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Letras USP
Ranqueamento em um ano de pandemia e ensino remoto: as dificuldades enfrentadas pelos calouros
Juliane Santos
Estudante | Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas da Universidade de São Paulo

O ranqueamento estimula a competição entre nós, estudantes, e nos coloca em uma lógica produtivista, nos fazendo sentir como incapazes frente ao peso da realidade da universidade nos moldes em que ela funciona hoje, principalmente na pandemia e ensino remoto. Ao mesmo tempo, o sucateamento da educação se expressa na falta de contratação de professores e na consequente falta de vagas nas habilitações.

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O período de pandemia e de crise social e econômica gera um cenário de desemprego, dificuldades financeiras, desânimo, ansiedade e depressão em muitos de nós estudantes. Para além de em nossas mentes ficar uma enorme contradição, já que nos querem fazer acreditar que devemos seguir a lógica produtivista da sociedade a qualquer custo, seguindo o "novo normal", seja trabalhando em empregos precários durante a pandemia, muitas vezes sem EPIs e sem testes e arriscando as nossas vidas todos os dias, seja na própria universidade, onde nos é exigido manter o ritmo dos estudos em todo esse contexto pela via do ensino remoto. Para os calouros da Letras USP tem-se ainda mais um desafio: competir com seus colegas e amigos por vagas para conseguir cursar a habilitação que desejam, sendo obrigados a participar de um ranqueamento que tenta esconder o verdadeiro motivo de sua existência - a falta de professores e o sucateamento da educação.

O curso de Letras da Universidade de São Paulo, uma das universidades mais elitistas do país, não é fácil de entrar, já que o filtro social e racial que é o vestibular se torna ainda mais excludente em um período de crise como o que vivemos, em que muitos jovens estão tendo que abandonar o sonho de entrar em um curso superior, seja pela necessidade de trabalhar que impede a existência de maior tempo para o estudo, seja por não ter condições materiais para se preparar para o vestibular, seja por falta de perspectiva de futuro em um país em que o desemprego é enorme e o número de trabalhos informais e precários só aumentam.

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Para além do vestibular, que já tem um difícil caminho de ser trilhado, ainda mais pelos estudantes pobres, negros, mães e LGBTQIA+, na Letras USP temos um segundo filtro: o ranqueamento, ou seja, para os alunos que querem cursar alguma habilitação além do português, como espanhol, inglês, alemão, linguística, etc.. precisam ultrapassar esse segundo filtro onde só os alunos que tiverem as melhores notas terão o direito de cursar a habilitação desejada, já que somente os melhores colocados vão conseguir as habilitações que almejam, principalmente as mais concorridas, que possuem poucas vagas disponíveis.

Nos dizem que precisamos competir entre nós e se não conseguimos a habilitação desejada nos sentimos mal e incapazes, algo que poderia ser "facilmente" resolvido se houvesse investimento na educação e contratação de professores, para que os estudantes pudessem ter o direito de estudar o que quiserem com vagas para toda a demanda.

Toda essa situação citada tem responsáveis bem claros em um governo como o de Bolsonaro, que busca sucatear a educação e a pesquisa, como com o mais recente ataque às bolsas
referentes aos programas PIBID e Residência Pedagógica, mas também nos lembramos da aprovação do Teto dos Gastos que congela verbas da saúde e educação por 20 anos no governo do golpista Michel Temer, e de todo o sucateamento das universidades estaduais gerado pelas políticas do governo do Estado de São Paulo, gerido há 20 anos pelo PSDB.

Na USP, os Parâmetros de Sustentabilidade aprovados em 2017 que congelam verbas e impedem a contratação de funcionários e professores por 5 anos, gerando ainda mais precarização nos cursos, é um fator importante quando pensamos no sucateamento existente hoje, ainda mais nas áreas de humanas, isso enquanto o reitor, atualmente o Vahan Agopyan, escolhido a dedo pelo governador do Estado, juntamente com o antidemocrático Conselho Universitário, são os que mandam e desmandam na universidade, decidindo para onde são destinadas as verbas, garantindo seus super-salários enquanto falta permanência estudantil para os estudantes que mais necessitam, o Crusp fica sem infraestrutura, e muitos estudantes ficam sem internet e condições adequadas de estudo durante o ensino remoto não recebendo um auxílio adequado da universidade.

É triste e dá raiva ver que os estudantes que mais tem dificuldades de entrar na universidade encontram grandes empecilhos para se manter nela, além de receberem inúmeras cobranças e ainda ter que enfrentar um ranqueamento no caso de nós estudantes de Letras, que exige um olhar atento e crítico pois todo o cenário explicitado nos faz refletir em um sentido de não naturalizar esse segundo vestibular que passamos, da mesma forma que nenhum vestibular deveria existir, pois estudar deveria ser um direito de todos, assim como a educação não deveria ser vista como mercadoria para garantir lucro de empresários.

Na USP, a lógica elitista diz que os negros e negras, pobres e vindos de escola pública devem entrar somente para trabalhar em serviços precários, como vemos os trabalhadores terceirizados, setor fomado majoritariamente por negros e mulheres que possuem menos direitos e salários, tendo que trabalhar nas piores condições - não nos esquecemos dos trabalhadores terceirizados que faleceram trabalhando na pandemia pois foram obrigados a seguir em sua funções mesmo sendo parte do grupo de risco. Os filhos desses trabalhadores e trabalhadoras dificilmente conseguem romper o filtro social e racial que é o vestibular, ainda mais nesse momento de crise, e essa situação explicita como, mais uma vez, os setores mais vulneráveis são os mais afetados, sejam estudantes (o sucateamento do Crusp expressa fortemente isso), sejam trabalhadores.

A batalha do movimento estudantil, em que muitos calouros dos últimos dois anos não puderam participar mais ativamente por nunca ter sequer pisado presencialmente na universidade, precisa ser contra os Parâmetros de Sustentabilidade, pela abertura do livro de contas, já que nem o direito de saber onde está sendo gasto o dinheiro público nós temos, por contratação de professores e funcionários, pela volta do gatilho automático, pelo fim da terceirização com efetivação desses trabalhadores, para que tenham condições dignas de trabalho, por permanência para toda a demanda, ainda mais com a conquista das cotas, que deveriam se dar de maneira proporcional ao número de negres e estudantes de escolas públicas por estado, pelo fim de filtros como o ranqueamento, rumo ao fim do vestibular.

Sabemos que uma universidade de elite como a USP não faz nenhuma questão de manter estudantes pobres nela, e que tudo que conseguimos até hoje em relação a permanência, cotas, etc.. foi em base a muita luta! E é nisso que precisamos nos apoiar para pensar os próximos passos de como nos organizamos, pois temos o direito de estudar, nos aliando aos trabalhadores, que, assim como nós, estão passando por situações difíceis com cortes, reformas e desemprego que afetará ou já afeta muitos de nós, assim como precisamos nos inspirar na disposição de luta de muitos setores, como vemos agora os trabalhadores, dentre eles muitos professores, lutando contra mais uma etapa da Reforma da Previdência a nível municipal para o funcionalismo público, o SAMPAPREV 2, aplicada pelo prefeito Ricardo Nunes como continuidade do ataque já feito por Bruno Covas.

Para isso é fundamental a batalha contra a paralisia que hoje se encontra o movimento estudantil, o que ocorre devido ao momento reacionário e de pandemia que impediu articulações presenciais e impactou subjetivamente muitos de nós, mas também devido a atuação das direções das entidades estudantis, como a UNE, e na USP o nosso DCE, ambos compostos pelas correntes do PT, PCdoB e Levante Popular, que assim como atuam nos sindicatos não tem uma política que fomente a autoorganização das nossas forças para lutar contra os ataques hoje, mas sim apostam em uma estratégia eleitoral, rumo a 2022, enquanto vemos o sucateamento das nossas vidas ocorrer agora.

As correntes de esquerda como PSOL, PSTU, PCB E UP, que dirigem entidades como Centros Acadêmicos, precisam também combater essa política das direções e construir um pólo antiburocrático que possa apontar uma saída por meio da autoorganização dos estudantes em unidade com os trabalhadores.

Não aceitamos que digam que não somos capazes, e nem que nossos colegas são nossos competidores, quando na verdade vemos que todo esse sistema descrito é o responsável, com seus agentes responsáveis, a reitoria que nos ataca, Doria que faz demagogia mas ataca a educação e favorece os grandes empresários, Bolsonaro e todo o regime que nesse momento de crise se movimenta para que sejamos nós a pagar por ela.

 
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