www.esquerdadiario.com.br / Veja online / Newsletter
Esquerda Diário
Esquerda Diário
http://issuu.com/vanessa.vlmre/docs/edimpresso_4a500e2d212a56
Twitter Faceboock
Opinião
Quem ganha com a caça aos supostos "terroristas" encabeçada pelo partido do judiciário?
Jean Barroso

A extrema direita brasileira saudosa dos porões da ditadura militar retorna aos poucos aos seus métodos clássicos com o exemplo da tentativa mal sucedida de atentado à bomba em Brasília e, posteriormente, com a invasão e depredação das sedes do Legislativo, Judiciário e Executivo.

Ver online

No último dia 8, a ala mais radicalizada da extrema direita brasileira saudosa dos porões da ditadura militar retornou aos seus métodos clássicos com a invasão e depredação das sedes do Legislativo, Judiciário e Executivo, após denúncias inclusive de bomba em Brasília anteriores à posse. Custa acreditar que a ação do dia 08/01/2023 tenha sido um raio em céu azul, e a cada dia que passa, aparecem figuras ligadas ao baixo escalão das forças militares e policiais com envolvimento direto na ação.

Atentados a bomba e assassinatos foram praticados por grupos de extrema-direita antes e durante os períodos mais acirrados da política brasileira, como na ditadura Vargas e também durante o período da ditatura militar, e nos dois momentos, sempre com envolvimento direto ou indireto de agentes do Estado. Por isso, classificar a ação de invasão e depredação do Congresso Nacional, do Supremo Tribunal Federal e do Palácio do Planalto ocorrida no dia 08/01 como ação de “terroristas” é uma simplificação e um erro por parte da esquerda e uma operação política interessada por parte do regime político, da mídia burguesa e da frente ampla, que serve à contramão da defesa das liberdades democráticas, já que fortalece poderes interessados em preservar os interesses burgueses nas reformas e ataques no último período e que vai se posicionando com legitimidade para enfrentar lutas futuras. Vivemos o desdobramento do cenário estabelecido nas eleições, de continuidade do confronto entre a “frente ampla” capitaneada pelo PT junto a diversos partidos burgueses e com a adesão do STF e da Globo, versus um bolsonarismo agora relativamente isolado dos agentes de apoio políticos e institucionais.

Neste cenário, a política da frente ampla se atualizou como defesa não só da democracia em geral, mas defesa das instituições “republicanas”. Dentro deste discurso, cabe chorar pelo “brasão da república” depredado, e glorificar a polícia do Senado que “bravamente” resistiu aos ataques da extrema direita, esquecendo-se que esta mesma polícia foi responsável por manter o cerco durante a votação de ataques como a reforma trabalhista de Temer em 2017 e a reforma da previdência de Bolsonaro em 2018, com uma repressão brutal contra a esquerda, o oposto do que se viu no dia 08/01.

Uma esquerda fiel ao “Xandão”

Após a eleição de Lula, muitos levantaram a palavra de ordem “sem anistia”, exigindo a punição de Bolsonaro e seu clã, por uma lista vasta de crimes que vão desde a corrupção mais rasteira, como as rachadinhas e gastos com cartão corporativo, até a exigência de responsabilização pela catástrofe na gestão da pandemia, passando pelo questionamento das reformas anti populares e dos ataques contra os trabalhadores.

Neste contexto, a operação midiática capitaneada pelas instituições e por Alexandre de Moraes, de caça aos bolsonaristas que foram à Brasília, e de medidas como o afastamento de Ibaneis Rocha e a prisão de Anderson Torres, são uma tentativa de capitalizar pela direita essa insatisfação popular que não se contentou apenas com tirar Bolsonaro da presidência, mas que busca ir muito além disso. Apesar da Frente Ampla ter empurrado goela abaixo Geraldo Alckmin, e o PT ter imposto como Ministros José Mucio, ex-Arena, aliado aos militares e Daniela Carneiro, uma política ligada às milícias do RJ, praticando a boa e velha conciliação petista, ainda assim, parte dos apoiadores do governo Lula creem na possibilidade de que o governo petista possa ir além do que ele mesmo prometeu- no caso, não revogar reformas, ter “responsabilidade fiscal”, não aumentar o salário mínimo significativamente, etc. Ao mesmo tempo, parte destes mesmos votantes de Lula creem que agora é hora de defender as instituições, é “república contra fascismo”, e isso se expressa em apoio a Alexandre de Moraes em sua atuação contra o bolsonarismo.

É difícil acreditar que, sem um Lula, essa conjuntura seria possível. Lula se entregou à Polícia Federal em 2018, ficou preso 580 dias, e saiu de Curitiba afirmando não ter nenhum rancor com as instituições do regime. Ao contrário da reversão do golpismo institucional que iniciou em 2016, sua eleição representa a reconciliação com os mesmos atores do golpe que até ontem eram seus adversários, excluindo o bolsonarismo.

Em 2016, a extrema direita conseguiu impor restrições aos poucos direitos democráticos do povo, com o golpe institucional que retirou Dilma Rousef do poder, e depois impôs, em 2018, a vitória de Bolsonaro com a ajuda de todo o regime, incluindo o agora odiado Supremo Tribunal Federal, que foi grande aliado destes direitistas ao permitir a cassação da candidatura de Lula e sua prisão. Alexandre de Moraes foi nomeado como Ministro do STF por Michel Temer, que, por sua vez, foi posto no cargo de presidente com o auxílio destes mesmos que direitistas que ele, agora, classifica como “terroristas”.

A ação direta dos bolsonaristas no dia 08, por fora da correlação de forças e isolando a ala mais proto-fascista, não conseguiu impor um maior fechamento do regime por ação dos militares, como queriam, mas sua ação teve como efeito, de alguma forma, incrementar os podres do regime político: os três inquéritos abertos pela polícia federal a mando de Moraes classificam a extrema-direita como terroristas em base à Lei Antiterrorismo promulgada por Dilma Rousef em 2016.

A condenação de atos por terrorismo é criticada por especialistas na legislação, pois os artigos retirados por Dilma Rousef na promulgação da Lei excluem a interpretação de Moraes, por limitar o conceito de terrorismo a ações motivadas “por razões de xenofobia, discriminação ou preconceito de raça, cor, etnia e religião, quando cometidos com a finalidade de provocar terror social ou generalizado, expondo a perigo pessoa, patrimônio, a paz pública ou a incolumidade pública”.

A legislação antiterrorista foi resultado da conciliação do Partido dos Trabalhadores após Junho de 2013 e as lutas persistentes que o seguiram. No segundo mandato Dilma entregou tudo o que a direita queria, tentando, com isso, se manter no comando do governo federal. A redação e os vetos tiveram uma preocupação específica à época, a direita queria uma legislação dura para lidar com movimentos sociais, especialmente as ocupações de terra do MST, mas também algumas manifestações mais radicalizadas que começaram a ocorrer desde 2013. Era preciso uma arma para enquadrar movimentos sociais, o PT a entregou, mas ainda com ressalvas.

Agora, em nome de “defender” a posse do governo Lula, eleito pela maioria, filhotes do golpe institucional como Alexandre Moraes tentam “aperfeiçoar” a legislação, usando a opinião pública contrária aos atos bolsonaristas para aplicar a sua própria interpretação enquadrando as ações como terroristas. Combinado ainda a isso, o STF toma para si prerrogativas de afastar um governador eleito, Ibaneis, primeiro por decisão monocrática de Moraes e depois com anuência dos outros Ministros da corte, além de proibir protestos, decisão que já começa a se voltar contra convocações da esquerda.

No xadrez golpista, o baixo escalão golpista – os bolsonaristas acampados e os que compareceram no dia 08 – foram descartados como uma peça que se sacrifica para conseguir uma melhor posição no tabuleiro. Na conjuntura, o poder judiciário volta a caminhar com as próprias pernas e adquire mais autonomia em relação ao Congresso Nacional. Para que a lei antiterrorista, utilizada na prática contra a extrema direita, seja voltada no futuro contra a esquerda, contra quem inicialmente ela foi criada, basta que essa ação do STF seja normalizada.

A facilidade com que bolsonaristas invadiram os três poderes, vandalizando tudo, destruindo patrimônios históricos e convocando as forças armadas para a realização de um golpe é demonstração de que seu “terrorismo” permitiu inclusive que o partido judiciário tomasse agora o protagonismo no regime político. O dia 08 foi muito diferente da votação da reforma trabalhista em 2016, quando Temer decretou a Garantia da Lei e da Ordem e transformou Brasília em uma grande batalha campal, com repressão para todos os lados, das forças da polícia militar e uso Força Nacional contra os manifestantes.

Mas nem preciso ir tão longe, em 2020, as torcidas organizadas que convocavam manifestações públicas foram taxadas de terroristas, e em 2021, Paulo Galo, uma das lideranças dos Entregadores Antifascistas, foi preso em base à Lei de Segurança Nacional no episódio do protesto na Estátua do bandeirante Borba Gato. Os exemplos são abundantes de como o fortalecimento de uma legislação antiterrorista pode, hoje, ser direcionada à extrema direita bolsonarista, amanhã inevitavelmente cumprirá o papel de reprimir a manifestação popular e dos trabalhadores.

Por exemplo, o debate do terrorismo na ditadura, igualando a violência de Estado, sustentada por militares e civis que garantiram sua impunidade com uma anistia irrestrita, era igualada à resistência da esquerda, da juventude e dos trabalhadores. Ou, após as ações das Torres Gêmeas em 2001, o debate do terrorismo e da Guerra ao Terror tornou-se estratégico para o imperialismo estadunidense para recrudescer o controle estatal na principal potência do mundo.

Somente a mobilização dos trabalhadores e do povo é que podem de fato impor uma saída na qual não haja anistia, nem para Bolsonaro e seu clã, nem para os mais de 8 mil militares que compuseram este governo. Mas deve-se responsabilizar a todos, inclusive aqueles que embarcaram na aventura do golpe e hoje se arrependem... uma lista grande, incluindo-se o STF, que chancelou a Lava Jato e a prisão do Lula; a Globo, que hoje é inimiga de Bolsonaro, mas em 2018 ajudou-o a se eleger; inúmeros políticos do centrão que compuseram a base do Bolsonaro, alguns destes notórios golpistas como Artur Lira e Rodrigo Pacheco, golpistas com quem agora o PT tenta compor um amplo arco de alianças sob a política de frente ampla.

Imaginemos agora se no Brasil estivéssemos vivendo uma situação política parecida com a do Peru, por exemplo, onde milhões saem às ruas e enfrentam a repressão de um governo que é fruto de um golpe. E o mesmo pode ser dito pelo exemplo de outros países, a mesma repressão foi vivenciada no Chile há poucos anos, e em outros países. O recrudescimento de leis repressivas “republicanas” contra “terroristas”, o fortalecimento do “partido do judiciário”, que é como atuam hoje os republicanos Ministros do STF, todo esse cenário de aperfeiçoamento dos mecanismos de repressão se voltará imediatamente contra os trabalhadores e o povo pobre.

Se o objetivo for revogar as reformas aprovadas no governo Temer e Bolsonaro, como a reforma da previdência e trabalhista, se for para lutar inclusive por direitos mais imediatos, batendo de frente com os capitalistas, é claro que estes mecanismos poderão também ser utilizados para criminalizar a luta social.

Lutar contra a extrema direita sem depender do estado burguês

É preciso impulsionar a luta nas ruas, começando por lutar pela revogação completa de todas as reformas aplicadas desde o golpe, como as reformas trabalhista, da previdência, a reforma do ensino médio e o conjunto de ataques realizados contra a classe trabalhadora e o povo pobre.

Nessa luta, precisamos impor que se coloque de pé uma investigação independente dos responsáveis pelas ações da extrema direita no país, que conte com sindicatos, movimentos sociais e organismos de direitos humanos comandando as investigações, com o Estado dando condições e recursos para que essa comissão trabalhe e acesse aos arquivos de investigação. Para isso, é preciso romper com todo e qualquer sigilo quanto a Bolsonaro, mas também quanto à cúpula das instituições políticas, do judiciário e das Forças Armadas e das polícias, também se colocando a intervenção federal em Brasília. Essa investigação deveria culminar em júris populares. Julgamento e punição de todos os militares e policiais envolvidos com o bolsonarismo, e ligados aos crimes da ditadura militar: é a única maneira de atacar a impunidade dos militares e forças policiais, rompendo com o pacto que a sustenta a partir das instituições desse regime. Além disso, é necessário levantar a abolição de todos os privilégios materiais dos militares de alta patente (pensões vitalícias, altos salários, etc.): acabar com os tribunais militares superiores e impor julgamento por júri popular. Isso está intimamente vinculado à abolição da Lei da Anistia, à abertura dos arquivos da ditadura e ao julgamento e punição contra todos os responsáveis civis e militares pelos crimes de Estado durante o regime militar.

Todas as grandes empresas vinculadas ao bolsonarismo, que financiaram suas ações, precisam ser expropriadas e estatizadas sob controle dos trabalhadores, a começar pelas do agronegócio. Assim, é necessário avançar a um programa que alie os trabalhadores da cidade e do campo para fazer frente ao poder dos grandes latifundiários, com a expropriação do latifúndio e a divisão das terras para todos os que reivindicam trabalhar no campo, incluindo a demarcação das terras indígenas.

Leia na íntegra: Sem anistia para a cúpula golpista civil e militar, nenhuma confiança nas instituições deste regime

 
Izquierda Diario
Redes sociais
/ esquerdadiario
@EsquerdaDiario
[email protected]
www.esquerdadiario.com.br / Avisos e notícias em seu e-mail clique aqui