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Ideias de Esquerda
Materialismo (não apenas) histórico. Uma defesa de Sebastiano Timpanaro
Facundo Nahuel Martin

Sobre o livro de Sebastiano Timpanaro Sobre o materialismo. Ensaios polêmicos sobre a teoria, a práxis e a natureza (Buenos Aires, Ediciones IPS, 2022)

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Uma virada ao materialismo nas teorias críticas?

A reedição do livro Sobre o materialismo de Sebastiano Timpanaro pela Ediciones IPS dá lugar a um salubre exercício de revitalização intelectual. Publicado em italiano em 1980 como um ensaio polêmico frente ao “espiritualismo”, o idealismo do marxismo ocidental, o estruturalismo e a cultura acadêmica européia do século XX como um todo, o trabalho de Timpanaro antecipa de maneira surpreendente alguns temas filosóficos que ganharam nova relevância no cenário teórico atual. Timpanaro busca reabilitar a natureza no campo do marxismo. Propõe um marxismo “crítico”, distante dos dogmas stalinistas, mas que evita o forte dualismo de sociedade-natureza que caracterizou a corrente “ocidental” da tradição. Do meu ponto de vista, a polêmica de Timpanaro tinha bons fundamentos teóricos nos anos ‘60 e ‘70 do século passado, mas tornou-se inesperadamente atual à luz de alguns desenvolvimentos teóricos e históricos-fáticos atuais.

Vivemos hoje uma crise da sociedade capitalista de grande magnitude. Uma crise multidimensional, como disse Nancy Fraser, que acompanha o estrangulamento da acumulação, o naufrágio das formas herdadas do gênero e da reprodução social, a reorganização violenta dos patrões imperialistas de poder mundial e o possível esgotamento das condições materiais de existência da sociedade moderna. O desastre ecológico em curso, marcado pelo aquecimento global, a extinção de espécies, a contaminação dos solos e dos mares etc. nos coloca diante da possibilidade de um colapso civilizatório até o final desse século, ou antes. Se a humanidade continuar atravessando as “fronteiras planetárias” de estabilidade climática e ambiental geral, talvez não exista um amanhã para projetar nossa ação política, nossos horizontes de sentido e nossas disputas estratégicas.

Com a catástrofe civilizatória surgindo no horizonte, as humanidades parecem experimentar uma crise proporcional. Os vieses culturalistas, subjetivistas e antropocêntricos de todo o empreendimento do saber humanístico herdado demandam uma revisão profunda. Negar tal revisão seria intelectualmente míope e politicamente irresponsável. Em parte, esse processo intenso de revisão já está em curso. O realismo e o materialismo voltam a ser posições “socialmente viáveis” em um cenário intelectual transformado, que se afasta rapidamente do construtivismo social e relativiza a centralidade do discurso como elemento organizador da realidade social. Diante dos problemas emaranhados do Antropoceno, da mudança tecnológica e da crescente intervenção médica, científica e técnica nas dimensões biológicas e ecológicas de nossa existência, parece que precisamos com urgência de paradigmas menos dualistas para o conjunto do saber humanístico. Este necessário giro ao materialismo não é um mero reflexo intelectual da crise ecológica. É uma exigência imposta pelo processo de ilustração, tanto em suas dimensões materiais como intelectuais.

As “teorias críticas”, com toda sua heterogeneidade, tem sido geralmente hostis à natureza e ao naturalismo como posição filosófica [1]. Pensaram em si mesmas de acordo com certo espírito dualista do conjunto das humanidades herdadas, em oposição às ciências naturais. As operações intelectuais favoritas das teorias críticas têm sido a desnaturalização e a historicização. Essas teorias buscam contextualizar historicamente seus objetos para redirecionar os fenômenos para sua temporalidade dinâmica, mostrar que são contingentes e, portanto, modificáveis. Quer se trate de impugnar a dominação patriarcal, o racismo ou a divisão da sociedade em classes, as teorias críticas parecem dizer repetidamente que as coisas são construídas socialmente, que são históricas e que, portanto, podem ser de outra forma. Tudo isso é correto e necessário. Entretanto, no exercício incessante da desnaturalização, as “teorias críticas” acabaram desistoricizando a natureza, identificando-a com o estático, com o que não muda. No processo, também caíram em um antropocentrismo injustificado, anticientífico e espiritualista.

A crise atual se relaciona especialmente com o caráter histórico da natureza. A condição do Antropoceno põe à espécie humana como um todo diante da fragilidade histórica de nossas condições biosféricas e mesmo geológicas de existência. Isso nos obriga a parar de pensar o “ambiente” natural como uma estrutura passiva que contém a atividade social, mas que não participa dela. O meio natural, pelo contrário, é mutável e se encontra hoje em um ponto de inflexão crítico causado principalmente pela acumulação de capital em escala planetária. A natureza não é o cenário estático de uma obra humana, realizada apenas entre pessoas no meio privilegiado do discurso. Pelo contrário, toda nossa vida social se realiza no ser natural (em especial, biológico), e se constitui sobre os arranjos situados e modificáveis desse ser natural. Isso significa que a oposição entre a história (ativa, discursiva e dinâmica) e a natureza (externa, passiva e quieta) perdeu poder explicativa diante da nossa situação histórica. Os recursos teóricos da historicização na perspectiva “construtivista social” esgotaram seu poder analítico. Nesse contexto, o materialista Timpanaro revela-se inesperadamente atual.

Materialismo social e naturalismo

O trabalho de Timpanaro é um debate com o “marxismo ocidental”, uma tradição de pensamento recentemente mapeada por Santiago Roggerone [2]. Essa tradição pode ser caracterizada de distintas maneiras: como um marxismo marcado pelo divorcio com a práxis (Perry Anderson), um marxismo com um conceito sofisticado da totalidade social (Martin Jay), um marxismo humanista, filosoficamente denso e “culturalista” (Merleau-Ponty). A polêmica de Timpanaro se dirige, em particular, contra os aspectos do marxismo ocidental destacados na terceira caracterização. O marxismo “oriental”, soviético, é cientificista, mecanicista, naturalista. Minimiza o papel da agência humana, nega a subjetividade e tem uma concepção economicista redutiva da cultura. Em vez disso, o marxismo ocidental oferece uma melhor análise das mediações da cultura, tem uma compreensão sofisticada da subjetividade humana, geralmente influenciada pela psicanálise, e apresenta uma maior profundidade filosófica, em particular, epistemológica.
O marxismo ocidental, de Korsch e Lukács à contemporânea “teoria da forma do valor”, tem uma linha de continuidade antinaturalista, em sintonia com o dualismo próprio das humanidades do século passado. É um materialismo fundamentalmente social. Analisa o sujeito do conhecimento e a práxis como objetivamente constituído, como um sujeito cuja forma de existência tem condições “ôntico-factuais”, mas mais sociais do que naturais. O marxista ocidental pode estudar, então, a constituição do sujeito pela interpelação ideológica (Althusser), pela totalidade social antagônica (Adorno) ou pelo capital como valor no movimento (postone). Porém, dificilmente aceita, nos mesmos termos, o conhecimento biológico dos seres humanos. Trata-se, em geral, de um materialismo da práxis, que sempre situa o sujeito em um cenário social, mas parece reduzir a natureza a mero objeto da ação humana.

O antinaturalismo perdura, inclusive, nas formas mais abertamente antisubjetivistas do marxismo ocidental, como encontramos em Althusser ou na atual teoria da forma valor. Essas formas de pensamento social operam um descentramento do sujeito, que se vê constituído quase sem resto pelo todo social, seja sob a ideologia, seja sob a objetividade inconsciente do capital. O descentramento do sujeito em relação ao contexto social e histórico “objetivo” é uma importante conquista intelectual de nossa autorreflexão histórica. Entretanto, na ausência de uma consideração igualmente sofisticada das dimensões biológicas da existência social humana, obtemos, na melhor das hipóteses, um antropocentrismo sem sujeito. Esse materialismo parcial se limita cirurgicamente a estudar a constituição social da experiência subjetiva, enquanto omite os aspectos irredutivelmente naturais de nossa situação no mundo [3].

Se as teorias críticas hoje enfrentam a urgência de uma virada ao materialismo, o trabalho de Timpanaro constitui uma contribuição indispensável para pensar esses problemas frente à própria tradição marxista ocidental. Com seus ensaios polêmicos, o filólogo nos diz que o materialismo social é uma posição inconsistente, que necessita, por seu próprio desenvolvimento interno, passar ao materialismo naturalista. O empreendimento do descentramento do sujeito, ou a investigação das formas de subjetividade em relação à contextos ôntico-objetivos não derivados do próprio intelecto humano, não podem se limitar à objetividade social. Essa limitação pressupõe um dualismo forte demais de sociedade e natureza, que pensa a objetividade social como constituinte do sujeito, mas a objetividade natural como mera matéria externa, indiferente e passiva. Carrega uma negação implícita da continuidade entre a sociedade e a natureza. Os seres humanos pertencem ao mundo físico e somos produto de uma história natural. O materialismo “apenas social”, antropocêntrico, é um materialismo incompleto. Falta-lhe uma operação materialista mais radical: descentralizar a sociedade e colocá-la em relação com a natureza.

Timpanaro apresenta uma inteligente crítica imanente do dualismo implícito no marxismo ocidental:

O marxista se coloca em uma situação científica e polemicamente frágil se, depois de ter rechaçado os argumentos idealistas que tendem a mostrar que a única realidade é o Espírito e que os fatos culturais não dependem da estrutura econômica, toma emprestado os mesmos argumentos para negar a dependência do ser humano da natureza [4].

A natureza não é o objeto externo da existência humana, porque a própria atividade social dos seres humanos pode ser explicada em termos naturais: ela corresponde, pelo menos em parte, à nossa existência incorporada como entes biológicos. Isso significa que não podemos negar o conteúdo objetivo das ciências naturais aplicadas ao ser humano. Claro que todas as formas de conhecimento implicam vieses, que partem de nossa situação objetiva e que podemos clarificar apenas parcialmente a cada vez. Mas é arbitrário afirmar que esses vieses são constituídos socialmente, mas que as dimensões biológicas, físicas e ambientais de nossa existência são meras determinações externas da práxis.

As idéias acima são importantes para a indispensável renovação ecológica da tradição marxista. Já em La ecología de Marx, John Bellamy Foster faz uma crítica ao marxismo ocidental semelhante ao naturalismo de Timpanaro [5]:

O marxismo ocidental, como tradição diferenciada que surgiu nos anos vinte, se caracterizou por uma guerra implacável contra o positivismo nas ciências sociais, o que infelizmente teve um alto custo, devido à tendência a criar uma fissura entre a natureza e a sociedade [6].

Recuperar Timpanaro e formular um marxismo “crítico”, não dogmático, não mecanicista, mas naturalista parece uma tarefa de primeira ordem para a atualização da tradição de conjunto. Essa atualização, desde meu ponto de vista, deve pôr em primeiro plano o desafio de construir um materialismo completo, que reúna os níveis de análise social e natural em uma teoria unitária.

Engels e Darwin

A reivindicação do naturalismo, única forma exaustiva de materialismo, nos confronta com o desafio de reabilitar duas grandes figuras esquecidas (ou contestadas) do marxismo ocidental: Friedrich Engels e Charles Darwin. O anti-engelsismo ainda está presente nas teorias marxistas atuais (e em outros planos valiosos), que herdam o marxismo ocidental à sua maneira, como a Neue Marx-Lektüre alemã. Como Timpanaro viu, o rechaço de Engels é uma marca, um sinal epistêmico, de uma posição filosófica anti-materialista mais profunda. Engels foi o grande naturalista da “dupla fundadora” do marxismo. A hostilidade a Engels expressa um “tabú contra Darwin” mais geral que tem sido muito próprio das humanidades desde a reação anti-materialista do final do século XIX. Catharine Malabou, talvez a filósofa continental que mais se ocupou em estudar neurociências nas últimas décadas, fala de uma verdadeira testudo, ou formação defensiva antibiológica na filosofia continental do século XX [7]. Os filósofos (continentais), ele nos diz, podem argumentar com tudo, exceto uma coisa: que o conhecimento biológico dos seres humanos é fundamentalmente policial, se identifica com o poder e só serve para o controle.

Hoje, diante dos desenvolvimentos nas ciências da vida, como o descobrimento da plasticidade neuronal, a virada epigenética na biologia ou as investigações sobre a co-evolução gen-cultura, é imperativo levantar o tabu contra Darwin nas humanidades. A virada ao materialismo não é apenas uma exigência prática da crise climática. Também é uma exigência teórica relacionada com o progresso científico da biologia anti-reducionista. A objetivação naturalista do ser humano é um momento dinâmico do processo de ilustração, e não faz sentido resistir a ela a partir de posições reativas, defensivas.

Reabilitar o naturalismo é afirmar a necessidade de se aventurar em perguntas não apenas sociais, mas também biológicas, geológicas e até cósmicas, que explicam a gênese da subjetividade humana no seio da natureza.

Engels é muito mais consciente do que Marx do pano de fundo cósmico em que se situa a história humana e, por isso, sentiu a irredutibilidade da natureza a um mero objeto de trabalho humano ou a um mero precedente pré-histórico de uma realidade que já era apenas humano-social [8].

Enquadradas na testudo antibiológicas, as teorias críticas herdadas geralmente se recusaram a reconstruir essa história natural da agência humana. A subjetividade seria um dado inexplicável, que se realiza em um meio físico ou natural, mas cuja tez interna poderia apenas captar uma “ciência do espírito” autônoma da natureza. Toda tentativa de reconstruir a gênese da subjetividade em termos naturalistas seria mecanicismo, biologicismo, reducionismo e, por fim, submissão do sujeito ao jugo policial do saber biológico. Contra esse preconceito antibiológico, Timpanaro defende Engels e sua “novela filosófica da matéria", uma empreitada legítima e necessária do materialismo não-apenas-social.

A que se deve a hostilidade da natureza, tão generalizada nas humanidades do século XX? Por que esse implícito e quase universal ódio contra Darwin, que no marxismo se traduziu como anti-engelsismo? Do meu ponto de vista, a “reação antimaterialista” da cultura européia do final do século XIX, da qual só agora começamos a nos libertar, teve razões de história intelectual. Expressou, e por sua vez ajudou a consolidar, uma oposição entre disciplinas hermenêuticas (centradas na cultura e na agência, de caráter histórico) e ciências naturais (mecanicistas, alheias a toda subjetividade, incompatíveis com a agência). O “espiritualismo” antinaturalista das humanidades herdades se construiu em uma relação especular com as concepções empiristas, positivistas e reducionistas nas ciências naturais.

A oposição acima se relaciona com o postulado da agência, fundamental em toda teoria crítica e nas humanidades em geral. Não é possível fazer nenhuma forma de teoria crítica sem assumir no ponto de partida que as pessoas atuam desde uma perspectiva de primeira pessoa, que é capaz de mudar (algo no) mundo, e à qual é preciso fazer justiça intelectualmente. A ideia de que as pessoas podem modificar sua própria vida a partir da ação é, para as teorias críticas , uma “petição de princípio”. Se não houver agência subjetiva, se não houver nada que possamos fazer para mudar quem somos, o vocabulário carregado valorativamente da teoria crítica se torna sem sentido.

A testudo antibiológico das humanidades tentou resguardar a agência contra os avanços intelectuais das ciências naturais, interpretadas de maneira mecanicista e eliminatória da subjetividade. As ciências naturais reduziram sem resto a agência, que é experimentada em primeira pessoa e que é um “postulado prático” de nossa vida social normativa, a choques mecânicos entre processos cegos, automáticos, carentes de toda subjetividade.

Timpanaro, em toda sua polêmica com o dualismo implícito no marxismo ocidental, evita cuidadosamente cair em qualquer forma de eliminativismo. Na filosofia da mente, se chama materialismo eliminativo a crença segundo a qual os “estados mentais” referidos na psicologia da vida cotidiana, em virtude dos quais atribuímos agência intencional às pessoas, propriamente não existem. Uma vez que alcancemos uma teoria madura da mente, com uma base neural adequada, veremos que boa parte de nosso vocabulário agencial deve ser abandonado, diz o materialismo eliminativo. É óbvio que essa forma de eliminativismo é incompatível com o marxismo, com qualquer forma de teoria crítica, e finalmente, com toda consideração prática incorporada. Nas breves passagens dedicadas ao behaviorismo, Timpanaro parece entender bem este ponto. Distingue, então, entre explicar os fenômenos subjetivos por remissão a processos biológicos, por um lado, e dissolver ou negar esses fenômenos subjetivos, por outro. “[Bloomfield] não busca uma explicação materialista do pensamento, mas uma espécie de negação do pensamento, uma redução do (assim chamado) pensamento a um mecanismo muito simplificado de estímulo-resposta” [9].

Timpanaro reconhece, no prólogo da edição inglesa de 1975, o perigo das correntes “materialistas mecânicas”, especialmente na academia norte-americana. Entretanto, se recusa a combater o eliminativismo a partir dos resseguros teóricos “espiritualistas” e antropocêntricos. Pelo contrário, nos convida a combater essas correntes em seu próprio campo, sobre a base de um conhecimento adequado de seus objetos e das disciplinas científicas do caso. Timpanaro resiste à "falácia da sociologia do conhecimento”, que diz que o saber científico sobre a natureza é um produto social e, portanto, não se refere a objetos reais, mas é uma mera projeção de seu contexto social de produção. Essa falácia (que o filósofo Roy Bharkar chamaria de falácia epistêmica, e Timpanaro chama “gnoseologismo”) leva às contradições internas do “materialismo social” analisado acima.

Porém, a forma autenticamente eficaz de combater a psicologia apolítica ou reacionária não é aceitar o dilema “ciência político-social ou ciência biológica?” e então se pronunciar pela primeira alternativa contra a segunda, mas estudar cada vez mais profundamente a influência do ambiente sobre o desenvolvimento e sobre a patologia do sistema nervoso, evidenciando a enorme importância que as relações de classe têm na determinação do “ambiente” [10].

Em outras palavras, não se trata de contrapor “ciência neutra” a “humanidades politizadas”, “natureza apolítica” a “saber histórico contextualizado”, ciência eliminativista da natureza a historicização hermenêutica dualista, mecanicismo a espiritualismo. Trata-se de construir melhores pontes explicativas entre os diversos níveis de análise. Claro que existe certa autonomia de cada nível de análise em uma hierarquia aninhada (níveis físico, químico, biológico, sócio-econômico, cultural). Mas essa autonomia não nos impede reconstruir como cada nível emergente surgiu dos níveis mais básicos em um processo histórico-natural. A ideia de que a realidade possui níveis de emergência, que atravessam umbrais de complexidade e organização, permite a Timpanaro combater o dualismo culturalista ou espiritualista sem cair em um materialismo eliminativo. Com isso, o autor busca fazer justiça à agência subjetiva sem sacrificar o naturalismo. Ele afirma que os seres humanos podem atuar a partir de sua subjetividade, mas essa subjetividade pertence ao ser natural. Nas origens do marxismo ocidental, Lukács declarou que “a natureza é uma categoria social” [11]. O filólogo italiano propõe quase uma “inversão materialista” dessa tradição de pensamento. Ele diz que a sociedade é uma categoria da natureza, um nível de emergência específico dentro do ser natural.

Timpanaro, várias décadas antes da atual explosão de realismos e materialismo nas humanidades, em um contexto em que as ciências da vida estavam menos desenvolvidas, recorreu ao legado de Engels para defender um materialismo não eliminativo, aberto e amplo, capaz de acomodar a subjetividade e ao mesmo tempo naturalizá-la. Na atual crise do capitalismo, com suas dimensões materiais solapadas e exaustas, sua contribuição constitui um arquivo indispensável para reconciliar marxismo e darwinismo, construir um materialismo à altura das ciências biológicas e formular uma teoria crítica capaz de lidar com a condição do Antropoceno. Sua republicação é uma boa notícia intelectual, que demanda novos esforços teóricos para voltar a pensar o marxismo como um materialismo completo.

 
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