×

Encontro Pão e Rosas | "Vamos construir uma grande campanha contra o trabalho precário, que tem rosto de mulher negra", confira a entrevista com Diana Assunção e Vitória Camargo

No dia 25 de março, irá se realizar em diversos estados e regiões do país o Encontro Comunista do Pão e Rosas “Feminismo socialista, antirracismo e revolução”. Conversamos com Diana Assunção, fundadora do Pão e Rosas e organizadora do livro A Precarização tem rosto de mulher, e Vitória Carmargo, mestranda da Unicamp que estuda a precarização do trabalho, para conhecer a importância que esse tema vai ter no encontro.

quarta-feira 22 de março de 2023 | Edição do dia

ED: O Encontro do Pão e Rosas se declara como um evento comunista, você poderia explicar o porquê dessa escolha?

Diana Assunção (DA): Desde sempre, existe uma ampla campanha da burguesia contra a ideia de comunismo. Obviamente porque o comunismo é uma concepção de enfrentamento à burguesia e a toda exploração capitalista. Mas por mais que ataquem essa concepção, quanto mais a crise capitalista avança, mais a ideia comunista ganha força. Como diria Marx, é um movimento real que anula e supera todas as coisas. O que ele queria dizer com essa frase? Que o comunismo não é uma vontade arbitrária, que sai da cabeça de meia dúzia de iluminados. Ele é a expressão material da formação da classe trabalhadora, que também se forma a partir de sua atividade coletiva. E na medida em que avança historicamente nesse desenvolvimento, ele precisa se enfrentar contra a exploração capitalista e as relações materiais da sociedade existente. Nessa contradição, reside o germe do comunismo, que precisava ganhar uma força consciente para irromper na arena histórica. E nós não temos dúvida que as mulheres, negros e LGBT´s, que são a grande parte da classe trabalhadora, vão ser linha de frente desse processo inclusive se enfrentando com todo tipo de deturpação do comunismo que vemos até hoje através do stalinismo. Para contribuir para essa reflexão, eu organizei junto à Josefina Martinez a maior compilação de clássicos do marxismo sobre gênero já editada em língua portuguesa, que estará no livro "Mulheres, revolução e socialismo" das Edições Iskra, que convido todes a conhecer.

ED: E como essa ideia da luta pelo comunismo se apresenta para os dias atuais?

Vitória Carmargo (VC):Olha, imagino que todes devem estar acompanhando com atenção a enorme batalha da classe trabalhadora francesa contra a reforma da previdência do Macron. Há alguns meses, o Macron era tido como um governo poderoso, e agora circulam por todas as redes sociais a polícia tendo que recuar frente aos enormes batalhões operários que se formam nas manifestações. Nesses batalhões, sempre fazemos questão de lembrar, estão as mulheres, mulheres negras e imigrantes, trabalhadoras de diversos ramos que são cada vez parte mais expressiva da classe trabalhadora, em alguns países inclusive se tornando majoritária. Se o neoliberalismo avançou na fragmentação da classe trabalhadora por mil e um mecanismos de divisão e precarização do trabalho, essa classe também numa foi tão extensa ou feminina. Creio que a França é um exemplo bem concreto de uma atualização da luta contra o capitalismo nos dias atuais. Inclusive o machismo e o patriarcado servem justamente para impedir que a luta das mulheres possa atingir seu máximo potencial, porque essa seria uma questão decisiva. Sempre me vem à cabeça a frase da Louise Michel, fazendo referência a Comuna de Paris: "Cuidado com as mulheres quando se sentem enojadas de tudo o que as rodeia e se levantam contra o velho mundo. Nesse dia nascerá o novo mundo". Está mais do que nunca colocado para as mulheres protagonizar alguns dos capítulos mais emocionantes da luta de classes mundial.

ED: Porque a questão do trabalho precário é um tema tão central para o Pão e Rosas?

DA: A precarização do trabalho, que envolve várias modalidades que podem ir da uberização até o trabalho análogo à escravidão, é uma das faces mais brutais da exploração capitalista. Não é à toa que dentre esses setores estejam as mulheres, e no Brasil, em particular, as mulheres negras. Isso ocorre porque o capital se apropria da opressão machista e patriarcal, que é anterior ao modo de produção capitalista, criando uma poderosa relação entre exploração do trabalho com a mais-valia e a subordinação de um grupo social para melhor explorar. Essa tese, que em si mesma resguarda um dos grandes e profundos debates entre marxismo e feminismo, apresenta uma visão de mundo a partir da qual a emancipação feminina não será alcançada sem destruir neste momento as poderosas amarras do sistema capitalista, que transformaram o mundo em uma suja prisão. O trabalho precário é justamente um desses elos que mantém de pé o capitalismo. Para unificar nossa classe e dar um golpe decisivo nesse sistema de miséria, é fundamental que a batalha contra a precarização do trabalho seja prioridade em qualquer organização que se diga revolucionária e também nos movimentos feministas.

ED: Nos últimos dias, surgiram na mídia vários casos de trabalho análogo a escravidão, como vocês interpretam essa realidade?

VC: A terceirização tem sido a porta de entrada para o trabalho escravo no Brasil. Representa o signo do trabalho precário que atinge em cheio as mulheres e os negros e tem se intensificado nos últimos anos após o golpe institucional. Bolsonaro era a representação direta desse projeto, simbolizado na campanha por uma "carteira de trabalho verde e amarela" e que inclusive era carregado de misoginia e de ataques frontais a direitos fundamentais, como o direito ao aborto. Do ponto de vista do trabalho, o que vimos foi uma situação que foi potencializada pela reforma trabalhista e por todas as reformas, e que Lula já garantiu que não vai revogar, bem como não vai legalizar o aborto. Esse é um tema estrutural para o país. Inclusive, nos anos anteriores dos governos petistas a terceirização aumentou brutalmente, atingindo mais de 13 milhões de pessoas. Garantir a igualdade salarial só será possível com uma forte luta da classe trabalhadora e das mulheres e negros, já que nesse novo mandato Lula assinou um projeto de lei e depois lavou as mãos relegando à justiça e ao Congresso a aprovação. A mesma justiça que aprovou a reforma trabalhista e um Congresso cheio de bolsonaristas. Ao mesmo tempo, sem revogar a reforma trabalhista, sem acabar com o trabalho precário, não é possível dizer que vai existir igualdade salarial entre os diferentes gêneros. É esse o abismo concreto que joga milhões de mulheres nos postos de trabalho mais precários. Ou seja, não existe igualdade salarial entre homens e mulheres sem enfrentar a burguesia que se beneficiou dos últimos anos para avançar contra nossos direitos, sem por fim à terceirização e à uberização, que vai muito além dos trabalhos de entrega e é justamente uma nova tendência no mundo do trabalho.

ED: E como será essa campanha contra a precarização do trabalho que o Pão e Rosas pretende impulsionar?

DA: Nós vamos querer impulsionar uma grande campanha, com diversos intelectuais, juristas, artistas, trabalhadores das mais diferentes categorias, estudantes de diversas universidades do país, com secundaristas e todes que quiserem se somar a um manifesto contra a terceirização, pela revogação integral da reforma trabalhista e por direitos iguais para todes. Queremos não só colher assinaturas, mas também impulsionar debates, atividades, panfletagem e todo o tipo de iniciativa para que essa seja uma pauta central nos dias atuais. Não dá mais para aceitar esses níveis escandalosos de exploração e precarização. E em cada local de trabalho ou estudo queremos que este Manifesto seja uma ferramenta concreta para levar a luta por direitos iguais. O Pão e Rosas tem batalhado desde o seu surgimento pela efetivação dos trabalhadores terceirizados nos serviços públicos sem a necessidade de concurso, e queremos seguir nessa luta defendendo direitos iguais em cada local de trabalho por todo o país.

ED: Por fim, querem deixar um recado aos nossos leitores?

VC: Essas são algumas ideias que iremos debater no dia 25, sábado. Não deixe de nos procurar, cada mulher e trabalhadora nessa luta é fundamental. Precisamos nos organizar para lutar pelas nossas pautas, urgentemente. Por isso, todes que quiserem ir ao Encontro Comunista do Pão e Rosas, pode se inscrever neste link, estão todes convidados!




Comentários

Deixar Comentário


Destacados del día

Últimas noticias