www.esquerdadiario.com.br / Veja online / Newsletter
Esquerda Diário
Esquerda Diário
http://issuu.com/vanessa.vlmre/docs/edimpresso_4a500e2d212a56
Twitter Faceboock
07 de setembro
200 anos depois: como foi a independência do Brasil?
Liliana O. Caló

No dia 7 de setembro é comemorado a declaração de independência do Brasil, que nos últimos tempos vem ganhando significados, como se costuma dizer, para uso de acordo com a ocasião.

Ver online

Se em 2021 o dia foi escolhido por Bolsonaro para se revalidar como projeto reacionário e bonapartista, nesta ocasião, que marca 200 anos, como se um ato patriótico contra o “jugo colonial” fosse lembrado, o atual presidente reforça a narrativa militar, nacionalista e monarquista, tendo em vista as próximas eleições presidenciais.

De colônia a reino

A independência do Brasil da metrópole portuguesa foi proclamada em 7 de setembro de 1822 por Dom Pedro I, filho do rei João VI de Bragança, que havia chegado com sua família e a corte (cerca de 15 mil nobres) ao litoral brasileiro em 1808, fugindo dos exércitos napoleônicos avançando sobre a Europa, instalando-se poucos meses depois no Rio de Janeiro, convertido em capital do reino.

Logo após sua chegada, João anulou a exclusividade do comércio com a metrópole portuguesa, permitindo a abertura do comércio para o que chamou de "nações amigas". Ao longo de 1808 Brasil e Inglaterra quadruplicaram seu comércio, e como se isso não bastasse, quase um ano depois foi assinado o Tratado Anglo-Brasileiro (1810), que impôs tarifas mais altas sobre as importações portuguesas. Esses dados antecipam o que será fonte de conflitos futuros, ao consolidar vantagens materiais e simbólicas para a elite agrária do Brasil em detrimento da “pátria-mãe”.

Por volta de 1814-1815, o Congresso de Viena mudou o cenário internacional e lançou as bases para o retorno dos projetos monárquicos. Nesses marcos, em dezembro de 1815, como forma de superar as tensões da restauração, João proclamou que o Brasil deixava de ser colônia para se juntar a Portugal e ao Algarve como Reino Unido, privando a elite da metrópole de antigos privilégios e reforçando ao daqueles estabelecidos no Brasil, transformados em grandes proprietários e comerciantes. Ao mesmo tempo, resolveu, à sua maneira, a ameaça de fragmentação e o estabelecimento de governos republicanos, como foi o caso dos territórios americanos. Não eram especulações de um monarca em declínio. A “Inconfidência Mineira” (1789) que buscava estabelecer a independência de Minas Gerais contra o Reino de Portugal ou, posteriormente, a chamada Revolução de Pernambuco (1817) sintetizou fatores explosivos de instabilidade. A insurreição suscitou a reivindicação da elite pernambucana pelo tratamento desigual que recebia, além das altas taxas e contribuições que tinham que enfrentar. O governo provisório que se estabeleceu naquela cidade, e sobreviveu quase três meses, defendeu a República e a igualdade de direitos, sem afetar a escravidão e a tolerância religiosa. Como retaliação, e em termos nada pacíficos, foi derrotado pelas tropas reais.

O alerta vem do Porto

As decisões da realeza não foram bem recebidas na metrópole portuguesa onde as elites enfrentaram o descontentamento de uma situação social crítica, pedindo ao rei algum sinal que devolvesse a Portugal a hierarquia perdida. Esse gesto não foi nem mais nem menos do que o retorno da coroa. Assim, em 1820, ocorreu a chamada Revolução Liberal do Porto, exigindo o retorno de João VI a Portugal e uma nova constituição que limitasse os poderes absolutistas do rei. A revolta foi atravessada por duas correntes favoráveis ​​ao retorno da família real: os liberais, que defendiam a instalação de Cortes para discutir uma constituição, e outra mais inclinada a restabelecer a soberania nacional sob a antiga liderança monárquica.

No Brasil, a Revolução Liberal provocou uma profunda crise dando origem, esquematicamente, a dois reagrupamentos: o Partido Português que defendia a volta do rei, formado por altas patentes militares, setores da burocracia e mercadores que defendiam o restabelecimento do pacto colonial, e o Partido Brasileiro de grandes proprietários rurais, financistas, exportadores e também militares, ligados ao mercado inglês, que, nativos da colônia, usufruíram da nova situação comercial e política, dividida em duas tendências: a moderada, hegemônica, não buscavam uma ruptura com Portugal mas sim manter, mesmo com a monarquia, os privilégios conquistados desde 1808, e os mais radicais (com Gonçalves Ledo a frente) delinearam a possibilidade de um governo independente e republicano.

Em 1821, João, notificado dos decretos que determinavam o seu regresso de Lisboa, no final de abril deste ano regressou a Portugal, deixando o filho a cargo “do governo geral e de toda a administração de todo o reino do Brasil”. No entanto, as pressões recolonizadoras não terminaram por aí, eles buscaram mais. Quando as Cortes portuguesas estabelecem Juntas Provisórias encarregadas da administração do Brasil e decidem converter as províncias brasileiras em províncias ultramarinas, enviando tropas para a capital do Rio de Janeiro, inicia-se um novo momento no confronto.

Independência monárquica

A notícia havia ganho relativo apoio na região norte do Reino do Brasil, como no Pará e na Bahia, mas foi amplamente rejeitada em outras, como São Paulo, as então populosas Minas Gerais e Rio Janeiro, que protagonizaram eventos (formaram o Clube da Resistência), obtendo no início de 1822 a promessa de Dom Pedro de sua permanência no Brasil, o conhecido “Eu fico”. Assim como na América espanhola, o processo se radicalizou diante da intransigência da metrópole diante das medidas imparáveis ​​da Justiça em sua ofensiva contra o Brasil, Dom Pedro tentou negociá-las, estabelecendo seu prévio consentimento como condição para implementá-las (o famoso "decreto"). Não conseguiu.

A situação política agravada pelo efeito do movimento constitucionalista lusitano (1820), sabendo que Dom Pedro tinha apoio militar, setores da elite brasileira pressionaram pela declaração de independência sob a promessa de continuidade de seu mandato. Era a alternativa que evitaria a "anarquia" e cair numa "guerra civil", como acontecia na América desmembrada, sem falar no temor que ainda causava o efeito da revolução haitiana.

A independência foi declarada durante uma viagem a São Paulo, ao receber a notícia de que Portugal estava determinado a acabar com a autonomia do Brasil e sua quase destituição do cargo. Segundo a versão oficial, a declaração é lembrada como “O Grito do Ipiranga”, feita às margens daquele rio sob o lema: “Chegou a hora!... Independência ou Morte! … Estamos separados de Portugal! Ao retornar à capital, o príncipe foi proclamado imperador. Ou seja, no mesmo momento em que declara sua independência do jugo português, o Brasil torna-se um Império.

A bandeira é criada com o verde dos Bragança e o amarelo dos Habsburgos e a coroa no centro (hoje substituída pela abóbada celeste), e formaliza uma nobreza local com títulos baroniais de nomes Guarani ou Tupi. A independência, como escrevem as historiadoras Lilia Schwarcz e Heloisa Starling (Brasil: Uma biografia), constituiu uma emancipação singular no rol das independências americanas, que criaram repúblicas e não monarquias. A verdade é que a emancipação veio sem mudanças radicais. Para os meses seguintes elas explicam que, longe de ser uma diversão passageira, as festas da independência tinham o dom de se tornarem rituais políticos dirigidos ao povo, que assim reconhecia a separação entre Portugal e Brasil. O ritual deu visibilidade ao soberano e estabeleceu vínculos entre a comunidade e a nova realidade política. Era hora de tornar “memorável” a data do reconhecimento do poder estabelecido e da figura de Dom Pedro I, agora transformado no principal protagonista.

A história não segue um plano específico de acordo com uma série de eventos traçados que antecipam um destino, portanto a estranheza do regime político que declarou a independência do Brasil é apenas relativa. A “regressão tirânica”, nas palavras de Chico de Oliveira, que a caracterizou, em meio à turbulência de seus vizinhos, deu lugar a um regime ultrapassado, elitista e racista sustentado na administração militar e burocrática. Não atentava contra o domínio senhorial nem se alterava a extrema violência exercida contra os negros até o final do século XIX, mas assegurava os fundamentos que caracterizarão a futura formação econômica e política brasileira na América Latina: trabalho escravo, latifúndio, produção dirigida pelos senhores da terra com sua clientela, uma burguesia urbana incipiente e trabalhadores livres, tanto nas cidades quanto no campo.

 
Izquierda Diario
Redes sociais
/ esquerdadiario
@EsquerdaDiario
[email protected]
www.esquerdadiario.com.br / Avisos e notícias em seu e-mail clique aqui