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Uma menina diz greve

Celeste Murillo

Uma menina diz greve

Celeste Murillo

As greves de trabalhadoras e trabalhadores de categorias não sindicalizadas ou sem direitos trabalhistas marcaram as últimas décadas. Porém, as greves da classe trabalhadora precária não são uma novidade.

Bing Crosby escreveu a canção "I Found a Million-Dollar Baby in a Five-and-Ten-Cent Store" (uma tradução livre para o português brasileiro poderia ser "Encontrei um amor de um milhão de dólares em uma loja de R$ 1,99"). Sempre que a música era tocada, muita gente pensava em Barbara Hutton, herdeira da maior rede de lojas dos Estados Unidos. Seu avô, Frank Woolworth, havia inventado a fórmula que até hoje enriquece gigantes como a Walmart: para ganhar vendendo barato, você tem que ter mão de obra barata. Nos EUA da Grande Depressão, essa era uma das poucas opções de emprego para meninas jovens, é por isso que quando a greve de 1937 começou em Detroit, metade dos funcionários de Woolworth eram meninas solteiras que tinham entre 16 e 18 anos e moravam com sua família.

Dois dias antes do início de 1937, um pequeno sindicato venceu a General Motors em Flint, perto de Detroit. Com o apoio de um grupo de jovens militantes de esquerda, os operários da indústria automobilística e suas esposas mostraram um horizonte alternativo: organizar, lutar e, acima de tudo, vencer. As lojas de Woolworth eram muito populares, em seus armazéns as famílias trabalhadoras tinham acesso a coisas que eram exclusivas dos ricos, como decorações de Natal. Mas ao mesmo tempo, as lojas de Woolworth monopolizaram a produção que se dava nas pequenas fábricas e sufocava as empresas locais com seus baixos preços. O ingrediente explosivo de sua má publicidade foi a neta de Woolworth, o "amor de um milhão de dólares": Barbara Hutton. as funcionárias de suas lojas trabalhavam dez horas por dia em pé e Hutton gastava dois milhões de dólares em joias em um único dia.

Num sábado qualquer, uma garota diz greve

Em 27 de fevereiro de 1937, em uma manhã de sábado, as trabalhadoras de Woolworth interromperam sua atividade de trabalho aos gritos de "greve". Com o apoio da Waiters and Waitresses Union (Sindicato dos Garçons e Garçonetes) e dos meninos que ajudavam os clientes a carregarem suas compras, elas fecharam as portas do prédio de tijolos no centro de Detroit com clientes e gerentes dentro. Suas demandas: reajuste salarial, horas extras, 40 horas semanais, uniformes pagos pela empresa, horas de descanso e reconhecimento sindical. O gerente disse: "Vá para casa, conversamos na segunda-feira", mas elas sabiam que, se saíssem, perderiam. Elas não tinham experiência sindical, mas acompanharam a greve contra a General Motors nos jornais e no rádio. Entre seus amigos da Waiters and Waitresses Union estavam Mira Komaroff e Floyd Loew, que organizaram o refeitório em Flint com a Brigada Auxiliar de Mulheres de Genora Johnson Dollinger.

No mesmo sábado, eles elegeram seu comitê de greve, liderado por Vita Terral. A administração tentou fazer com que o protesto passasse despercebido, mas a partir daquele dia, a sede de Woolworth se transformou em um ímã da mídia e sindicatos em todo o país.

A imagem das grevistas era um tema em si. Ao serem jovens, usarem maquiagem e cortes de cabelo elegantes, a mídia construía uma imagem que inspirava solidariedade, mas também condescendência. As grevistas não eram ingênuas e usavam isso a seu favor sempre que podiam. "Quando reconhecerem nosso sindicato em todas as lojas, trabalharemos menos e teremos salários dignos", dizia o primeiro registro da agência de notícias Pathé, exibida nos cinemas antes dos filmes. O público viu garotas em greve ocupando seu local de trabalho enquanto cantavam uma música zombando da herdeira da fortuna de Woolworth:

Barbara Hutton has the dough, parlez vous (Barbara Hutton tem a grana, parlez vous)
/Where she gets it, sure we know, parlez vous (Onde ela consegue, sabemos de onde sai, parlez vous)
/We slave at Woolworths’ five-and-dime (Nos escravizam na Woolworths’ por R$ 1,99)
/The pay we get sure is a crime" (A grana que recebemos é um crime)

A melodia era de "Mademoiselle from Armentieres", uma canção popular na Primeira Guerra Mundial que elas adaptaram para zombar de Hutton e seu gosto por roupas e joias caras.

A revista Life as dedicou quatro páginas intituladas "Camp Woolworth", onde repetiam preconceitos e estereótipos sobre as mulheres. Mas, ao mesmo tempo, levavam essa experiência para outros lugares, como lojas Woolworth em outros estados (assim registrou a poetisa May Swenson, que foi ver o "estilo de vida" de Nova York e acabou publicando fotos da luta de classes).

A historiadora Dana Frank, em um capítulo do livro Three Strikes, conta que o apresentador de rádio H. V. Kaltenborn, famoso por suas crônicas da Revolução Espanhola, celebrou as ações das grevistas, "A CIO [central sindical] deve aprender com as meninas de Woolworth sobre estratégias de greve". Talvez ele estivesse exagerando, mas o importante foi que ele amplificou em todo o país a ação de uma greve que desafiava as regras, como ocupar a propriedade privada ou ignorar a proibição da sindicalização.

As "meninas de Woolworth" usavam os preconceitos da fragilidade feminina como escudo: quem mandaria a Guarda Nacional expulsá-las violentamente? Quem iria ficar do lado do dono que todos odiavam? Uma das abordagens mais preconceituosas para tirar a seriedade de sua luta foi dizer que as grevistas, na realidade, estavam preocupadas em conseguir um marido e é por isso que elas se maquiavam e chamavam seus namorados, algo que nunca foi especulado nas greves realizadas por homens. Uma imagem que circulou foi a de algumas trabalhadoras lendo um livro de dicas para conseguir um marido, mas "’conseguir um marido’ era de fato uma estratégia econômica inteligente. Pense nisso: elas eram jovens trabalhadores nas profundezas da Grande Depressão. Quais eram as opções? Permanecer solteiras, continuar a trabalhar, aderir a um sindicato, fazer greves, melhorar o seu salário e as suas condições de trabalho. Ok, elas estavam fazendo isso", diz Dana Frank, analisando alguns discursos da mídia. Mas nem todo mundo viu a mesma coisa, uma agência de notícias relatou – talvez por acaso – que um trabalhadora disse ao telefone: "Claro que eu te amo, mas agora estamos em greve até vencermos".

Antes que a administração cedesse à ameaça de uma greve nacional, outras empresas da cidade aumentaram os salários e melhoraram algumas condições para evitar que a onda batesse à sua porta. Em 5 de março, Woolworth concordou com todas as exigências porque ele não tinha muitas outras opções. Mas nenhuma vitória é permanente. Em Woolworth, como em outros lugares, a empresa avançou contra as conquistas assim que teve a oportunidade, suas trabalhadoras tiveram que lutar novamente, como fazem hoje, em uma tentativa incessante apoiada por esse antagonismo impossível de reconciliar permanentemente; Se um ganha, o outro perde.

A ação das mulheres trabalhadoras e dos setores populares expulsa a mistura de preconceitos que recaem sobre elas: gênero e classe. Desmentem aqueles que disseram que elas são o elo fraco de uma classe que, ao contrário, se fortaleceu a partir de cada uma de suas lutas, e aquelas que "agem como irmãs mais velhas" da sororidade e não acreditam que elas são as protagonistas de sua própria luta, que se potencializa e enriquece por todas nós que lutamos contra a opressão.


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