforçando ainda nas "deformações" do real justamente o que de mais real havia ali: a miséria destinada às massas migrantes. Aqui evidencia-se o quanto uma crítica que aparentemente destina-se somente à forma, simbioticamente carregava um incômodo também de conteúdo.

Esse conflito, entre o novo e o velho, o progressista e o reacionário, o avançado e o superado, então no DNA do Brasil enquanto um país da periferia do capitalismo. A modernização vivida naquela época, principalmente em São Paulo, carregava consigo (e, devido à lógica do capitalismo em sua fase imperialista, necessariamente deveria ter sido assim) o que havia de mais atrasado no nível econômico, cultural, político… A isso, Trótski deu o nome de Desenvolvimento Desigual e Combinado.

Se nos detemos na obra "Mulher de Cabelos Verdes", por exemplo, vemos que, até entre aqueles que a defendiam enquanto produção artística legítima, não havia uma compreensão até o final do que estava em jogo. Num comentário a este quadro, Mário pergunta se os cabelos verdes não sugeririam o passar dos anos. Isso evidencia que, se por um lado tal posicionamento estivesse colossalmente à esquerda do conservadorismo irracional de Lobato e Cia., chama atenção sua análise ainda muito literal das experiências sensoriais e simbólicas propostas ali por Anita. E isso nos interessa porque é uma outra evidência dessa lógica desigual e combinada no campo cultural onde vemos propostas muito inovadoras e avançadas, acompanhadas por uma carência de ferramentas teóricas de interpretação.

Ainda nessa alçada, avançando agora no tempo, veremos que em 1922 os modernistas vão depender do financiamento da elite cafeicultora brasileira para financiar a Semana de Arte Moderna, expressando, mais uma vez, tal contradição conjugada.

Outro ponto profundamente debatido no encontro, foi o quanto, no exercício de trazer as propostas da Europa, como por exemplo a estética expressionista, para representar o Brasil, houve dissonâncias. O quadro claramente mais distante, não só do expressionismo, mas também das próprias pinturas organizadas na exposição, é o "Tropical". Confeccionado 2 anos depois dos demais, "Tropical" traz uma negra/ indígena segurando uma cesta de frutas em meio a palmeiras.

Sendo a única retratada trabalhando, somos perfurados pelo seu olhar cansado, marcado pelo Sol cuja cicatriz do trabalho agrário não se deixa confundir no corado em baixo das retinas. Como se fosse um cartão postal do Brasil às avessas, vemos todos os elementos que compõem o imaginário estrangeiro do que seria o país tropical abençoado por Deus radicalmente subvertidos. Seus traços menos deformados e a impossibilidade de encaixar a imagem de uma negra trabalhadora na estética europeia talvez expressem justamente o quanto o racismo coloca em cheque toda a hipocrisia demagógica que a burguesia tentou exprimir, escondendo a desigualdade estrutural do capitalismo, nos ideários da Revolução Francesa: igualdade, liberdade e fraternidade. Na "falha" formal, notamos o quanto a realidade do setor mais oprimido no Brasil, as mulheres negras e indígenas, olha para as mentiras cínicas da elite e responde com olhos que dizem "a mim você não engana".

Estas foram somente algumas das sínteses alcançadas no primeiro encontro do Esquenta de Debates sobre a Semana de 22. Aproveitamos para fazer um convite para a segunda sessão, que tratará das Artes da Semana de 22: projeto de país e democracia racial, que ocorrerá no próximo domingo, 21/11, às 14 horas. Para mais informações e links, entre em contato com o número: (11) 99707-4702.


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Pedro Pequini

Mathias Nery

Estudante de Filosofia - USP
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