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Porque o PC Grego e seu "campo" internacional não são alternativa revolucionária: debate com ala do PCB de Jones Manoel e Ivan Pinheiro

Marcelo Tupinambá

Foto de capa do artigo, é o dia que o serviço de ordem do KKE se colocou cercando o parlamento entre os manifestantes e a polícia

Porque o PC Grego e seu "campo" internacional não são alternativa revolucionária: debate com ala do PCB de Jones Manoel e Ivan Pinheiro

Marcelo Tupinambá

A enorme crise do PCB suscita muitos debates, com posições da maioria que chega a fazer parte de uma organização impulsionada por Putin, e são profundamente marcados por concepções reformistas e de conciliação de classes. Neste artigo, vamos nos concentrar no debate com a minoria, que tem em Ivan Pinheiro uma de suas referências, que defende o PC da Grécia (KKE na sigla em grego) e seu “campo” internacionalmente na chamada EIPCO, como exemplo a seguir contra a maioria do PCB que, depois de 30 anos declarando que estavam em comum em uma “Reconstrução Revolucionária do PCB”, agora qualificam de “reformistas”. Mostraremos porque o KKE e este “campo” não são uma alternativa para a revolução na Grécia e muito menos internacionalmente.

Qualquer organização que se pretenda revolucionária tem que “passar à prova” da luta de classes, ainda mais quando ela se dá de forma aguda. E este foi o caso da Grécia, que foi um epicentro da crise capitalista desde 2008, com profundas lutas do movimento de massas especialmente até 2012. Por trás de uma verborragia “de esquerda”, o KKE atuou com uma política oportunista. Quando era necessário batalhar pela derrubada do governo, do regime e dos planos da Troika [1] e da União Europeia imperialista, o KKE, em sua linha eleitoralista, chamou eleições antecipadas junto com o Syriza e a extrema-direita, contribuindo no desvio do processo da luta de classes para as vias institucionais, visando ocupar um espaço inofensivo no parlamento hegemonizado pela direita. O KKE se negou a batalhar por uma Frente Única Operária, hegemonizando os setores oprimidos, e pela auto-organização a partir das organizações que dirige, contribuindo na preservação do controle das direções burocráticas sindicais majoritárias. No parlamento, onde as organizações mostram mais sua verdadeira face oportunista, os deputados do KKE se alinham com a extrema direita na “defesa da família”, contra a comunidade LGBTQIAP+, votam gratificações para os policiais e outros absurdos. A classe trabalhadora grega vem pagando muito caro com ataques históricos às suas condições de vida que passaram fruto da derrota desse ciclo da luta de 2008-2012, quando a política do KKE contribuiu para que não emergisse um verdadeiro partido revolucionário que enfrentasse as burocracias sindicais e políticas, bem como o regime político burguês submetido ao imperialismo. O KKE não contribuiu para isso, mesmo com a crise histórica do PASOK (Partido Social Democrata Grego), e mais recentemente a decadência do Syriza. Internacionalmente, a EIPCO (Encontro Internacional de Partidos Comunistas e Operários), organização internacional do PCB e do KKE, que está em crise por um alinhamento de sua maioria com Putin na guerra, o que já debatemos neste artigo, foi uma iniciativa do próprio KKE que caracterizava a EIPCO como uma alternativa “contra a velha socialdemocracia e as novas formas de oportunismo”. Veremos como não há um “campo revolucionário” na EIPCO. Tanto as direções da minoria do PCB, quanto o KKE, exaltam as “décadas de autocríticas” contra alguns aspectos da tradição stalinista, mas veremos como são para regenerar essa tradição, e não servem para qualquer um que tenha o objetivo de construir um partido revolucionário no Brasil e internacionalmente, que não pode seguir a linha do KKE e precisa romper com essa tradição.

No auge das lutas, o KKE defendeu um desvio eleitoral-institucional junto ao Syriza e a extrema direita

Desde o começo da crise em 2008, a Grécia teve mais de 30 paralisações nacionais (no Brasil chamadas de greves gerais), que se concentraram nos primeiros anos da crise, sendo um dos países que mais teve processos da luta de classes no mundo nos últimos anos. O KKE já dirigia algumas posições no movimento operário, especialmente nos portos, um setor estratégico, e uma organização sindical chamada PAME (Frente Militante de Todos os Trabalhadores, na sigla em grego), além de que tinha parlamentares. A emergência do Syriza, que passou a governar o país em 2015, é fruto da derrota desse ciclo de 2008-2012, do seu desvio eleitoral-institucional (ainda que a votação no Syriza expressava um setor das massas buscando uma alternativa eleitoral pela esquerda). Vejamos como o KKE contribuiu nesse desvio.

No auge dos enfrentamentos, no final de 2011, quando além de diversas jornadas de greves, as massas realizavam manifestações massivas frente ao parlamento contra os planos de ajuste da Troika que o PASOK aplicava junto com a direita (Nova Democracia), sua política não foi de centrar na luta por uma Frente Única Operária que impusesse uma greve geral para derrubar de forma revolucionária e pela ação do movimento de massas o governo, o regime e os planos da Troika, e sim completamente eleitoralista de exigir… eleições antecipadas!

Vejamos o que diziam ao convocar um comício do KKE no dia 4 de novembro na Praça Syntagma em frente ao Parlamento, afirmando de forma abertamente eleitoral “precisamos de eleições imediatamente! A classe trabalhadora e as camadas populares devem impô-las através de vastas mobilizações em todo o país. Com sua mobilização e seu voto, eles podem dar um golpe no sistema político burguês” [2]

Ou seja, na prática foram defensores da política que permitia o regime político e o governo se salvarem, um desvio eleitoral-institucional. Por trás dessa política, estava o eleitoralismo de querer eleger alguns parlamentares do KKE para um parlamento zumbi controlado pela direita.

No mesmo período, Alexis Tsipras do Syriza, afirmou que o primeiro-ministro, Georges Papandreou, e seu governo “estão finalmente sendo arrastados para as urnas, sob a pressão sufocante da revolta popular, na sequência da orgulhosa atitude do nosso povo durante a celebração do "Não" (Dia Nacional Grego de 28 de Outubro) […] Parece que, contra a sua vontade, não serão urnas de referendo, mas urnas eleitorais" [3]. Ou seja, a política do KKE, neste ponto, era idêntica à do neoreformismo. Mas o mais escandaloso é ver que era também a política da extrema direita, porque, em meio à crise, esta sabia que se fortaleceria com eleições, por dentro dos mecanismos institucionais burgueses. O LAOS, de extrema direita, era a força política mais entusiasmada com a ideia de eleições antecipadas.

O KKE se enfrentou com manifestantes que queriam invadir o parlamento burguês que votava os ataques

Vejamos a profundidade da radicalização relatada num jornal francês sobre os dias 19 e 20 de outubro de 2011, quando “a raiva e o ódio dos manifestantes se cristalizaram contra a barreira metálica que protegia o Parlamento. Eles jogaram uma chuva de coquetéis molotov, pedras, pedaços de mármore e tudo o mais que conseguiram. A barreira recuou um metro, mas manteve-se firme. Carros foram incendiados, vitrines de lojas foram estilhaçadas, barricadas de lixo pegaram fogo em diferentes bairros de Atenas”. [4]

Como denunciamos naquele momento, na ocasião foram mobilizados cerca de 5.000 policiais para proteger e impedir que os manifestantes entrassem nos recintos parlamentares de forma a impedir a votação do plano de austeridade imposto pela Troika. Em 20 de outubro, várias centenas de manifestantes tentavam forçar os bloqueios policiais em frente ao Parlamento. Isso não foi possível, e o KKE tem uma responsabilidade direta nisso, porque o serviço de segurança do KKE/PAME, com capacetes de moto e barras de ferro, interpôs a sua coluna de militantes entre a barreira metálica que rodeava o Parlamento que os manifestantes queriam invadir. Ou seja, o KKE atuou como defensores do regime político, ficando famoso por se enfrentar com os manifestantes.

Assim, o PAME e o KKE se comportaram como apêndices do aparato repressivo do Estado burguês [5]. Isso provocou confrontos violentos, como se pode ver também neste vídeo e fotos.

O serviço de segurança do PAME chegou a entregar manifestantes à polícia. Um sindicalista do PAME foi morto durante esses eventos, vítima de parada cardíaca causada por gás lacrimogêneo da polícia. No entanto, o KKE não hesitou em acusar os "anarcofascistas" [6] como responsáveis ​​pela morte. Não haveria qualquer motivo para atuar dessa forma absurda, mas buscam dizer que havia apenas "jovens anarquistas" que queriam invadir o parlamento, o que além de tudo está longe de ser verdade. As manifestações nesta mesma praça durante a greve geral de 5 de maio de 2010 já haviam sido marcadas por incidentes durante os quais trabalhadores de base fizeram de tudo para tentar forçar os cordões policiais, e neste 20 de outubro de 2011 não foi diferente. Essa postura do KKE frente à polícia explica também o fato de que votou recentemente [7] a favor no parlamento de uma gratificação de 600 euros para cada policial, sendo mais escandaloso que tenha se dado em meio à uma crise no país com protestos massivos contra o assassinato de um jovem pela polícia.

O KKE preservou a burocracia sindical ao não batalhar por uma Frente Única Operária, hegemonizando os setores oprimidos, e pela auto-organização

Uma marca do KKE em sua prática política é a permanente negativa de impulsionar a Frente Única Operária (FUO). A FUO foi uma política elaborada pela III Internacional, com Lenin em vida, em seu III Congresso (1921), e desenvolvida no IV Congresso (1922) e nas lições estratégicas de diversos processos revolucionários. Trata-se da política de desenvolver a mais ampla unidade da classe trabalhadora e suas organizações sindicais, mediante acordos práticos de ação na luta de classes, buscando hegemonizar o conjunto dos setores oprimidos da sociedade, na luta contra os ataques do capital.

Essa política só é possível se desenvolver em uma batalha frontal contra a burocracia sindical e as organizações reformistas, que se negam a FUO permanentemente, e baseiam seu domínio burocrático na divisão das fileiras operárias, bem como da divisão entre a classe trabalhadora e os movimentos sociais. Essa unidade da classe é a que pode ganhar os setores oprimidos, inclusive da pequena burguesia arruinada, para uma luta contra o capital e contra o regime burguês. A FUO só pode se desenvolver plenamente com uma política de auto-organização das massas, em cada local de trabalho. A FUO nunca surge por uma decisão da burocracia, mas fruto de uma forte pressão das bases e, neste sentido, cumpre um papel fundamental uma organização revolucionária que possa, a partir de posições conquistadas em setores de vanguarda do movimento operário e popular, dar essa batalha. Foi o que os bolcheviques fizeram na Rússia e os marxistas revolucionários ao longo da história. Nunca bastou falar discursivamente “contra os reformistas” e esperar que as massas rompam com eles pelo discurso, que é o que faz o KKE, de forma totalmente passiva e adaptada à burocracia. É necessário construir uma força de combate na luta de classes, coordenando pela base através da auto-organização os setores que dirige, e impondo com a força da mobilização, com uma forte política de exigências e denúncias, a FUO. Trata-se de mover “volumes de forças” para travar uma batalha frontal contra a burocracia com esse objetivo de impor a FUO, ou um forte desgaste das direções que se neguem a isso, golpeando a partir de frações revolucionárias em alguns bastiões. O desenvolvimento dessa política plenamente só pode se dar se for uma política não corporativa do movimento operário e sim hegemônica, levantando também as demandas do conjunto dos setores oprimidos. Essas são as concepções que os revolucionários da III Internacional em seus primeiros 4 congressos revolucionários antes da stalinização, deixaram como tradição, como tática crucial para a luta por um governo dos trabalhadores, socialista, na batalha programática pelo comunismo.

A burocracia sindical grega que dirige a ADEDY e GSEE (centrais sindicais majoritárias do setor público e privado, respectivamente) buscou controlar o movimento de massas com a política de divisão, por um lado, e no máximo frente à extrema pressão das massas, convocar jornadas de greve nacional diárias espaçadas no tempo, para descomprimir essa pressão e parecer que impulsionam a luta, isolando as greves que ocorriam, como a dos portuários de então. Se negavam a organizar, junto a outros sindicatos, uma greve geral de fato, que não permitisse que as greves fossem derrotadas individualmente, e que pudesse derrubar os planos da Troika com a força unificada dos trabalhadores e do povo, assim como o governo e o regime político submetido ao FMI-União Europeia imperialista. A única forma de impor isso seria através de setores de vanguarda no movimento operário batalhando contra as burocracias sindicais pela unificação na arena da luta de classes contra os planos do imperialismo. O KKE sequer batalhou para generalizar essa orientação nos setores que dirige através da PAME e se negou a essa batalha pela frente única de ação com as confederações majoritárias.

Assim, a burocracia sindical majoritária manteve o controle dessas organizações e sem dificuldade preservou a falsa imagem de "combatente" quando em verdade traía a luta contra a Troika. Por isso, a negativa do KKE permanente de impulsionar a FUO é, ao mesmo tempo, uma política sectária e oportunista, porque nega a unidade da classe e o choque na experiência prática com as direções abertamente reformistas e traidoras, deixando o movimento de massas sob seu controle, através de uma política passiva por trás de um discurso “vermelho”.

Como debatemos neste episódio do Espectro do Comunismo, esse tipo de negativa à FUO que o KKE promove, foi uma marca da política stalinista do que ficou conhecido como “terceiro período”, que impediu nada menos que um combate unificado da classe trabalhadora contra o nazi-fascismo. Orientados pela Internacional Comunista já stalinizada, os PCs naquele momento caracterizavam os social-democratas de “social-fascistas”, e discursavam “pela revolução”, mas a negativa da FUO foi o que abriu caminho para a ascensão do nazi-fascismo, e impediu que se desenvolvessem processos revolucionários que seriam capazes de impedir a II Guerra Mundial.

O KKE se alinha com a extrema direita na LGBTfobia e na defesa da família burguesa, e com…..Ivan Pinheiro

Um dos debates que estão abertos no PCB é sobre o papel da luta contra as opressões na política revolucionária. Ivan Pinheiro, que tem relações orgânicas com o KKE há muito tempo, neste artigo polemizando com a maioria do PCB, diz que “talvez pela minha ignorância a respeito, me pareceu exagero o que ele chama de “atrasada concepção LGBTfóbica e transfóbica no interior dos Partidos Comunistas do mundo” e, assim sendo, soou-me estranha sua proposta de que o PCB priorize tornar-se a vanguarda da luta contra estes desvios que considera haver no MCI. Provavelmente haverá diferenças no trato desta questão entre os PCs, imagino que a principal delas sobre a sua importância na luta de classes e que alguns deles possam subestimá-la e, desta forma, soarem como conservadores para os que a valorizam.”

O que Ivan Pinheiro expressa e defende, é justamente a tradição nefasta do KKE. Mas não somente. Outro partido do que essa minoria do PCB considera “campo revolucionário” da EIPCO, o PCTE do Estado Espanhol, neste artigo de junho/21 intitulado “Contra o retrocesso em direitos que supõe a Lei Trans”, diz barbaridades iguais às que vamos citar aqui do KKE, seguindo o pior da tradição LGBTfóbica do stalinismo (que vemos hoje também na perseguição da comunidade LGBT pelo PCCh na China, que também é parte da EIPCO). São concepções são similares à da UP que ficou famosa nacionalmente por suas concepções direitistas neste ponto. Mas nos concentremos no KKE.

Em 2017, como denunciamos neste artigo em seu momento, o KKE votou contra a lei transgênero junto com os grupos conservadores da Nova Democracia, a União de Centro e a ultra direita da Aurora Dourada. Justificaram sua oposição com argumentos reacionários de que o sexo/gênero está “objetivamente” determinado pela biologia, e que a heterosexualidade “predomina” justamente por essa razão. Similares aos que usou o PCTE em 2021 e que o KKE já usava antes, em 2015, para negar-se a votar a lei de união civil, que era o primeiro passo para o direito de casais homossexuais e para adoção de crianças por parte destes.

Em uma declaração completamente homofóbica, asseguravam o seguinte: “A orientação homossexual ou a alternância entre orientações homossexuais e heterossexuais é apresentada por setores intelectuais e artistas, principalmente à juventude, como algo especialmente dissidente, uma forma radical de comportamento (...) Eles projetam a ideia de que a identidade sexual é algo fluido, construído socialmente e linguisticamente. Essa é a corrente filosófica do pós-modernismo, que nega a objetividade do sexo biológico que está na base da prevalência das orientações sexuais heterossexuais". E acrescentam que “essas teorias levam à negação das diferenças biológicas entre homens e mulheres, negando a objetividade da identidade de gênero”.

Como se isso não fosse suficientemente reacionário, na mesma declaração expressam sua posição política: “com base nestes critérios, reiteramos que não concordamos com a extensão da instituição familiar a casais do mesmo sexo, muito menos quanto ao nível do reconhecimento institucional da possibilidade de adoção ou da utilização de Reprodução Medicamente Assistida”.

E concluem com concepções típicas da extrema direita: “a origem biológica da humanidade é resultado de uma relação sexual homem-mulher que, como tal, interessa e é regulada pela sociedade. Objetivamente, uma criança criada por um casal homossexual, desde os primeiros anos determinantes de sua vida, adquire uma percepção distorcida da relação biológica entre os sexos. A percepção correta dessa relação é ingrediente essencial para o seu desenvolvimento psicossomático e social harmonioso.”

Em completa oposição, e contra essa política LGBTfóbica do KKE e do mal chamado “campo revolucionário” da EIPCO de Ivan Pinheiro, uma posição marxista revolucionária compreende o caráter socialmente determinado da identidade de gênero e da sexualidade, rechaça essa concepção ideológica reacionária que argumenta o “interesse da sociedade” na heterossexualidade e na determinação dos gêneros pela biologia, e concebe que a unidade dos trabalhadores e trabalhadoras (entre si e com o resto dos setores oprimidos) só pode fortalecer-se participando ativamente da defesa dos direitos democráticos e das pessoas LGBTQIAP+, assim como contra a opressão racial, contra todas as opressões e por todas as demandas democráticas dos movimentos sociais.

Para além do caráter reacionário dessa política em relação às pessoas LGBTQIAP+, e do alinhamento com a extrema direita nisso, o fato do KKE ter uma polícia como essa, que supostamente seria a organização “à esquerda” do Syriza, é parte do que faz com que se mantenham amplos setores dos mais oprimidos na base do neoreformismo do Syriza e outras organizações. Isso tem relação direta com o sindicalismo corporativista economicista que o KKE/PAME faz onde dirige, pois considera que a luta contra as opressões divide a classe trabalhadora, enquanto no parlamento ataca a comunidade LGBTQIAP+. Não vamos aprofundar neste artigo, mas poderiamos desenvolver como o KKE se adapta à forte tradição nacionalista grega, sendo este mais um ponto que se alinha com a extrema direita, reproduzindo, muitas vezes um nacionalismo “patriótico”, como por exemplo na questão da Macedônia ou nas tensões com a Turquia. Nada mais distante das concepções de Lênin e do marxismo revolucionário que propunha construir um partido de “tribunos do povo” e que impulsionaria uma Frente Única Operária na batalha pela mais forte aliança com todos os setores oprimidos.

A EIPCO, agora em crise, foi fundada pelo KKE e não tem um “campo revolucionário”

A crise no PCB é uma expressão nacional de uma crise internacional dentro da EIPCO, organização internacional fundada pelo próprio KKE, que o PCB faz parte. O KKE caracterizava a EIPCO como “espaço importante para a confrontação ideológica e política contra a velha socialdemocracia e as novas formas do oportunismo”. Mas para que se tenha uma ideia do quanto é uma organização internacional que não tem nada próximo disso, dela faz parte o PCdoB e uma série de outros partidos reformistas e pró-capitalistas que participam da administração do capitalismo em diversos países do mundo, como o PCCh e o próprio PCFR (herdeiro do PCUS), hoje apoiador da política reacionária de Putin na Ucrânia. Ou seja, essa organização internacional e sua crise é responsabilidade central do KKE que a idealizou e promoveu.

Obviamente, sendo a EIPCO uma organização que colabora com a burguesia internacionalmente e dirige o Estado burguês em uma série de países, haveria uma infinidade de exemplos, desde que foi fundada, de papéis nefastos que as organizações que a compõem já desempenharam. Essa minoria do PCB que agora protesta contra a maioria não somente do PCB, mas da EIPCO, aceitou durante 30 anos muitas barbaridades em nome do “comunismo” em diversos países, assim como o fazia nacionalmente dizendo que a maioria do PCB, que agora eles chamam de “reformista”, eram parte da suposta “Reconstrução Revolucionária” do PCB, o que está ruindo como um “castelo de cartas” nacional e internacionalmente.

Mas como não poderia deixar de ser, a realidade é sempre mais cruel do que pretendem as mentes diplomáticas e burocráticas. Este aparato burocrático entra em crise porque o capitalismo leva a uma guerra reacionária na Ucrânia com Putin mostrando suas garras opressivas de inspiração czarista (tendo o imperialismo beligerante dos EUA e da OTAN atuando como comando logístico-militar do campo ucraniano). A ala majoritária apoia Putin e sua reacionária “Plataforma Mundial Antimperialista”, que visa construir uma suposta “multipolaridade” na geopolítica mundial, e tenta fazer parecer que China e Rússia são o pólo “progressista” contra o “mal maior” ou o “inimigo principal” dos EUA e da OTAN. Neste artigo criticamos o conteúdo deste debate no PCB nas posições das duas alas.

A EIPCO durou até agora porque as organizações que a constroem são parte da tradição stalinista, marcada pela ruptura com o internacionalismo proletário e que sempre constrói organizações internacionais que mantém o convívio diplomático e pacífico com as burocracias nacionalistas de todo tipo, onde cada partido “faz o que quer” no seu país.

Essa concepção que rompe com o internacionalismo é também “patrimônio” do tal “campo revolucionário” da EIPCO, como se expressa também no artigo recentemente publicado pelo site Lavra Palavra, de autoria do Secretário Geral do TKP (Partido Comunista Turco), Kemal Okuyan, que seria outra referência do suposto “campo revolucionário” da EIPCO e da minoria do PCB. Mesmo quando Kemal tenta se apresentar como internacionalista contra a maioria da EIPCO, ele diz que: “Os partidos comunistas devem abordar a arena internacional tentando harmonizar os interesses da luta revolucionária em seus próprios países com os interesses gerais do processo revolucionário mundial. Essa harmonia pode ser difícil ou mesmo impossível às vezes.” Ou seja, Kemal considera que pode ser “impossível às vezes” o internacionalismo.

E isso se relaciona com o balanço de Kemal da URSS stalinizada, que ele ainda considera um exemplo: “A Rússia Soviética e mais tarde a União das Repúblicas Socialistas Soviéticas exerceram uma séria influência ideológica e psicológica “a favor do socialismo” sobre os trabalhadores e as nações oprimidas nos países capitalistas. E isso foi conseguido mesmo durante os momentos mais desafiadores para a União Soviética”. Ou seja, reivindicam a URSS sob domínio de Stálin que foi um fator contra-revolucionário na Guerra Civil Espanhola, com as Frentes Populares e numa infinidade de processos revolucionários, incluindo o grego. Seu objetivo era evitar que um processo revolucionário contagiasse os trabalhadores na Rússia e ameaçasse a estabilidade do próprio Estado burocrático, para depois manter o pacto com o imperialismo nos acordos de Yalta e Potsdam. Além disso, Stálin “internacionalista” diretamente dissolveu a Internacional Comunista em 1943.

Parte do que essa minoria do PCB classifica como “campo revolucionário” da EIPCO é o PCV da Venezuela. Este partido está sofrendo um ataque bonapartista do governo Maduro, contra o qual nossa organização, a LTS na Venezuela vem se posicionando, inclusive participando de mobilização, e o MRT no Brasil também repudiou este ataque.

Mas vejamos como Ivan Pinheiro, enquanto era Secretário Geral do PCB, em 2011, defendeu para o PCV na Venezuela o desastroso etapismo (o que agora ele diz ser contra, mais uma “autocrítica”?) para países como Equador, Venezuela e Bolívia. Segundo ele, “as condições equatorianas guardam semelhança, por exemplo, com as da Bolívia e da Venezuela, países em que há espaço para revoluções nacionais democráticas com conteúdo anti-imperialista, antimonopolista e antilatifundiário". Em base a essa concepção de conciliação de classes, Ivan Pinheiro justificava a "participação" da EIPCO em fenômenos como o chavismo, assim como com Evo Morales e Correia no Equador. E este chavismo agora reprime o PCV, que vê sua própria internacional, a EIPCO, organizar a “Plataforma Mundial Antimperialista” com o PSUV chavista que o reprime.

Ou seja, na EIPCO fundada pelo KKE, não há um “campo revolucionário”. Aqui debatemos com as posições publicadas por Ivan Pinheiro e pelo site Lavra Palavra porque Jones Manoel apresenta um debate internacional bastante raso, é simpático da China de Xi Jinping, ainda que critica os ataques da maioria do PCB ao KKE.

O anti-leninismo das “autocríticas” do KKE e de ambas alas do PCB

Não vamos aqui entrar no debate sobre a história do KKE. Mas não queremos concluir sem mencionar aspectos que ajudam a entender o que é o KKE, que é referência para essa minoria do PCB, mas não por ter uma trajetória revolucionária. Ao contrário, o KKE traiu um dos mais profundos processos revolucionários do século XX, que foi justamente na Grécia, em meio à uma onda revolucionária que surgiu em meio à II Guerra. Para entender o que foi o processo da revolução grega é possível aprofundar neste artigo de Pierre Broué, neste artigo da Fração Trotskista que o localiza dentro dos processos revolucionários que surgem da II Guerra, ou de maneira mais completa no livro Estratégia Socialista e Arte Militar, dos dirigentes do PTS Emilio Albamonte e Matias Maiello. Era uma revolução que poderia ter mudado a história da humanidade, e justamente devido à política de conciliação de classes do KKE, sob comando Stálin, a revolução e os comunistas gregos são massacrados. Como todo partido que trai um processo revolucionário, o KKE (assim como o PCB depois da traição da resistência frente ao golpe de 64, que já fizemos este balanço) nunca mais voltou a ter o peso que tinha como direção majoritária do movimento de massas. Desde então, passou por inúmeras crises, diversos processos de rupturas que dão lugar a grande parte dos grupos da esquerda grega. E participou inclusive de governos burgueses direitistas. É impossível entender porque o KKE tem uma “verborragia” de esquerda, sem saber que se trata de uma tentativa de regenerar sua tradição e o stalinismo no país mascarando uma história marcada pela conciliação de classes e traições.

O KKE tenta esconder esse passado com “autocríticas”. Vale destacar, que parte das “autocríticas” que o KKE vem fazendo inclui a revisão de concepções de Frente Única Operária e da tática de governo operário do III e IV Congresso da Internacional Comunista, quando ainda tinha a direção revolucionária de Lenin, questão que vamos abordar em um futuro artigo sobre as concepções teóricas do KKE.

O PCB brasileiro, em suas duas alas, também faz “autocríticas”. Jones Manoel, por exemplo, tenta se orgulhar de estar em “décadas de autocrítica”, onde vem tentando passar uma borracha em algumas partes da história do PCB. Jones Manoel por vezes exaltando os 100 anos do PCB chegou a fazer formulações que este partido esteve presente em todas as lutas do movimento operário brasileiro e no geral o saldo seria positivo por isso. A maioria do PCB também tem “autocríticas” em relação ao stalinismo, em boa parte ligadas à tradição de Lukács. Ou seja, não é uma particularidade desse auto-proclamado “campo revolucionário” da EIPCO essas “autocríticas” [8]. O método dos “autocríticos” é dizer algumas frases sobre traições brutais, localizando traições históricas como “erros” que cabe uma “autocrítica”, e visando manter-se dentro dessa tradição, sempre no marco de um justificacionismo histórico de elementos fundamentais do stalinismo. Esse método do KKE e do PCB não tem nada a ver com o de Lenin. Alguém consegue imaginar Lenin, depois da traição dos créditos de guerra em 1914, ao invés de romper com aquela tradição da II Internacional, dizendo, “nossa internacional errou, mas sempre estivemos em todas as lutas e nosso saldo geral é positivo”? É impossível pensar que Lenin pudesse, frente a diversas traições como as que se deram em diversos países, como debatemos amplamente no podcast Espectro do Comunismo, não romper com essa tradição e construir uma nova, como fez León Trótski. É esse caminho que qualquer militante ou organização que queira avançar num sentido revolucionário tem que traçar.


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FOOTNOTES

[1Grupo único de decisão formado pela Comissão Europeia (CE), o Banco Central Europeu (BCE) e o Fundo Monetário Internacional (FMI)

[3Athens News Agency, “O KKE, o LAOS e a SYRIZA exigem eleições», 2/11/2011

[4Lalibre.be, « Grèce : "Une seule solution, la révolution" », 20/10/2011

[5Não era a primeira vez que o KKE agia dessa forma. Já durante o levante juvenil de dezembro de 2008 após o assassinato de Alexis Grigoropoulos, o governo reacionário da Nova Democracia liderado por Karamanlis e o líder da extrema-direita grega Kartzaferis (LAOS) felicitou o KKE e o Aleka Papariga (presidente do KKE) pela "posição responsável" do KKE que se opuseram à revolta e definiram os jovens como agentes provocadores. Também não deixa de ser importante notar que na Itália, após os confrontos que marcaram a manifestação em Roma em 15 de outubro, é o primo moderado do KKE, o SEL (Sinistra, Ecologia e Libertà) de Nichi Vendola que desempenhou o papel de vigilante da ordem burguesa pedindo a seus militantes que colaborassem com a polícia para entregar vídeos e fotos de "baderneiros" a fim de facilitar sua prisão.

[8Elas só não ocorrem por parte de stalinistas ortodoxos do tipo da UP, que segue hoje a tradição de Enver Hoxha, chefe da burocracia stalinista da Albânia, ou de alguns maoistas como João Carvalho que defendem ferrenhamente Stálin.
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Marcelo Tupinambá

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