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Ideias de Esquerda
Trótski e a batalha pela revolução na Europa
Thiago Flamé
São Paulo

Como fundador do exército vermelho depois da revolução de outubro, o estrategista da insurreição bolchevique, o revolucionário que primeiro entendeu o papel dos sovietes em 1905, e que antes de Lênin percebeu que a revolução para vencer levaria a classe operária ao poder, Trótski merece ser lembrado como um dos maiores revolucionários da história. No entanto, ele próprio considera o seu papel histórico mais importante o que cumpriu depois da morte de Lênin, para preservar e atualizar a tradição revolucionária do marxismo.

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Ilustração: Isadora de Lima Romera | @garatujas.isa

As batalhas travadas para construir um partido revolucionário internacional, em especial na França, Alemanha, e EUA, mas também no Estado Espanhol e outros países imperialistas, são valioso tesouro revolucionário. Se geralmente Trótski é lembrado como o herói que venceu a guerra, e pouco se reflete sobre as lições estratégicas da vitória, destino pior tiveram as batalhas que ele próprio considera as mais importantes da sua vida. Isaac Deutscher, o mais fiel biógrafo de Trótski, era da opinião de que ele deveria ter se concentrado nas elaborações teóricas e se poupado das intermináveis discussões com os pequenos grupos que aderiram à construção da IV. No entanto, é no contexto da luta para construir partidos revolucionários nos principais países da Europa, partindo da compreensão que tinha o revolucionário russo de que somente a vitória da revolução socialista em algum país do continente europeu poderia parar a guerra.

A batalha pela frente única operária na Alemanha

Acontece que suas obras do período são inseparáveis desses combates e da luta para que a revolução triunfante na Europa Ocidental pudesse para a guerra. Entre seus escritos mais importantes do período estão toda a luta contra a linha sectária do stalinismo para a Alemanha. O chamado terceiro período, desenvolvido a partir da crise de 1929, era uma visão catastrofista e determinista do PC russo, que buscava justificar os métodos bárbaros com que estava levando adiante uma amorfa coletivização das terras na URSS, na realidade desatando uma grande guerra civil no campo, sob o argumento de combater os camponeses endinheirados (os Kulaks), que começavam a ser tornar uma ameaça a planificação da economia, como havia alertado a oposição de esquerda desde 1923.

Na URSS uma consequência desastrosa dessa orientação ultra-esquerdista tomada pela burocracia stalinista foi romper a unidade da classe operária com os camponeses pobres e terminar de jogá-los no colo dos Kulaks, com as consequências brutais que se seguiram, uma guerra civil, que ficou entrou para história como coletivização forçada. Na Europa, e mais especificamente na Alemanha, essa orientação levava a igualar os partidos operários de conciliação de classes com qualquer partido burguês, e especificamente com o nazismo. A social-democracia era chamada nestes tempos de socialfascismo. O Partido Social Democrata, que dirigia a maioria da classe operária Alemã, que tinha passado para o lado da burguesia desde 1914 era igualado ao nazismo de Hitler.

Nessas condições, Trótski manteve viva a tradição e a estratégia da III Internacional da época de Lênin e buscou atualizar a estratégia da insurreição proletária para as sociedades com estruturas sociais e econômicas mais complexas da Europa ocidental. Sim, dizia Trótski, a social democracia se transformou em uma das ferramentas de dominação da burguesia. Mas não é indiferente se a classe dominante se apoia em um partido reformista que controla os sindicatos traidores para exercer manter o seu poder, ou se ela vai pelo caminho do fascismo, da destruição física de todas as organizações operárias, inclusive as reformistas. Uma comparação com os dias de hoje, é como se os bolsonaristas levassem adiante a promessa de campanha do Bolsonaro de fuzilar os opositores e estivesse na prática queimando as sedes do PT, dos sindicatos, enforcando os dirigentes reformistas nos postes, e os revolucionários se negassem a lutar pela unidade das fileiras proletárias, contra a política oportunistas dos reformistas, simplesmente falando: o fascismo e reformismo são duas armas da burguesia para manter o poder. No entanto, essa comparação está longe de ser precisa. O governo Bolsonaro não é fascista, pois apesar da sua ideologia ser, o seu governo e o regime político atual são a expressão do golpe institucional de 2016, com fortes elementos bonapartistas, mas bem longe de um governo de destruição física das organizações operárias, que é o que caracteriza o fascismo.

A derrota não era inevitável na Alemanha, foi fruto da traição política dos dois partidos operários, Social Democracia e PC e seu medo da revolução socialista. Com essa vitória, Hitler iniciou a preparação da Alemanha para a II Guerra Mundial. Antes, no entanto, que ela se tornasse inevitável, a revolução precisaria ser sufocada no restante da Europa Ocidental, em particular na França e na Espanha, países onde a revolução proletária, único freio de emergência que evitaria a guerra, se levantava mais uma vez.

Política de estado ou política de classes

Stálin e a burocracia governante na URSS se assustaram com as consequências da derrota causada pela sua própria política sectária e deram um giro de 180 graus. O fortalecimento de Hitler colocava a URSS frente a tendência de uma guerra contra a Alemanha. Para evitar esse perigo a orientação da burocracia governante da URSS vai ser estabelecer uma política de amizade com França e Alemanha, ou melhor dito, com os estados imperialistas desses países. Nesse contexto, os partidos comunistas vão passar a aplicar a política da Frente Popular, subordinando o movimento operário internacional aos interesses da diplomacia soviética. Da política sectária do momento anterior (conhecida como a política do terceiro período), de considerar os partidos reformistas como social fascistas, o estalinismo adota uma orientação oportunista, de alianças e governos em comum não só com os partidos da II Internacional, mas inclusive com partidos burgueses, sob a justificação da necessidade da mais ampla unidade contra Hitler.

Se tomarmos em conta a política do estado operário sob a direção de Lênin ou Trótski e como se relacionava com a política da III Internacional, vemos o quanto se distancia do marxismo revolucionário a política da burocracia soviética. Nunca passou pela cabeça dos dirigentes bolcheviques que a consequência do tratado de paz em separado com a Alemanha em 1918, uma necessidade do estado soviético recém conquistado, fosse que os revolucionários na Alemanha abandonassem a luta revolucionária contra a burguesia Alemã que acabava de assinar a paz em separado com os sovietes. Mas, já a partir de 1934, e depois do VII Congresso da Comintern em agosto de 1935 tornado política oficial dos partidos comunistas, as frentes populares caminham no sentido oposto.

A nova orientação, que não partia de nenhum balanço da política aplicada na Alemanha, é anunciada como a política da frente única operária, mas é o seu contrário. Pelo seu conteúdo real as duas orientações diferiam profundamente.

A política de frente única, como elaborada pela III Internacional a partir do seu segundo congresso e enriquecida pela experiência da derrota alemã, era uma tática para preparar a ofensiva revolucionária, fortalecendo a influência dos partidos comunistas nos momentos de ofensiva burguesa e possibilitando ao mesmo tempo que a classe operária se unificasse na luta contra inimigo comum ao passo que proporcionar uma experiência prática com os partidos da II Internacional. A frente única operária consiste na unidade entre todas as organizações de massa em torno de objetivos práticos e ações concretas de luta contra o inimigo comum. Uma assembleia de fábrica, por exemplo, para organizar uma greve, é um organismo de frente única, assim como manifestações em comum. Na luta contra o nazismo, por exemplo, significava a defesa militar comum das sedes e sindicatos de ambos os partidos contra os ataques nazi. A necessária unidade de ação não se confunde com a aliança política, chapas comuns, programas comuns, alianças eleitorais comuns. Nesse sentido, os revolucionários não misturam suas bandeiras com os aliados da frente única, mas mantém sua total independência política e programática.

Ao contrário, a política dos partidos comunistas na década de trinta, subordinava a mobilização concreta da classe operária aos objetivos das alianças com a social democracia e especialmente com setores da burguesia imperialista dita "democrática", incluindo a possibilidade de governos em comum como se deu na França e na Espanha. Essa inversão, ao invés de subordinar a unidade com os interesses práticos da luta e desmascarar a demagogia parlamentar dos partidos reformistas e a paralisia imposta pelos seus acordos e pactos com os partidos burgueses, subordina a luta prática da classe trabalhadora às necessidades das alianças. Não raro, alianças que incluem inimigos da classe trabalhadora e do povo entre seus integrantes, como está ocorrendo neste momento no Brasil.

Como colocava Trótski, por exemplo, no seu artigo “Espanha, última advertência”: “Um bloco de grupos políticos divergentes da classe trabalhadora é, às vezes, completamente indispensável para a solução de problemas práticos comuns. Em certas circunstâncias históricas, esse bloco é capaz de atrair as massas pequeno-burguesas oprimidas, cujos interesses se aproximam dos interesses do proletariado. A força conjunta de um bloco desse tipo pode ser muito mais forte que a soma das forças de cada uma de suas partes componentes. Pelo contrário, a aliança política entre o proletariado e a burguesia, cujos interesses sobre questões básicas na época atual divergem em um ângulo de 180 graus, como regra geral, é capaz apenas de paralisar a força revolucionária do proletariado.”

França e Espanha

Os dois países em que essa política foi levada até as últimas até o final e a Frente Popular se tornou governo, as consequências foram desastrosas. Na França, logo após a vitória da Frente Popular uma onda de ocupação de fábricas varreu o país, colocando na ordem do dia a revolução proletária. Nesse contexto, a aliança governamental entre o PS, o PC e o Partido Radical, um tradicional partido da burguesia francesa, foi um elemento chave para desviar a mobilização e desmoralizar a classe operária.

Frente a Revolução Espanhola a política da frente popular mostrou sua faceta mais reacionária, tornando-se diretamente um instrumento da contra-revolução nos momentos decisivos. Em 1936, depois de dois anos de governo da direita, e de ofensiva contra-revolucionária, a eleição da Frente Popular expressou de maneira distorcida a força da revolução. Antes mesmo da posse do mesmo governo, a classe trabalhadora foi às ruas, cercou presídios e delegacias e impôs através da mobilização umas das principais bandeiras da campanha da Frente Popular: liberdade aos presos políticos.

Poucos meses depois se daria o golpe militar de Franco, possível em primeiro lugar pela cumplicidade dos governantes da Frente Popular com os generais reacionários. Todos os alertas foram ignorados e Franco pôde organizar suas tropas livremente no Marrocos, então colônia Espanhola, atravessando o estreito de Gibraltar sem que nenhuma medida fosse tomada pelo governo. Toda a resistência foi levada adiante pela classe operária e suas organizações de frente única, como os sindicatos e as chamadas juntas revolucionárias, espécies de comissão de fábrica que cumpriram um papel similar aos sovietes na revolução russa. Nas principais cidades do país, como Madrid e Barcelona, o golpe foi derrotado e o poder caiu imediatamente nas mãos das organizações operárias. A iniciativa da base não somente derrotou o golpe na maioria do país, como levou a revolução a um novo patamar, contra a política dos dirigentes.

Com o país em guerra civil, dividido entre o campo franquista e o republicano, a linha política da Frente Popular, com um papel importante do PCE, que se tornou uma organização de massas ao longo do processo, expressando a vontade da classe trabalhadora da espanha em seguir o caminho da Revolução Russa, foi “primeiro ganhar a guerra, depois fazer a revolução”.

Trótski, com toda a experiência da revolução e da guerra civil russa, mostrou como essa política levaria à derrota da revolução, e por conseguinte, da própria guerra. Pois a guerra não é um fator separado da política, é a continuação desta por outros meios. No mesmo texto já citado, afirma Trótski que “a guerra civil, na qual a força da coerção pura dificilmente é eficaz, exige de seus participantes o espírito de suprema auto abnegação. Os trabalhadores e camponeses só podem garantir a vitória se lutarem por sua própria emancipação. Sob essas condições, subordinar o proletariado à liderança da burguesia significa garantir antecipadamente a derrota na guerra civil.” Um exemplo contundente disso é que se a Frente Popular tivesse rompido com os interesses da burguesia colonialista da Espanha e declarado a independência de todas as colônias, uma demanda democrática elementar, Franco não teria conseguido seu exército contra revolucionário a partir das colônias da África do Norte.

Quando a classe trabalhadora espanhola fez sua última tentativa de superar a política traidora dos seus dirigentes, com a insurreição de maio de 1937 em Barcelona, os partidos da Frente Popular tomaram a defesa do governo e sufocaram a insurreição. Sufocando o ímpeto revolucionário das massas que lutavam contra Franco pelos seus próprios objetivos, a expropriação das fábricas e das terras, por exemplo, tomando a responsabilidade de reprimir a iniciativa revolucionária das massas na retaguarda, a Frente Popular privou o exército que combatia Franco do seu principal ativo e preparou as condições da derrota.

Trótski combateu até o fim para levar adiante a tática da frente única operária, buscando unir as fileiras da classe trabalhadora contra os inimigos comuns e construir um partido revolucionário que pudesse conduzir à vitória da revolução. Seja para enfrentar a ameaça da ditadura fascista, seja para enfrentar a política de conciliação de classes, que tolhia o potencial revolucionário da classe trabalhadora e debilitava a luta contra o inimigo nazista. As condições hoje são bem diferentes daquelas dos anos trinta. Nem a ameaça fascista pesa sobre nós como pesava naquele momento, nem a revolução socialista está hoje na ordem do dia como estava naquele momento. Mas as lições políticas da batalha pela independência de classe, pela frente única operária e pela unidade na ação entre toda a classe operária, em oposição a todo tipo de aliança com setores burgueses, são exemplos históricos atualizados nos dias de hoje.

 
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