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Blindados contra o povo
Reflexões sobre a negociação da Argentina com o Brasil de 156 veículos blindados desenvolvidos pelo exército brasileiro
Thiago Flamé
São Paulo

Numa cúpula que esteve marcada pelo vergonhoso apoio de Lula e Fernandez ao governo golpista e assassino de Dina Boluarte e pelos acordos para ampliar a extração de gás de vaca muerta na Argentina, atividade que ataca territórios de povos indígenas, o acordo envolvendo o blindado Guarani, projeto estratégico do exército brasileiro, não é apenas um detalhe a mais.

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O acordo comercial ratificado pelo governo Lula foi iniciado ainda sob Bolsonaro e envolve transferência de tecnologia, produção com o máximo de componentes argentinos e envio de oficiais para treinamentos específicos.

Além do conjunto de interesses geopolíticos envolvidos, o anúncio também teve implicação direta com a situação política brasileira e os acordos de Lula com a camarilha militar golpista na sequência dos acontecimentos do oito de janeiro. Um dia antes da demissão do comandante em chefe do exército, Lula se reuniu com os comandantes de cada uma das forças, o ministro da defesa e o presidente da Fiesp junto a outros membros do alto comando. Alto Comando este que não esteve implicado numa tentativa de golpe militar, mas que protegeu os bolsonaristas que estavam no QG após a realização da ação de oito de janeiro.

Em meio a crise política os militares entregaram a Lula uma espécie de carta de reivindicações, com as principais demandas do Exército, da Marinha e da Aeronáutica. Foi do general Julio Cesar Arruda, dispensado no dia seguinte, que o governo recebeu as reivindicações do exército. No topo da lista o “Programa Estratégico Forças Blindadas”. A “carta de intenções para o projeto de integração da produção de defesa Brasil-Argentina” assinada pelo ministro de defesa da Argentina e pelo ministro de relações exteriores do Brasil, junto com a simpatia por Dina Boulart, é mais uma mostra da boa vontade de Lula e Fernandez com as camarilhas golpistas da América do Sul, ao atender às reivindicações imediatas dos generais brasileiros envolvidos no oito de janeiro e reconhecer sua projeção como força da ordem a nível continental.

Um projeto feito sob medida para a repressão interna

O blindado Guaraní, desenvolvido em conjunto pela italiana Iveco e pelo exército (que detém parte dos royalties pela propriedade intelectual do projeto) com uma torre de tiro de origem israelense, começou a ser idealizado em 1999, ainda sob governo FHC. O primeiro veículo foi entregue em 2012 e a partir de 2014 entraram em operação na ocupação do Haiti.

Sua maior utilização até hoje foi nas chamadas GLO, as “operações de garantia da lei e da ordem” e na intervenção federal de 2018 no Rio de Janeiro. Apesar de não ser especificamente concebido para subir os morros cariocas e suas ladeiras íngremes e estreitas, foi projetado para atender as necessidades do combate em centros urbanos. Pode ser utilizado, por exemplo, para remover barricadas e liberar vias, substituindo talvez o canhão automático israelense da sua versão padrão por um lançador de bombas de gás lacrimogêneo como as que o governo Lula entregou para a golpista Dina Boulart usar contra o heróico povo peruano. Além dos veículos em operação no Brasil, o blindado está em operação no Líbano e nas Filipinas.

Os interesses da camarilha militar brasileira

Atualmente o Brasil é o 21 exportador de equipamentos militares em geral e o quarto quando se trata de armas e munições de baixo e médio calibre. Com Bolsonaro os generais obtiveram não só maiores privilégios e aumentos de salário, mas reforçaram sua posição no lucrativo mercado de armas, tradicionalmente controlado por eles e onde haviam sofrido as maiores perdas ao fim da ditadura.

A partir da década de setenta a indústria bélica brasileira, através de empresas estatais controladas pelos generais, adquiriu certo dinamismo e nos anos oitenta teve um ápice, servindo a ambos os bandos na guerra Iraque-Irã, vendendo diretamente ao Iraque, mas também indiretamente ao Irã.

Na década de noventa tanto a exportação de armas como as verbas para o ministério da defesa minguaram, o que explica o ressentimento com o governo FHC que existe na oficialidade. Certa retomada se deu somente durante os anos de lulismo e de boom das commodities, porém num processo que tendeu a deslocar a tradicional liderança do exército sobre o conjunto das forças armadas. Apesar de terem sido beneficiados com a posição no comando das tropas da ONU no Haiti e com outras medidas do governo Lula, os grandes projetos ficaram nas mãos da Marinha e da Aeronáutica, com o acordo com a França para desenvolver um submarino nuclear e a compra dos caças Gripen da Suécia. No comércio de armas, se tomamos as exportações para a América do Sul entre 2005 e 2018, foi quase integralmente de aeronaves.

O programa de blindados do exército visa também alterar essa relação, porém até agora com pouco sucesso, tendo exportado apenas algumas poucas dezenas de unidades, nenhuma para países da América do Sul. Como parte do esforço para entrar no mercado regional, o governo Bolsonaro chegou a realizar a doação de blindados para o Uruguai. O contrato com a Argentina e a complementariedade entre os parques industriais da Iveco nos dois países garantiria a viabilidade do projeto de blindados do exército. Uma outra licitação de 98 blindados também foi contratada em dezembro pelo exército, do caça tanques Centauro II, que também será produzido na planta da Iveco em Minas Gerais, que tem complementariedade com o blindado Guarani tantos em peças, processos de produção e sistemas eletrônicos.

Sinalizações geopolíticas

Muitos recados e sinalizações foram emitidas pelo governo Lula e Fernandez nessa carta de intenções. Em 2015 a Argentina abriu as portas para a indústria bélica chinesa, com contratos para a compra de blindados e navios de guerra. Isso frustrou as esperanças de engajar os vizinhos no projeto do blindado Guarani, que vinha sendo testado desde 2012, e foi um passo a mais da projeção chinesa no continente, chegando num setor dominado pelos EUA e disputado pelos europeus. Ainda que o acordo com a empresa italiana não seja totalmente ao gosto dos norte-americanos, não deixa de ser uma sinalização de contenção contra a entrada da indústria bélica chinesa.

Em outro plano, ainda que em si mesma a transação não seja tão significativa, também sinaliza que Fernandez e Lula, sobretudo de Lula mas com apoio de Fernandez de que não vão reverter um dos objetivos geopolíticos dos EUA ao fomentar e apoiar a operação lavajato e o golpe institucional de 2016. Reverte o foco que os primeiros governos petistas deram, a partir das descobertas do pré-sal na chamada fronteira marítima no Atlantico, enfraquecendo relativamente as posições do exército nas fronteiras terrestres e seu papel de força da ordem a nível continental. Se a posição vergonhosa de Lula ao apoiar tão abertamente o governo golpista do Peru foi uma demonstração mais gritante de que está disposto a cumprir o papel de legitimar os golpes apoiados pelos EUA no continente

 
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