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Tragédia anunciada: Por que Manaus é um exemplo do que o regime do golpe quer para o Brasil
Pedro Rebucci de Melo

Manaus, assim como a região Norte de conjunto, apresenta diversas características do que a burguesia deseja para o Brasil: precarização da saúde pública, negacionismo científico e hegemonia dos empresários.

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FOTO: BRUNO KELLY / REUTERS

O Brasil que assiste petrificado aos desdobramentos do colapso no sistema público de saúde do Amazonas e agora também em outros estados da região Norte, como Acre e Roraima, mal sabe que para Bolsonaro e os golpistas o Norte é um modelo a ser seguido, um exemplo do que querem estender para o conjunto do país: uma região historicamente negligenciada, onde a presença do estado é mínima, onde o controle dos empresários sobre a política é extremo e onde, consequentemente, o combate à Covid-19 foi ainda mais secundarizado em prol da manutenção dos lucros dos grandes patrões.

O exemplo de Manaus é esclarecedor nesse sentido. Com mais de 2 milhões de habitantes, é a sétima cidade mais populosa do Brasil, a mais populosa da região Norte e seu principal centro econômico, industrial e financeiro. Ainda assim, possui uma das piores infraestruturas públicas do país, especialmente na saúde, onde conta com menos de 10 hospitais públicos para atender toda a população da capital e da maior parte dos municípios do interior do estado, que normalmente não contam com nenhuma assistência médica local ou, no máximo, um posto de saúde. É também um dos estados com pior acesso ao saneamento básico, o que potencializa a difusão de uma doença que vem sendo combatida essencialmente através de medidas básicas de higiene.

Para além dessa precariedade estrutural do sistema de saúde do Amazonas que recai sobre a capital, Manaus também vem passando por um processo de precarização e privatização da saúde pública que abriu caminho para o morticínio que estamos vendo com pandemia. Em 2012 foi aprovado em Manaus um projeto de lei que permite a privatização das Unidades Básicas de Saúde (UBS) através da concessão desses equipamentos públicos para a gestão da iniciativa privada, modelo que inspirou a proposta do governo Bolsonaro no final do ano passado de privatização de todas as UBS do país.

Também é o mesmo modelo das Organizações Sociais (OS), que administram centenas de hospitais públicos e outros equipamentos públicos de saúde pelo país, e costumeiramente são denunciadas em escândalos de corrupção e superfaturamento, como o caso do Instituto de Atenção Básica e Avançada à Saúde (IABAS) que levou ao pedido de impeachment do ex-prefeito do Rio de Janeiro Marcelo Crivella no ano passado.

Essa situação desesperadora da saúde em Manaus é agora amplificada pela falta de repasse de verbas pelo governo federal, que diminuiu a oferta de leitos e de UTI bem no auge da segunda onda de contágio, alegando ter que respeitar o teto de gastos, mas nem mesmo utilizou ainda as verbas destinadas ao combate da pandemia em 2020 que estavam disponíveis.

A disputa política em Manaus e no Amazonas também é bem ao gosto do regime do golpe, com duas alas políticas neoliberais e conservadoras disputando a hegemonia no estado desde a redemocratização e revezando entre si no poder – um exemplo luminoso para os inúmeros setores da burguesia que defendem como “saída”, contra a extrema direita clássica de Bolsonaro, o neoliberalismo radical de Dória ou de um Huck. Como mostra o exemplo do Amazonas, não existe diferença entre essas alas, pois ambas são representantes dos interesses dos grandes empresários, divergindo nos detalhes, mas sempre unidos quando o assunto é atacar e destruir as condições de vida e os direitos da classe trabalhadora.

O prefeito que implementou a privatização das UBS foi Arthur Virgílio Neto, do PSDB, que governou Manaus por três mandatos, os dois últimos entre 2013 e 2020, e que supostamente pertenceria à ala mais “progressista” do estado. Pois esse “progressista” avançou na privatização de todos as atribuições da prefeitura em Manaus, com a cidade se tornando um campo de testes para as famigeradas Participações Público Privadas (PPP), modelo onde o estado financia toda a operação e ainda garante em contrato uma taxa de lucro mínima para o empresário, que só precisa fingir que administra o bem público para ter seu lucro garantido. Virgílio também foi líder das privatizações do governo Fernando Henrique na Câmara e um dos mais convictos golpistas em 2016, mantendo uma oposição radicalmente de direita aos governos petistas desde 2002, notabilizando-se pelo seu profundo antipetismo.

Seu rival no estado pouco deixa a dever diante da extensa tradição reacionária do Brasil. Trata-se do infame Amazonino Mendes, três vezes governador do Amazonas e três vezes prefeito de Manaus, uma delas ainda como indicação do regime militar. Mendes notabilizou-se em 1986, em sua primeira campanha para o cargo de governador, quando afirmou que distribuiria uma motosserra para cada morador do interior como forma de acelerar o processo de derrubada da floresta amazônica. Desde então, deixou uma longa lista de expulsões partidárias e processos judiciais, mas sem perder seu prestígio no estado, sendo eleito governador pela última vez em 2017 e perdendo por pouco a última eleição para prefeito de Manaus.

Não é de se estranhar que essa profunda simbiose entre os interesses da burguesia e os grupos políticos que se revezam no poder tenha sido em Manaus, local onde as medidas de combate ao coronavírus tem sido mais boicotadas e inviabilizadas, dando um vislumbre vívido do que acontece quando as políticas negacionistas de Bolsonaro e dos golpistas são seguidas fielmente.

Os absurdos decorrentes do negacionismo em Manaus são tantos que fica até difícil de enumerar, desde a falta de cilindros de oxigênio até a distribuição massiva de vermífugos e cloroquina como “tratamento precoce”, passando pela controversa conclusão de que Manaus teria alcançado à imunidade de rebanho na primeira onda, conclusão bem aos moldes dos interesses dos grandes empresários do estado, os mesmos que organizaram protestos contra a implementação do lockdown no início do ano e cujas filhas se sentem no direito de furar a fila da vacina contra o coronavírus.

Todas essas características que enumeramos fazem de Manaus o espelho do projeto golpista para o país. A conjunção entre o estrangulamento da saúde pelo Teto de Gatos, além de outros ataques privatistas, combinada com o negacionismo de uma gestão alinhada ao bolsonarismo e submissa aos interesses empresariais de colocar o lucro acima das vidas produziu essa catástrofe. Ou seja, são os ataques econômicos, a ganância dos empresários, e a institucionalização do bolsonarismo feita por todo o regime os responsáveis por essa tragédia anunciada.

Para conseguir enfrentar esse regime genocida e conseguir dar uma resposta efetiva aos desafios da pandemia, é necessário que os trabalhadores levantem um plano emergencial de combate à pandemia, não um plano voltado para preservar os lucros dos empresários como tem sido até agora, mas sim um plano para salvar vidas. Medidas básicas para isso são a conversão de indústrias para a produção de insumos médicos, como poderia ser feito no caso das fábricas fechadas pela Ford, a proibição de demissões durante a pandemia e a contratação imediata de trabalhadores da saúde com todas as condições necessárias.

Um programa radicalmente eficaz de combate à pandemia como esse só pode ser realizado em conjunto com o enfrentamento direto do regime oriundo do golpe institucional de 2016, um enfrentamento que não pode ser realizado por meio de medidas institucionais como o impeachment. É preciso que lutemos pelo Fora Bolsonaro e Mourão e por uma Assembleia Constituinte Livre e Soberana em base à mobilização dos trabalhadores e do povo pobre, de forma que permita enfrentar todas as instituições do golpe institucional que sustentam esse regime degradado.

 
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