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UP e sua concepção conservadora da arte

André Higa

UP e sua concepção conservadora da arte

André Higa

Com crises internacionais e a precarização do trabalho, com uma extrema direita ativa no mundo inteiro, a indústria cultural e a burguesia buscam nos fazer acreditar que não há outra saída além do capitalismo. Sendo assim, a arte possui um potencial disruptivo e subversivo, onde os oprimidos e explorados entram em colisão com a rotina perversa do capitalismo. Esse caráter revolucionário da arte, não é o que defende a Unidade Popular ao reivindicar a tradição de Stalin e propor limitar o que devem fazer os artistas.

Texto originalmente publicado em 13 de março de 2023.

Com crises internacionais e a precarização do trabalho, com uma extrema direita ativa no mundo inteiro, a indústria cultural e a burguesia buscam nos fazer acreditar que não há outra saída além do capitalismo. Sendo assim, a arte possui um potencial disruptivo e subversivo, onde os oprimidos e explorados entram em colisão com a rotina perversa do capitalismo. Esse caráter revolucionário da arte, não é o que defende a Unidade Popular ao reivindicar a tradição de Stalin e propor limitar o que devem fazer os artistas.

Capitalismo e arte

No capitalismo a vida se torna um peso, com trabalhos fisicamente e psicologicamente exaustivos, em condições de vida precárias e sufocantes. Um contexto que aqui no Brasil é agravado pela ativa extrema direita e pelas reformas reacionárias vigentes, como a reforma do Ensino Médio instaurada por Temer ou mesmo a extinção do Ministério da Cultura por Bolsonaro. Agora no governo Lula-Alckmin, a perspectiva de melhoras são mínimas. O governo já anunciou que não pretender revogar as reformas, além de que não nos esquecemos da participação de empresários apoiadores da reforma do Ensino Médio, como o Lemann e o Itaú, e da nomeação do reacionário Alexandre Frota na equipe da Cultura. Esses diversos mecanismos utilizados para manter a classe trabalhadora na miséria impedem o acesso irrestrito à cultura e à educação. E aquilo que é produzido (a arte, a ciência, a filosofia), a burguesia tenta colocar a serviço próprio, gerando lucros e reforçando a superioridade da miséria capitalista, seja subordinando a pesquisa das universidades às grandes empresas ou pela indústria cultural, que corta a inovação artística em prol dos clichês lucrativos que reforçam a ideologia dominante.

Essa situação só pode ser mudada por meio de uma implacável luta contra o capitalismo e as amarras que buscam limitar a vida, a arte e a cultura. A liberdade artística e intelectual que dão expressão às profundas e intensas necessidades humanas só podem se materializar no comunismo, livres da lógica do lucro e da propriedade privada.

Nessa luta pelo comunismo, os artistas podem ser grandes aliados de luta. Aqueles que decidem romper com a conformidade capitalista, expressando a dor e a alegria dos oprimidos e explorados, gritando um mundo diferente. A arte se torna um meio de expressar livremente tudo o que o capitalismo nega. Rompendo com a lógica mercadológica, buscando se unir à vida, sendo parte ativa nos debates da sociedade, sobre as relações humanas, sobre a vida, aí reside um potencial revolucionário da arte.

Essa concepção libertária, emancipadora, dinâmica e ativa da arte, não é o que parece reivindicar a Unidade Popular ao tentar resgatar uma tradição stalinista, argumentando por uma fórmula pronta do que deve ser arte, impondo uma estética utilitarista e quadrada, limitando seu potencial revolucionário.

UP e a Arte como propaganda

No texto, “O papel da arte revolucionária na propaganda do socialismo”, a UP demonstra como sua concepção de arte revolucionária limita a arte a objeto propagandístico, baseado numa visão elitista sobre a classe trabalhadora, que seria incapaz de níveis profundos de sensibilidade e de pensamento. Para eles “os artistas populares têm o papel fundamental de propagandear o socialismo através da arte revolucionária, uma vez que esta é uma das formas de acessar e educar todo o povo”. Essa redução da arte ao "papel fundamental" propagandístico é uma afronta à potencialidade criadora da arte e do ser humano.

Para os marxistas revolucionários, a arte possui uma finalidade em si mesma, do prazer estético, sua qualidade não está no quão boa é para a propaganda ao socialismo, mas sim por sua qualidade de ser arte. Assim foi a admiração de Marx por Goethe, dos bolcheviques pelo futurismo russo, da juventude pelo rock e pelo soul. O artista não possui a função obrigatória de ser educador e publicitário do povo, mas sim de ser artista, utilizar toda sua potencialidade criadora livremente, seja para criar uma arte que trate abertamente sobre socialismo e sobre a luta revolucionária, seja para tratar dos múltiplos aspectos que dizem a respeito a vida humana.

A utilização de imagens e recursos visuais, que pode ser um recurso imaginativo importante, de desenvolvimento crítico e estético dos trabalhadores, a UP vê as imagens apenas como uma alternativa para “as pessoas que não são alfabetizadas podem compreender a mensagem pelo olhar”. Uma frase que se confunde no tempo, entre as ordens da Igreja Católica no período medieval e um texto de um site no mundo contemporâneo. Para além de “obras com sentido, que tratem da realidade da classe trabalhadora”, as artes possibilitam explorar as contradições na realidade de maneira criativa e diversa, algo que a UP recusa aceitar.

Para a Unidade Popular o centro está em retirar da arte toda a sua profundidade, não em batalhar pelo mais amplo acesso à cultura e à educação pelos setores explorados e oprimidos. Parte-se de uma compreensão dos trabalhadores como receptáculos, passivos, incapazes de apreciar, compreender e ressignificar além da aparência das coisas. Ao invés de se discutir sobre a redução da jornada de trabalho e a revogação das reformas que impedem concretamente o acesso aos mais diferentes espaços culturais, por exemplo, a UP opta por expressar uma visão nada marxista e pouco dialética sobre a arte.

O conteúdo da arte que eles defendem é claro, expresso pelo autor como “garantindo a referência aos heróis e líderes da classe trabalhadora e dos povos no mundo, a reprodução de frases revolucionárias [...] relembrando sempre a defesa do poder popular”. É certo que referenciar figuras históricas e frases com caráter revolucionário podem ser materiais para a arte revolucionária. Porém, o mundo é muito mais vasto e vivo para que os artistas se limitem a esses clichês. Em outro texto defende que a imagem tem função de mostrar “a beleza do nosso povo, a solidariedade de classe presente no cotidiano dos trabalhadores, o encanto do lugar onde vivemos e das pessoas que somos.” Essas temáticas, dos grandes heróis, de frases de efeito, de mostrar o belo e o encantador, são mais próximos de uma concepção de arte da burguesia romântica do século XVIII do que da atualidade.

Essas concepções conservadoras do que é a arte não são estranhas para aqueles que desejam resgatar a tradição de Stalin e do Realismo Socialista, que foram responsáveis pela censura de diversos artistas, além de perseguição, exílio e assassinatos.

Stalinismo e Realismo Socialista

Como mencionado, as concepções totalmente atrasadas do que pode ser a arte pela UP derivam da tradição que eles reivindicam, que é a tradição do stalinismo albanês. Na arte e na cultura, o stalinismo teve papel de censurar e perseguir artistas, impondo perspectivas equivocadas sobre a produção artística, confluindo com as concepções equivocadas de socialismo e de revolução que propagaram e ainda propagam.

Com a burocratização da URSS, as políticas de avanço na socialização do conhecimento e da cultura instaurada pelos bolcheviques foram abandonadas. Do aborto, à liberdade sexual e à livre criação artística, Stalin crimaniliza todos afirmando serem ideologias degenaradas. Então a burocracia stalinista persegue as vanguardas artísticas, afirmando que a arte produzida era abstrata demais para que os trabalhadores entendessem. A vivacidade dos debates e a liberdade artística são trocadas pelo monótono realismo socialista, que impõe a reprodução mecânica de frases propagandísticas, assim como uma idealização de líderes, do partido e do Estado.

Essa visão comum aos stalinistas, de que os trabalhadores são incapazes de entender a arte é um elitismo que propagam como se fosse uma análise revolucionária. Afirmam que os trabalhadores não possuem sensibilidade para a arte, de não serem inteligentes o suficiente para entender. Isso jamais foi a posição marxista sobre a arte e cultura.

A crítica marxista para o acesso à cultura no capitalismo, não visa simplificar a ciência e a arte para ser de fácil acesso para os trabalhadores que não conseguem compreender. Pelo contrário, é saber que os trabalhadores possuem plenas capacidades de desenvolvimento da ciência e das artes, porém o acesso ao conhecimento os é negado. Assim a luta dos comunistas é que o acesso à educação seja universal, que os museus, os shows, os teatros sejam controlados pelos trabalhadores, artistas e pela população. Isso significa a luta pelo fim da propriedade privada a nível internacional, não de imposições estéticas aos artistas.

Na Rússia a política de perseguição aos que não seguissem as normas da estética oficial, resultou na censura, no exílio e na morte de diversos artistas. Uma situação como essa teve relação direta com o suicídio de Maiakovski, que os stalinistas citam, sem entender que a arte de Maiakovski era completamente o oposto do realismo socialista. Artistas como Shostakovich e Eisenstein produziram arte andando sempre no limiar do que era permitido, sendo qualquer crítica ao regime stalinista ou as contradições soviéticas, um motivo para serem ameaçados pela burocracia.

No Brasil, por meio do PCB, os artistas do modernismo tiveram relações de tensões e de conflitos com as políticas do partido que censurava os artistas, tentando fazer com que eles retirassem de sua arte tudo o que a semana de arte moderna tinha contribuído para a arte brasileira. Nas décadas seguintes, essa relação tensa entre os artistas e os stalinistas se manteve, com por exemplo embates do Cinema Novo e da Tropicália com a política nacionalista e conservadora da juventude stalinista brasileira. Esse nacionalismo se mantém até hoje, como expresso no texto “Opinião: a arte sob o governo facista” no início desse ano, que a UP afirma ser necessário de uma arte “feita para o povo Brasileiro, pelo povo Brasileiro e a partir do povo Brasileiro”. Fingindo-se marxista, essa frase nada passa de um populismo nacionalista. Uma tentativa conservadora e idealista de se retirar da produção internacional da arte, assim como um abandono do internacionalismo presente no marxismo desde suas origens.

Arte e Marxismo

A política para a arte do marxismo, diferente do controle autoritário sobre seus temas e sobre sua forma, que se limita aos punhos cerrados sobre um fundo preto e a imagens de Stalin como um grande herói, que teme uma arte subversiva e crítica sendo debatida e produzida pelos trabalhadores, a arte para o marxismo pode cumprir uma função libertária que busca se envolver com a vida e que deseja criar uma nova sociedade e um novo ser humano.

Como afirma Trotsky e Breton no Manifesto da FIARI:

“A revolução comunista não teme a arte. Ela sabe que ao cabo das pesquisas que se podem fazer sobre a formação da vocação artística na sociedade capitalista que desmorona, a determinação dessa vocação não pode ocorrer senão como o resultado de uma colisão entre o homem e um certo número de formas sociais que lhe são adversas. Essa única conjuntura, a não ser pelo grau de consciência que resta adquirir, converte o artista em seu aliado potencial”

Para os comunistas, a arte é espelho para interpretar o mundo e um martelo para mudá-lo. Enquanto os stalinistas reproduzem as mesmas idealizações e erros do século passado, nós defendemos uma arte livre para ser arte, se baseando no legado de Trotsky e outros intelectuais e artistas que buscaram combater as políticas de censura e perseguição vindas do capitalismo, do facismo e do stalinismo. A arte para os trotskistas está nas imaginações que fogem à lógica das pessoas que vivem com olhos fechados para a complexidade da vida. Dos poemas sobre amor de Maiakóvski, dos anti-heróis e figuras pictóricas do modernismo brasileiro, do som das guitarras elétricas, da juventude que produz arte hoje na internet e na rua, a arte revolucionária pode ter muitos temas e formas, muito além dos limites impostos pela UP.

Diante da crise capitalista, dos movimentos reacionários se faz necessário uma arte emancipadora e libertária. De uma arte que escape do que deseja a burguesia, de uma arte que não se prende às ilusões reformistas, nem ao conservadorismo stalinista. “Toda licença em arte”. Nós da Faísca Revolucionária desejamos retomar a necessidade de uma arte revolucionária independente e convidamos a quem quiser debater e conhecer nossas posições a conhecer o “Carcará, semanário de arte e cultura”.

“O que queremos:
A independência da arte - para a revolução
A revolução - para liberação definitiva da arte”


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André Higa

Estudante | Escola de Comunicação e Artes da USP
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