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Debate
Duas estratégias: movimento estudantil independente ou subordinado a um governo de conciliação?
Marie Castañeda
Estudante de Ciências Sociais na UFRN
Giovana Pozzi
Estudante de história na UFRGS

Após os recentes cortes bilionários na educação implementados por Bolsonaro e as mobilizações que ocorreram em diversas universidades pelo país, se reforça a necessidade de um debate estratégico entre o movimento estudantil: qual caminho seguir para enfrentar a crise orçamentária histórica na qual as universidades estão imersas? Que movimento estudantil precisamos? Queremos aqui fazer um debate com todes estudantes e com as organizações que se colocam como Oposição de Esquerda à majoritária da UNE.

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Com o último bloqueio de R$ 1,68 bilhões no MEC, Bolsonaro mostrou que não está derrotado, atacando o principal setor que desde o início de seu governo foi oposição às suas políticas privatistas e neoliberais. Somado aos 8 anos de cortes consecutivos no orçamento da educação, o bloqueio bilionário deixou as universidades federais num estado de calamidade ainda mais profundo, sentido principalmente por seus setores mais precários como os mais de 200 mil bolsistas e outros 14 mil residentes que ficaram imediatamente sem salário, além de também afetar os trabalhadores terceirizados que seguem sem salário em várias universidades e todes que necessitam dos auxílios de permanência estudantil.

Frente a isso, mais uma vez os estudantes se levantaram contra os ataques de Bolsonaro, com os bolsistas e residentes à frente, e exemplos importantes como na UFPEL e Unipampa, onde os estudantes paralisaram e ocuparam suas universidades, expressivas manifestações como na UFRN e na UFPE e assembléias online com forte adesão, como na UNICAMP. Ainda que tenha sido desigual a resposta a esses ataques em cada universidade, diante das mobilizações existentes, o MEC anunciou um recuo parcial com liberação de 300 milhões do total contingenciado e parte das bolsas já tendo sido depositadas. Esse elemento mostra a força que podemos ter quando nos organizamos para lutar pelas nossas demandas. O descontigenciamento de parte da verba em teoria obriga o pagamento das bolsas e salários em poucos dias, o que é uma importante conquista, mas ainda estamos muito longe de resolver a crise orçamentária da educação pública. Por isso é necessário debater qual é o caminho para lutar contra os nefastos ataques que precarizaram a educação pública em nosso país, buscando massificar e potencializar nossa mobilização. Sendo assim, queremos debater aqui: como organizar nossa luta?

Estudantes da UFRN fazem campanha de fotos pelo pagamento das bolsas e salários atrasados

É justamente nesse ponto que se chocam duas estratégias em disputa no movimento estudantil: (1) confiar na força dos estudantes, apostando no caminho da luta organizada, construída pelas bases e independente das reitorias e governos, ou (2) confiar e esperar que o STF, o Congresso e o novo governo Lula-Alckmin resolvam a situação. Hoje a direção majoritária da UNE (UJS, PT e Levante Popular) leva ao extremo esta última, convocando calendários protocolares sem construção real na base enquanto canaliza a indignação dos estudantes na expectativa de que o futuro governo Lula-Alckmin, o STF e o Congresso - instituição que hoje conta com uma grande bancada de extrema-direita e que esteve à frente do golpe institucional de 2016, da aprovação do teto de gastos, da reforma da previdência, trabalhista, do ensino médio e de absolutamente todos os cortes na educação até aqui - irão resolver a crise das universidades. Para onde essa estratégia leva o movimento estudantil?

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A UNE, ao canalizar o rechaço contra Bolsonaro e os ataques para uma alternativa institucional, rebaixa as aspirações dos estudantes aos limites da possibilidade da institucionalidade nesse regime burguês cada vez mais degradado e nutre ilusões de que seria possível conquistar nossas demandas a partir da disputa por dentro do governo, negociando os interesses da juventude em troca de um lugar ao sol ao lado dos articuladores da reforma do ensino médio, de Alckmin e dos empresários dos monopólios da educação privada. Os limites impostos às demandas dos estudantes colocados por essa estratégia chega ao absurdo de, em uma eleição estudantil da UERJ, a chapa do PT e PCdoB defender que o estudante ter direito ao mesmo tempo à bolsa permanência e ao auxílio, para reduzir o preço da refeição no restaurante universitário, seria ’enriquecimento sem causa’. Essa na verdade poderia ser uma política da reitoria, e definitivamente não pode ser a do movimento estudantil.

É frente a isso que nós da Faísca Revolucionária batalhamos por um movimento estudantil radicalmente diferente, subversivo e anticapitalista, o que em nada tem a ver com a estratégia burocrática e institucional levada a frente pela majoritária da UNE, que levou em todo último período a uma paralisia da nossa entidade, canalizando toda energia que se expressou em muitos momentos como potencial para se enfrentar contra Bolsonaro e a extrema-direita para saídas institucionais e impedindo que a indignação pudesse se transformar em organização coletiva dos estudantes para dar uma resposta contundente a cada ataque. Pois se é verdade que a situação reacionária dos últimos anos, com a conformação de uma extrema-direita organizada no país, fortaleceu a resignação entre os estudantes, também é verdade que a direção da UNE corrobora com esse apassivamento, já que foram inúmeras batalhas não dadas ou então recuos parciais comemorados como “grandes vitórias” ao invés de ir por mais. Por isso viemos insistentemente defendendo, em cada ato e assembleia nas universidades pelo país, o caminho da auto-organização dos estudantes em unidade com os trabalhadores de dentro e fora da universidade, e a independência política do movimento estudantil em relação às reitorias e governos, sempre chamando as organizações que se colocam como oposição à linha burocrática da UJS e do PT na UNE, como as juventudes do PSOL, a Correnteza/UP e UJC/PCB, a travarmos essa batalha juntos.

No entanto, os setores que se colocam como oposição a essas burocracias que dirigem nossas entidades raramente buscam uma política que de fato seja uma alternativa a essa estratégia. O PSOL está em plena discussão interna sobre compor ou não o próximo governo, mas membros da sua direção asseguram que irão compor o governo, já sendo o terceiro partido com maior número de membros indicados à equipe de transição, e até mesmo a UP/Correnteza aceitou o subcargo que o PT ofereceu para serem conselheiros de juventude do MDB e da burocracia. Esse elemento se expressa na política dessas correntes no movimento estudantil, onde os tímidos discursos de oposição em épocas de campanhas eleitorais chocam-se com a prática de adaptação à burocracia majoritária. Exemplo disso foi a última plenária geral da UFRGS no dia 8/12, quando propusemos que a carta em discussão no plenário fizesse uma exigência clara à UNE para que organize os estudantes pela base, construindo milhares de assembleias pelo país, para lutar contra os cortes e defender a revogação integral do teto de gastos, da reforma do ensino médio e demais reformas. Em oposição a essa defesa, o Correnteza/UP propôs que o movimento estudantil exigisse do governo de transição a revogação desses ataques, com a direção da UJC apoiando essa proposta. Ainda antes, o Juntos!/PSOL também havia defendido, nesse mesmo sentido, que o GT de educação travasse uma luta pela revogação dos interventores nas Federais. Ou seja, em vez de apostarem na força do movimento estudantil ao lado dos trabalhadores, dispõem-se a apostar todas as fichas no governo de transição com empresários e banqueiros. E mais uma vez, ao governo de transição, mil exigências, mas à UNE sequer uma palavra.

Quando confrontado, o Correnteza afirma que “uma coisa não exclui a outra” em relação à exigência à UNE. Mas por que então, na prática, não formulam uma exigência sequer à UNE? Apesar da argumentação desentendida, o que há de fundo na lógica e política da UJR/Correnteza é uma profunda adaptação à estratégia petista de disputa por dentro do governo. Portanto, para esta organização não se trata de batalhar contra o burocratismo na principal entidade estudantil nacional e exigir que ela organize a luta dos estudantes pela base, mas sim disputar o governo de transição e as medidas do futuro governo Lula-Alckmin. Tanto é assim que a UP não hesitou em aceitar um cargo no governo de transição, dividindo o GT de juventude com membros do MDB e outras figuras da direita. Outro exemplo contundente da convivência pacífica com as burocracias, que são um entrave para a mobilização dos estudantes e trabalhadores, é que no movimento operário disputam sindicatos ao lado dessas mesmas burocracias. Ou seja, apesar da retórica socialista, delegam à mobilização um único objetivo: pressionar o governo. É o abandono de qualquer perspectiva de luta independente e até mesmo das nossas demandas, pois só conseguiremos arrancá-las com a força da nossa luta. Afinal, como iremos exigir a revogação das reformas ao governo de transição sendo que os próprios componentes dele são os articuladores dessas reformas? O GT de educação, por exemplo, está repleto de figuras da direita, articuladores da reforma do ensino médio, empresários que lucram com a educação e banqueiros, a exemplo do Lehmann e do grupo Itaú. Além disso, Haddad, que foi anunciado como Ministro da Fazenda de Lula, se reuniu com Guedes e disse ter sido “excelente”, um grande sinal ao mercado financeiro de que as reformas neoliberais permanecerão intactas no futuro governo Lula-Alckmin. Esse é o resultado da conciliação de classes e aparentemente nem o PSOL nem a UP tiraram lições corretas disso, este último mais uma vez honrando o legado stalinista de conciliação com a burguesia.

Por sua vez, a UJC apoiou a proposta do Correnteza argumentando que “exigir do governo de transição coloca a UNE em contradição com o governo federal”. Mas como é possível colocar a UNE em contradição dessa maneira, se eles não só fizeram campanha por um governo de conciliação, como também estão juntos da burguesia, preparando terreno para governar junto de Alckmin, Lehmann e outras figuras neoliberais da direita? O único modo de colocar a UNE em contradição é justamente denunciando o papel burocrático de desvio da luta dos estudantes que hoje a UJS e o PT cumprem na direção da entidade. Se não denunciamos, desde já, a burguesia e essa aliança, estaremos postergando ou diretamente bloqueando a necessária experiência do conjunto dos estudantes com a direção da UNE para superar essa direção burocratizada. Essa atuação adaptada à conciliação da UJC e do Correnteza também se expressou na carta assinada pelos presidenciáveis Léo Péricles e Sofia Manzano junto de banqueiros, golpistas, patrões e inimigos dos trabalhadores e da juventude em agosto desse ano. No final das contas, na prática essa defesa do Correnteza, Juntos! e UJC não passa de adaptação à mesma estratégia institucional da UJS e do PT, porém às vezes com uma roupagem “socialista” ou “anticapitalista” que termina por não se sustentar na realidade.

Contudo, é mais que urgente uma oposição real à burocracia que controla nossa principal entidade nacional, pois as estratégias em disputa no movimento estudantil dizem respeito ao futuro da educação pública e das nossas universidades. Para atuar à altura da crise na educação pública e enfrentar a extrema-direita organizada no país, em 2023 teremos um movimento estudantil subversivo e independente das reitorias e governos ou um movimento estudantil subordinado às regras do jogo das instituições e de um governo de conciliação? Nós da Faísca Revolucionária seguiremos batalhando pela primeira opção, porque somos uma juventude que enxerga todo potencial que a universidade é capaz de produzir para resolver as mazelas sociais e se revolta ao ver que esse potencial é extremamente limitado pelo capitalismo e pelo projeto burguês que hoje guia as universidades. Por isso, batalhar por uma juventude e um movimento estudantil subversivo é também se enfrentar com a lógica de uma universidade de classe, para que ela esteja a serviço dos trabalhadores e da população, e avançar assim ao questionamento da sociedade de classe de conjunto. Daí a necessidade da independência das reitorias e dos governos, que atuam apenas para manter a universidade nos moldes burgueses. Daí também a necessidade de confiarmos sempre apenas em nossas próprias forças, e pela via da nossa auto-organização, ombro a ombro dos trabalhadores, sermos linha de frente na luta contra o bolsonarismo, os cortes na educação e o conjunto das reformas que precarizam nossas vidas.

Veja mais: Chamado aos militantes do PSOL: para combater a extrema direita e as reformas, precisamos de independência do governo de frente ampla

É por ver o tamanho desse desafio que defendemos a necessária unidade de todos os setores que se dizem oposição à majoritária da UNE para traçar na prática a defesa de uma entidade que lute pela revogação integral de todos os cortes e bloqueios, pela revogação do teto de gastos, da reforma do ensino médio e de todas as reformas, assim como a defesa das cotas rumo ao fim do vestibular e o reajuste das bolsas já. Isso só pode se dar com independência do governo eleito, sabendo dialogar pacientemente com todas as ilusões que há na frente ampla, mas sem nunca deixar de apontar o caminho da luta. Chamamos todes estudantes e também as organizações de oposição a travarem essa luta com a gente.

 
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