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COLUNA
Sobre a elevação da Selic
Seiji Seron
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O aumento da taxa básica de juros da economia brasileira foi maior que o esperado. Na terça-feira (23), foi divulgada a ata da reunião do Comitê de Política Monetária (Copom) do Banco Central (BC), que fixa a famigerada taxa Selic. Foi o primeiro aumento desde 2015, para 2,75% a.a. (ao ano), depois de mais de seis meses no seu patamar mais baixo da história: 2% a.a.

Por que o BC aumenta ou diminui a taxa de juros? Juros mais baixos significam maiores facilidades para que as famílias e as empresas contraiam empréstimos para consumir e investir. Portanto, a diminuição dos juros seria uma forma de estimular o crescimento econômico. Além disso, a taxa básica de juros é um referencial para as aplicações financeiras. Quanto mais alta for a taxa de juros, menor será a atratividade relativa dos investimentos produtivos, já que os capitalistas poderão “lucrar” tanto quanto ou até mais aplicando a mesma quantia em títulos, etc. Em contrapartida, juros mais baixos incentivam os capitalistas a correrem mais riscos, visando uma rentabilidade também maior, e o acesso facilitado ao crédito pode gerar pressões inflacionárias.

No início do Plano Real, a hiper-inflação foi contida através de uma âncora cambial, estabelecendo-se uma paridade de 1:1 entre a nova moeda e o dólar. Para que isto fosse viável, o Brasil precisava de volumosas reservas internacionais e, consequentemente, de taxas de juros altíssimas, a fim de atrair fluxos de capitais para o Brasil e, assim, arrecadar os dólares necessários para manter essa taxa de câmbio. Isto tornou a dívida pública brasileira um negócio extraordinariamente lucrativo para o capital financeiro internacional, e é um dos fatores que explicam a desindustrialização e a consequente reprimarização da pauta exportadora do país. As privatizações tiveram, em parte, a mesma finalidade. Posteriormente, o câmbio foi flexibilizado e adotou-se o regime de metas de inflação, que rege a atuação do Copom.

A inflação é sempre usada de justificativa para o aumento dos juros. A meta de 2021 é 3,75%, e a margem de tolerância é de até 1,5 p.p (pontos percentuais) acima ou abaixo do centro da meta. Já o Índice de Preços ao Consumidor Amplo (IPCA) acumula uma alta de 5,2% em 12 meses, o que é ainda é inferior, embora muito próximo, ao teto da meta. Na reunião de janeiro, o Copom já tinha sinalizado que aumentaria os juros gradualmente ao longo do ano retirar o forward guidance, ou “prescrição futura”. A expectativa do mercado era, porém, um aumento de 0,5 p.p em março. Agora, o Copom já cogita elevar em outros 0,75 p.p a Selic na reunião de maio. Segundo alguns analistas, a Selic deve terminar o ano em 4,5%, e atingir 5,5% em 2022.

O Copom parece achar, contudo, que a inflação é sempre, única e exclusivamente, inflação de demanda, causada pelo aumento dos gastos das famílias, das empresas ou do governo, ou por um excesso de moeda em circulação. Este não é o caso da inflação atual, cujas verdadeiras causas são o aumento dos preços internacionais dos alimentos e do petróleo, o que encarece os combustíveis e, por conseguinte, o transporte dos produtos, além da desvalorização cambial, que encarece as importações, além de favorecer as exportações de alimentos, em detrimento do mercado interno. Nestas circunstâncias, a contenção da demanda através da elevação da taxa de juros não só não terá efeito algum sobre a inflação como ainda irá se somar às tendências recessivas da economia, já agravadas pela piora da pandemia este ano.

Há quem diga que essa decisão representa uma ruptura do regime de metas de inflação, possibilitada pelo conforto que a recente aprovação da autonomia do BC propicia aos diretores da instituição. Autonomia, para os economistas da burguesia, é não atuar em prol de objetivos ditos “políticos”, como pleno emprego ou desenvolvimento econômico, mas tão somente para controlar a inflação e, assim, permitir que os “agentes privados” ou o “mercado” se encarreguem de todo o resto. Em que pese a importante mudança que representa a lei recém-aprovada, o fato é que o BC já atua dessa maneira “autônoma” desde que a Constituição de 1988 o transformou na autoridade monetária do país. É por isto que os presidentes do BC todos funcionários do alto escalão de bancos ou outras empresas financeiras privadas. Henrique Meirelles, por exemplo, foi nomeado por Lula, em 2003.

Logo, o argumento mais convincente com o qual o Copom defende sua decisão é a possibilidade de que, em um futuro próximo, as políticas de estímulo feitas em países desenvolvidos resultem em aumento das taxas de juros destes países, emissores de moeda “forte”, o que provocaria, então, fluxos de saída de capitais do Brasil. A sujeição deste país pelo imperialismo evidencia-se na medida em que a política de juros brasileira, ao invés de autônoma, é condicionada, em maior ou menor medida, externamente. Mas o que mais preocupa o BC é, na verdade, o “risco fiscal elevado”, ou seja, que o governo não seja capaz de fazer as reformas, privatizações e outros ataques em um ritmo que apraze o capital financeiro. Esta, sim, é a verdadeira motivação da elevação dos juros, que eleva também o custo de rolagem da dívida pública e a torna ainda mais rentável. No Manifesto Comunista, lê-se que o direito é simplesmente a vontade das classes dominantes expressa na forma de lei. Parafraseando Marx e Engels, eu diria que o regime de metas de inflação nada mais é que a vontade do capital financeiro expressa na forma de uma diretriz institucional.

 
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