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90 anos do voto feminino no Brasil – os avanços e contradições do movimento sufragista
Patricia Galvão
Diretora do Sintusp e coordenadora da Secretaria de Mulheres. Pão e Rosas Brasil

Em 24 de fevereiro de 1932, o então presidente Getúlio Vargas assinava o decreto 21.076 que estabelecia o direito ao voto às mulheres. No ano seguinte, em 1933, as mulheres puderam votar e serem votadas para a Assembleia Nacional Constituinte. O direito ao voto foi incorporado à constituição em 1934. No entanto, além de facultativo, o voto das mulheres e dos homens era restrito aos alfabetizados. No Brasil pós-escravidão, onde o direito à instrução pública não existia e a maioria da população trabalhadora era analfabeta o exercício do voto ficou restrito a poucas mulheres, a maioria burguesas.

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A primeira onda feminista acreditava que a luta pelo direito ao sufrágio era chance de acabar com a desigualdade que as mulheres sofriam em relação aos homens perante a lei e perante a vida. As ideias liberais alardeadas pela Revolução Francesa que supunha que os conflitos entre as classes acabariam uma vez estabelecida a igualdade jurídica, não se estendiam às mulheres, consideradas de natureza frágil, incompetentes para participar da vida política. Elas tinham o status legal equiparados a de uma criança, sem direito a própria vida, seja ela política ou no âmbito privado. A politização e a instrução das mulheres eram consideradas um risco à família tradicional cristã. O caráter policlassista do movimento sufragista impôs limites às conquistas das mulheres trabalhadoras. Na Inglaterra, as lideranças burguesas das sufragistas, como Emmeline Pankhurst, transformaram a reivindicação de direito ao voto feminino em uma arma a serviço da guerra imperialista que jogou na miséria e no caos os trabalhadores europeus. No Brasil, ao restringir o direito ao voto às mulheres alfabetizadas, a imensa maioria das mulheres trabalhadoras, sobretudo as mulheres negras, eram excluídas não apenas do direito de votar, mas da vida política, dos direitos sociais e trabalhistas.

Federação Brasileira pelo Progresso Feminino: Bertha Lutz e Almerinda Farias Gama

A Federação Brasileira pelo Progresso Feminino foi criada em 1922 herdeira da Liga para a Emancipação Intelectual da Mulher, ambas criadas por Bertha Lutz. A bióloga era a principal porta-voz do movimento sufragista, foi presidente da liga até 1942 ingressou na vida política 1934 candidatando-se para a câmara dos deputados. As principais demandas levantadas pela liga visavam lutar por políticas públicas para promover a educação de mulheres, a proteção as mães e crianças e a conquista de direitos trabalhistas [1].

Bertha junto a de Carlota Pereira de Queirós, primeira deputada eleita do Brasil, presidiram uma Comissão Especial na Câmara dos Deputados para redigir um estatuto da mulher que abrangia temas como licença-maternidade e igualdade de salário ao mesmo tempo que reforçava as alianças com a Igreja defendendo a aptidão das mulheres para as tarefas do lar e de cuidado.

Embora a FBPF tenha como principais lideranças, além de Lutz, mulheres das classes média e alta, as mulheres negras também foram parte importante do movimento sufragista brasileiro.

Na Europa, as mulheres trabalhadoras abraçaram a luta pelo sufrágio como expressão da luta contra a opressão patriarcal na sua forma de dominação mais profunda. Essas mulheres saiam às ruas com ações radicalizadas, quebrando vidraças, queimando prédios, arriscando suas vidas. Embora o movimento sufragista fosse um movimento essencialmente burguês, ao levantar essa demanda tão elementar e tão democrática como o direito ao voto acabava tendo um caráter policlassista, ou seja, tinham mulheres de distintas classes, pois todas sofrem com a opressão, mas só uma parte, que é a maioria, sofre com a exploração. No Brasil, ainda que de forma diferente, houve participação expressiva das mulheres trabalhadoras e negras. Para essas mulheres, excluídas do direito ao voto e do direito a educação, a luta tomava um sentido maior que era lutar contra a exploração, a herança escravocrata e a opressão de gênero. Almerinda Farias Gama, mulher negra, advogada e sindicalista, foi um dos principais nomes, atuando ao lado de Bertha Lutz na FBPF e como delegada da Constituinte junto a Carlota Pereira de Queirós.

Pagu - "-O voto para as mulheres está conseguido! É um triunfo! /-E as proletárias? /- Elas são analfabetas. Excluídas por natureza"  [2]

Patrícia Galvão, foi a primeira presa política torturada pelo regime de Vargas. O “pai dos pobres” não poupou energia no combate aos comunistas e às organizações operárias. Enquanto o movimento sufragista buscava pelas vias institucionais conquistar direitos para as mulheres, Pagu tomava outro caminho. Militante comunista, presa 23 vezes ao longo da sua vida, ela denunciava a exclusão das trabalhadoras do direito ao voto.

Em 1931 ela assina a seção “A mulher do povo” no jornal o “O homem do povo”, editado por Oswald de Andrade. No artigo intitulado Malthus Alem, um trocadilho com o Malthus e o personagem bíblico Matusalém, ela critica as feministas burguesas que defendem o voto às mulheres cultas (ou seja, as alfabetizadas num país de analfabetos) e maternidade consciente se apoiando na tese de Malthus de que a população cresce muito mais rápido que a produção e que esse seria o motivo da miséria. Ela diz assim:

Estas feministas de elite, que negam o voto aos operários e trabalhadores sem instrução, porque não lhes sobra tempo do trabalho forçado a que se tem que entregar para a manutenção dos seus filhos, se esquece que a limitação da maternidade quase que já existe mesmo nas classes mais pobres e que os problemas todos da vida econômica e social ainda estão para ser resolvidos.

Pagu se colocava como porta-voz das trabalhadoras, denunciando a desigualdade entre os sexos junto a brutal exploração a que a classe trabalhadora, mas sobretudo as mulheres, estavam submetidas. A denuncia ao sistema capitalista e ao estado burguês, eram igualmente dirigidas às feministas liberais burguesas. Afinal, embora do mesmo gênero, há um abismo que separa as trabalhadoras das burguesas que as exploram.

A luta contra Bolsonaro, Mourão e Damares

Passados 90 anos da conquista do voto feminino, ainda é minoritária a participação política das mulheres. Cerca de 16% dos cargos legislativos da última eleição e 12% das prefeituras são ocupadas por mulheres. No entanto, o problema não se resume a falta de representatividade das mulheres. Parlamentares como Joyce Hasselman, Janaína Paschoal, ministras como Damares Alves, Tereza Cristina , juízas como Carmen Lúcia são a prova de que não se trata de mais mulheres no poder sem considerar quais os interesses de classe defendem essas mulheres.

Atacam direitos elementares das mulheres, como o direito ao aborto legal. São favoráveis aos ataques às mulheres trabalhadoras, através da aprovação das reformas previdenciárias e as medidas verde-amarelo. Na fila do osso, do lixo, estão as vítimas dessas políticas aprovadas por essas mulheres burguesas. Se Bolsonaro vocifera contra as mulheres, em sua cruzada contra o que ele chama de ideologia de gênero, essas mulheres, assim como as CEOs, empresárias, estão ao lado das políticas que precarizam as mulheres. Luiza Trajano, Tábata Amaral, Kátia Abreu, dizem Ele não, mas ataques sim.

Lenin, em sua obra Estado e Revolução, faz rum resgate de Engels a respeito do sufrágio universal na democracia burguesa.

O sufrágio universal é um instrumento de dominação da burguesia que faz o povo partilhar da falsa ideia que no estado atual seria capaz de manifestar e impor a vontade da maioria dos trabalhadores. (p. 34) [3]

O movimento sufragista foi importante para escancarar as contradições entre a igualdade jurídica proclamada pela Revolução Francesa e condição das mulheres. No entanto, o seu caráter policlassista coloca o movimento em uma encruzilhada: a emancipação das mulheres não se deu com o direito ao voto e não se dará só pela luta por mais direitos que, embora sejam fundamentais, na prática são exercidos por poucas mulheres e sujeitos a retrocessos como vemos com o governo Bolsonaro que atacou até o acesso gratuito a absorventes menstruais por mulheres pobres. No capitalismo os direitos sempre serão restritos e efêmeros. A emancipação das mulheres, de forma plena e perene está profundamente ligada ao destino da classe trabalhadora. E somos metade dessa classe.

Veja também: Prefácio do livro “Nós mulheres, o proletariado”

 
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