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JORNADAS DE JUNHO
De abril a junho de 2013: Quando a juventude de Porto Alegre inspirou o Brasil
Valéria Muller

Há cinco anos atrás o Brasil viva um dos mais importantes momentos de sua história recente. Após mais de uma década de estabilidade política, a juventude saía às ruas para fazer ecoar pelo país as contradições da crise capitalista e do esgotamento do ciclo petista. Porto Alegre foi a primeira cidade a derrubar o aumento da passagem de ônibus, convocando a juventude do país às ruas.

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Era uma noite de abril quando milhares de pessoas protestavam contra o aumento do preço dos ônibus em Porto Alegre. Em 2013, desde o início do ano, os protestos já vinham tendo muito mais adesão do que em anos anteriores. Se somava na pressão uma importante mobilização dos trabalhadores rodoviários, que também tendia a confluir com os anseios da juventude. Quando o aumento foi derrubado esses mesmos rodoviários saudavam os jovens que subiam nos ônibus, voltando do protesto. No dia seguinte plaquinhas escritas à mão informavam o valor menor da tarifa nos ônibus, expressando como os empresários do transporte não esperavam ser derrotados e nem queriam que sua derrota se consolidasse.

"Pode chover, pode molhar, mais um aumento eu não vou pagar", ou mesmo "eu quero passe livre já", era o que cantavam as ruas naquelas noites chuvosas. Uma espécie de "êxtase coletivo" tomava a juventude. Depois de anos de protestos sem grandes resultados, finalmente os empresários do transporte e a prefeitura tiveram que se render à força da mobilização. Os protestos eram convocados e organizados por diversas correntes de esquerda que se unificavam no Bloco de Lutas Pelo Transporte Público, um tipo de frente que todos os anos se reunia para discutir o aumento da passagem.

Engels em sua introdução à obra de Marx "As Lutas de Classes na França de 1848 a 1850" fala da impossibilidade de "recuar até as últimas causas econômicas" dos acontecimentos da história do dia a dia. Destaca que tratam-se de "fatores multiplamente imbricados e em permanente mudança, fatores dos quais os mais importantes atuam na maioria dos casos durante muito tempo às ocultas antes de, repentinamente, se fazerem valer com violência à superfície". Em Porto Alegre, esses fatores que gestaram as Jornadas de Junho já vinham se expressando com mais ou menos violência na superfície pelo menos desde o fim de 2012.

Os ventos quentes dos fins da primavera daquele ano traziam ares de insatisfação entre a juventude, que pelo mundo voltava a se erguer. No final de 2012 surgiam em Porto Alegre inúmeros movimentos de ocupações de espaços públicos com eventos culturais independentes. Uma das praças onde a juventude se reunia era justamente onde a Fifa resolveu erguer um de seus Tatu’s da Copa do Mundo de 2014. O episódio que ficou conhecido como "A Batalha do Tatu" chocou a cidade e repercutiu no país todo: a Brigada Militar, a mando do governador Tarso Genro (PT), reprimiu violentamente um evento cultural que acontecia na praça onde estava o boneco inflável da Copa. Em meio à confusão e à violência da polícia, o boneco foi esvaziado. As imagens da brutal violência policial naquela noite e também do Tatu da Fifa caindo rodaram o Brasil.

A Primavera Árabe, assim como Los Indignados, Ocuppy Wall Street, os estudantes chilenos e outros movimentos em que a juventude se colocava com um fator político da situação, foram processos que demarcaram as primeiras reações à crise capitalista que se estende até hoje. As Jornadas de Junho colocam o Brasil no mapa dessas revoltas.

Em Porto Alegre, quando o Brasil todo se erguia - e não só por R$0,20 - a esquerda organizada no Bloco de Lutas Pelo Transporte Público chegou a titubear para convocar protestos, uma vez que a passagem de ônibus já tinha sido reduzida meses antes. O Bloco de Lutas era uma espécie de bloco político que concentrava todas as correntes de esquerda, além de autonomistas e independentes. MES/PSOL, PSTU, PCB, FAG, entre muitos outros grupos compunham o Bloco de Lutas. Entre todas as diferenças chegaram em um consenso programático de "transporte 100% público e passe livre", embora na prática o que sempre teve mais centralidade foi o valor da passagem.

Quando a direita entrou com mais força nos protestos, o Bloco de Lutas conseguiu ser um fator de contenção desse fenômeno em Porto Alegre. Também foi um polo de atração de novos setores que despertavam para o ativismo naquele momento. Apesar disso, jamais avançou de uma aglomeração das correntes de esquerda para ser uma ferramenta de auto organização da juventude de Porto Alegre, com representantes votados nas escolas e universidade, que pudesse unificar, coordenar e fazer avançar a luta em toda a cidade. As próprias direções do Bloco de Lutas impuseram esses limites. No mês seguinte ao auge dos protestos, o Bloco de Lutas ocupou a Câmara de Vereadores de Porto Alegre. De lá saiu com um projeto de lei que visava a municipalização dos transportes, para o qual durante algum tempo ainda coletaram assinaturas com a esperança de pautar na Câmara como um projeto de iniciativa popular. Nada disso jamais se concretizou, e a coleta de assinaturas acabou sendo parte do refluxo das ruas.

Os ativistas e organizações que estiveram à frente das articulações do Bloco de Lutas foram utilizados pela repressão estatal como forma de exemplificar o que os governos capitalistas reservam àqueles que se mobilizam. Organizações como a Federação Anarquista Gaúcha e militantes que na época se organizavam em partidos como PSTU e PSOL tiveram suas sedes e casas invadidas pela polícia. Objetos pessoais como cadernos, agendas, livros, computadores, além de documentos políticos, panfletos, faixas e até instrumentos musicais foram vasculhados e recolhidos arbitrariamente pela polícia. Alguns deles respondem processos até hoje. A criminalização dos articuladores do movimento, assim como a brutal repressão nas ruas que resultou em dezenas de presos e processados, é a principal resposta dos governos à juventude que naquele momento se erguia para questionar este sistema político apodrecido.

Depois de junho

Passados cinco anos de junho, ao mesmo tempo em que ainda se disputa sobre o que significou esse processo e sobre seu conteúdo, também seus efeitos mais profundos se fazem sentir. Foi junho que demarcou o fim do ciclo petista, que na época governava há mais de uma década com uma situação nacional estável e praticamente sem luta de classes. O PT vinha demonstrando satisfatoriamente à burguesia sua capacidade de conter os movimentos de massas, e Junho de 2013 questionou também essa capacidade. A juventude expôs a olhos vistos, nas ruas de todo o país, o quanto os políticos já não eram mais capazes de representar a maioria da população. Nas manifestações os cartazes traziam problemas estruturais do país, como saúde e educação, que obviamente nos dias de hoje não só não foram resolvidos mas se aprofundam com políticas como a PEC do teto de gastos do governo golpista.

A disputa encarniçada que se abriu naquele momento pra saber quem capitalizaria toda aquela insatisfação ainda hoje também não se fechou até o final. Ninguém se esquece do giro de 180º da Rede Globo, que em um dia falava contra os "baderneiros" e imediatamente no dia seguinte saudava os manifestantes "pacíficos". A direita tentou se enfiar nas manifestações e pendurar bandeiras verde-amarelas nelas, mas os efeitos imediatos de junho ainda apontavam decididamente à esquerda: Em 2013 as ocupações de Câmaras de Vereadores por todo o país e a massiva greve de professores no RJ, entre outros fatores, mostravam isso.

Junho foi um levante principalmente de juventude, que abriu as portas para a entrada em cena do movimento operário em 2014, o ano das greves: em Porto Alegre os mesmos rodoviários que abriram caminho à juventude paralisaram totalmente a cidade, contra a burocracia sindical, a mídia e com amplo apoio popular. Foram quase 15 dias sem nenhum ônibus na rua. O carnaval daquele ano foi marcado por nada menos que a massiva greve dos garis do RJ, uma verdadeira explosão de indignação e irreverência que cativou o país. Ao longo daquele ano as greves não cessaram e, se não ultrapassaram os limites das demandas de cada categoria, é por responsabilidade direta da burocracia sindical da CUT e CTB, que jamais atuou no sentido de unificar as lutas, pelo contrário.

Porém não só os trabalhadores aprenderam com junho. A direta também entendeu que era necessário sair às ruas, e 2015 é justamente o ano da transição, em que a correlação de forças vai se voltando à direita, culminando no golpe institucional em 2016. Movimentos como MBL, Vem Pra Rua e outros ratos da direita se massificam de maneira impressionante. Isso endossa a visão petista de que Junho foi "o início do golpe". Em seu oportunismo e em seu desespero por não ter controlado as ruas em junho, o PT rotula de direita todo o movimento. Assim busca esconder sua grande responsabilidade de, tanto em 2014 como em 2016 e, depois, nas greves gerais traídas de 2017, ter sido parte de derrotar as lutas operárias e, assim, ser também responsável pelo fortalecimento da direita, pelo golpe e sua continuidade. Com seus anseios eleitorais e de manutenção da estabilidade burguesa, o PT demonstrou repetidas vezes que teme mais a classe trabalhadora organizada e qualquer potencial de superá-lo enquanto direção do que a própria direita.

Em 2016 foi a juventude o primeiro setor a responder nacionalmente ao golpe. A política das novas direções autonomistas recém surgidas e das velhas direções burocráticas do movimento estudantil e também dos trabalhadores (UNE, CUT, CTB) impediu que a revolta da juventude, que ocupou instituições de ensino no país todo contra a PEC do teto de gastos, se espalhasse por outros setores e pela classe trabalhadora. Assim Temer e os golpistas tiveram caminho livre para esmagar a luta dos estudantes em um verdadeiro cenário de guerra durante a votação da PEC em Brasília. A imagem da casta política admirando a repressão em um de seus coquetéis bancados com o dinheiro do povo é simbólica. Em 2017 foi o gigante operário brasileiro que fez tremer o país, apesar de suas direções traidoras.

Junho abriu uma profunda fratura no regime político brasileiro. O desgaste do PT como principal elemento de contenção das massas desde a redemocratização, os novos fenômenos políticos e eleitorais pela direita e pela esquerda, o perecimento da casta política e das instituições frente aos olhos das massas. Tamanha crise não deve se fechar pacificamente. Apesar do fortalecimento da direita no caminho livre deixado pela política petista, de buscar a todo o custo a estabilidade do regime, não terminou de se fechar o ciclo aberto pelas mãos da juventude em 2013. Os maiores embates ainda estão por vir.

As eleições de 2016 e agora de 2018 mais uma vez demonstram essa crise. O impressionante número de abstenções e votos nulos, e o fato do candidato à presidência mais popular entre as massas estar preso são bastante auto-explicativos sobre a profunda crise política. O desemprego, que afeta principalmente a juventude, a degradação social, a reforma trabalhista, as disputas entre as frações da classe dominante como mostra a mobilização das patronais dos caminhoneiros que parou o país, entre tantos outros fatores extremos abrem espaço para soluções de força. A direita joga na mesa suas respostas mais radicais principalmente com Bolsonaro e os absurdos que defende, as também com a politização das forças armadas e ataques absurdos como aqueles contra as caravanas de Lula. O PT já demonstrou tanto quanto pode que seguirá seu curso conciliador, acumulando derrotas à classe trabalhadora, e sacrificando o próprio partido.

Toda esquerda se disciplina pela política petista ou capitula diretamente à burguesia. As soluções de força da classe trabalhadora só podem ser levadas à frente com independência política em relação à todas as frações da classe dominante e dos traidores da classe explorada, e se enfrentando decididamente com a espoliação imperialista no país. Em uma palavra: os anseios de Junho de 2013 só podem ser atendidos até o final pelas mãos da classe trabalhadora.

 
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